DE ORELHA EM PÉ
A família Cardoso morava numa casinha modesta de poucos cômodos na vila perto de minha casa.
Conhecia-os, eram humildes, trabalhadores e honestos.
Tiveram 4 filhos: Joikison, Jeferson, Jenison e Juvilston e 1 filha: Juvenalda, a caçula.
A gurizada, tão logo completou 18 anos, se aventurou por longínquas plagas do Brasil: São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso.
Alguns anos depois resolveram buscar fortuna nos garimpos de ouro do Norte.
O progenitor Juwilson havia falecido recentemente e os filhos que trabalhavam num garimpo ilegal no distrito de Jacy-Paraná, em Rondônia, não tiveram condições de vir; creio que nem puderam avisá-los do infausto ocorrido.
Na casa simples de pintura desbotada, madeiras fragilizadas, retratos amarelecidos na parede da pequena sala, abandonadas, mãe e filha, almas tristes, semblantes saudosos dos que se foram, para sempre e para longe dos olhos.
Muitos anos se passaram, Camélia que assim fora batizada, pois era linda como flor, e Juvenalda, uma moça prendada, “feinha di dá dó”, como dizia o falecido Juwilson, não mais tiveram notícias dos seus.
Eram muito queridas pela vizinhança que as auxiliavam nas agruras da vida.
Certo dia Camélia teve um acidente vascular cerebral que lhe deixou paralisada, atirada no fundo da cama.
Conseguia balbuciar algumas palavras e mexer um dos braços.
Desespero para Juvenalda, que, apesar do drama, conseguira se aposentar.
Os vizinhos ficaram penalizados com a situação das infelizes, mas, pobres, ajudavam como podiam.
Semanas após a malfadada ocorrência, alguns vizinhos que levantavam cedo para o trabalho, cedinho, ao passarem pela casinha, viram através da cortina do quarto de Camélia luzes de velas, os demais cômodos estavam às escuras.
Um deles ainda falou: “Ontem à noite, o quarto já estava com as velas acesas”.
Bateram na porta...ouviram o arrastar de chinelos.
- Pois não? – era a Juvenalda.
-Podemos ajudar?
- Ah! Sim, estou com um grave problema, disse ela.
- Compreendemos, disseram, saindo em disparada.
Em poucos instantes frente à casa dezenas de senhoras piedosas e até quatro rezadeiras com muitos buquês de flores nas mãos foram atendidas por Juvenalda.
- Pois não?
Com lágrimas nos olhos as modestas senhoras num lamuriar sonoro:
“Meus pêsames, podemos entrar?...trouxemos flores para a falecida”.
- Mas que falecida?...
Vige santa, ninguém morreu por aqui...
Os trabalhadores, ao avistarem as luzes bruxuleantes das velas pela manhã, concluíram que a velhinha tinha ido pro “beleléu”.(1)
Nada disso ocorreu, na noite anterior houve um curto-circuito na velha instalação deixando a casa as escuras e quando perguntaram à Juvenalda se queria uma ajuda ela entendera que a auxiliariam na resolução do problema.
Eles chegaram a uma conclusão muito mais aflitiva!!!
(1) morrer