Contos da cidade morena 8
Caía uma fina chuva naquela noite, e ela me chamou para encontrá-la no estúdio de uma amiga. Todas as vezes foram assim, marcávamos sempre de última hora. Mas comecei a reparar que a falta de expectativa dos encontros, tornava tudo mais natural. Pelo menos com a gente era assim. Eu já estava na rua, apenas mudei o trajeto. Acendi um cigarro quando estacionei e tentei avisar que havia chegado. Quando ela me respondeu, eu já estava lá dentro, e nos esbarramos no corredor. Talvez eu consiga reproduzir outros diálogos mais a frente, mas é difícil de explicar o que acontecia na hora em que nos encontrávamos. Mas posso tentar descrever a cena de forma simples: a gente se abraçava, eu nunca sabia se tinha durado o suficiente, e às vezes, me embaraçava com isso. Ela sempre estava radiante, e sempre usava algo vermelho. Naquele encontro eram os sapatos e o batom, e a cor sempre lhe caía bem.
Tomamos uma cerveja, enquanto suas amigas se juntavam a nós, para depois partirmos para qualquer outro lugar. Enquanto a chuva insistia, entramos no carro pra fumar.
- Olha, trouxe esses livros do Buk pra você...
- Ah! Obrigada. Mas como vou te devolver? Estou indo embora da cidade, lembra? – ela interrompeu.
- Tudo bem – continuei - não faz sentido esses livros ficarem parados sem ninguém para ler. A condição de existência do livro é essa. Alguém precisa lê-lo, para que continue existindo.
- Verdade... Tá, mas por qual me sugere começar?
- Vai nesse aqui.
Decidimos rodar a cidade, procurando algum lugar onde ainda vendesse alguma coisa pra beber. Ela estava a dias de deixar a cidade, e, por mais que isso me abatesse enquanto estivesse longe, quando estávamos perto, não fazia diferença. Conversamos sobre algumas coisas bem variadas no carro, enquanto cruzávamos as ruas molhadas e vazias da capital. Por fim, depois de algumas voltas e nenhuma opção muito interessante, acabamos em uma conveniência dessas de posto de gasolina mesmo. O tempo chuvoso deixava a temperatura um pouco mais amena, o que é incomum por aqui nessa época, que faz um calor considerável.
Entramos, pegamos umas cervejas e decidimos voltar pro carro pra bebermos, já que lá a gente poderia escolher o que fosse tocar no rádio. No banco de trás, dividíamos a mesma cerveja, alguns cigarros, alguns sorrisos tímidos, entre conversas que iam de algum novo artista de rap até as detecções das ondas gravitacionais previstas por Einstein. Pouca coisa se perdia nessas conversas, e se estendiam por horas algumas vezes. Chegamos a passar a tarde seguindo sombras de árvores em uma praça, e sem pausas entre conversas variadíssimas. Nas vezes em que eu comentava que isso era tão raro ultimamente, e que estava realmente feliz por tê-la conhecido, ela ficava realmente sem graça. Não posso negar que ficava satisfeito com sua reação quando isso acontecia.
Saímos pra pegar outra cerveja, e no caminho eu a beijei. Um beijo leve, rápido. Ela sorriu de volta. Não precisávamos dizer nada ao outro. Sorrimos e seguimos. De volta ao carro, entre um gole e outro de cerveja, a gente se beijava, sorria, e até parece que o tempo passava mais devagar. Não sei dizer que horas resolvemos todos partir. Entramos no meu carro e seguimos.
- Acho que meu isqueiro ficou pra trás.
- Que chato– ela respondeu – ah, podemos comprar outro no caminho...
- E mais umas cervejas?
- Com certeza – e rimos juntos.
Andamos sem pressa, e por sorte, achamos uma loja de conveniências quase fechando. O funcionário entendeu nossa situação e nos atendeu. No caminho ela acendeu um cigarro pra cada.
- Olha, sobre aquela vez, que te mandei aquela mensagem – ela disse enquanto eu estacionava próximo a lagoa perto da casa dela – eu fiquei pensando depois e...
- Deixa isso pra lá – interrompi.
- Não. Eu sentia que precisava dizer aquilo.
- Entendo.
- Mas depois eu percebi, que você era um cara legal, e era quase uma obrigação gostar de você.
- Obrigação?
- Talvez eu não tenha usado a palavra certa. Mas eu tinha medo também, por toda essa situação que passei.
- Entendo – respondi, enquanto terminava o cigarro.
Ficamos um tempo em silêncio. Acendemos outros dois cigarros.
- Olha – eu disse – por mais estranho que pareça o que vou dizer, eu tenho que admitir: estou feliz que esteja partindo.
- Hum – ela respondeu me olhando.
- Tem muitos anos que estou sozinho, e tenho gostado disso. Até você aparecer. Sua companhia me faz bem e gosto muito de todos nossos encontros. Mas ainda não tenho certeza se estou pronto pra tentar qualquer coisa do tipo, ou sei lá...
- Entendo.
- Mas de qualquer forma, foi o acontecimento do ano ter conhecido você.
Ela sorriu de volta, e então nos beijamos. Logo em seguida, fui deixá-la em casa. Foi uma das últimas noites em que a vi. E finalmente descobri o motivo de nunca saber o quanto tempo os abraços deveriam durar: todos eles pareciam sempre o último.