Baile de Carnaval
"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado. "
Tabacaria Fernando Pessoa
Preparo-me para a noite de folia, desligo o rádio, fecho a porta do quarto e começo vestir a fantasia. Escolher o personagem e retocar a maquiagem parece ser o momento mais alegre.
Os preparativos para compor fantasia começam em janeiro. Há um vai e vem nas lojas. Passo noites bordando o traje, sempre com a ajuda das tias.
A roupa é impecável: uma saia e um corpete bordado com lantejoulas e pedrarias vermelhas e douradas. Na cabeça uma tiara brilhante e reluzente, que parece ser oriunda do Oriente, mas que comprei ali na Rua Pinto Bandeira. A maquiagem cuidadosa com blush, sombra, rímel e batom de framboesa. Penso: “vestir a fantasia é fácil, difícil é viver os sonhos”.
Coloco a fantasia de Odalisca. Remeto-me à magia da fábula das “Mil e Uma Noites”. No fundo quero ser Sherazade. Assim como a minha personagem, visto-me de mil histórias e chego a me sentir também com a atitude do rei, captada pela malícia, inveja e altivez dos olhares dos foliões.
Sinto-me adequada à roupa, pois acredito na força criativa do feminino. Revisto-me não em fantasia, mas sim em palavras, porque estas são capazes de enfeitiçar, de encantar e de seduzir. Através delas expressamos as nossas alegrias, fantasias, dores, e fazemos poesia. Assim também Sherazade venceu a morte e ganhou o amor do rei e de todo o reino, ao contar suas fábulas. Deste modo, mudou o seu destino e também o do Sultão.
Volto à realidade. Entro no salão. Definitivamente, este não é o meu mundo. A alegria exacerbada, os confetes e serpentinas coloridas circundam o salão e há um vai e vem de pessoas supostamente felizes. A banda toca marchas de carnaval. Todos dançam, bebem pulam. Volto ao banheiro para retocar a maquiagem e guardo o batom e a fantasia. Revisto-me de palavras e volto para a casa. Assim determino a minha sorte: com paciência e resignação, palavras que nunca terão espaço em baile de carnaval