Natureza boêmia

Eulália, abandonada pelo marido que lhe deixara de lembrança sem pensão quatro filhos para criar, era uma mulher batalhadora. Dessas partidárias de que um caráter reto e digno é o maior atributo de uma pessoa, ideal que defendia com a bravura de um leão. E isso passou aos filhos a quem pretendia deixar de legado a ideia. Queria em cada um o seu espelho, coisa que tinham por ressalva em sua bondade, mas por fim, amou tanto as diferenças que afrouxou um pouco as rédeas, respeitou suas naturezas.

Damasceno, o mais velho era pau para toda obra. Ainda menino acordava cedo, ajudava a mãe e saía para a escola onde tinha de praxe tirar boas notas. Depois do almoço, saía pela cidade a vender os doces feitos por ela. Nunca se deu a conversa fiada, brincadeiras sem futuro, e sendo muito mais sério do que deveria ser um jovem, jamais se encantou por poesia, nem de música gostava. Foi assim até casar, bom filho e depois, esposo exemplar e um pai modelo.

Marines fora mãe bem cedo, primeiro de boneca, depois de um menino cujo pai foi seu vizinho que ainda criança sentiu saltar seu coração pela menina. Ia assim levando a vida do jeito mais romântico e pueril como quem vive brincando de casinha. O tempo passa, a família aumenta, a comidinha está pronta, papai já vem do trabalho e quem olhar pela janela para dentro da casa vai ver as três crianças, duas de fato, a outra ela.

Eulalinha era a essência da alegria, ria até do próprio umbigo e nesse jeito de não levar a vida a sério, encantou um gringo que andava de visita a São Paulo e a levou de mala e cuia para Nova York. Às vezes vem a passeio ao Brasil e visita a família em Santo Amaro. Continua sorrindo cada vez com mais gosto e motivo. Traz muitos presentes para a mãe e fotos de lá para ver se a convence a viajar para conhecer.

A família apresentada e não a toa, chegou a hora de falar de Orlando, personagem singular dessa história de tantas variedades oriundas do mesmo lar. O rebento temporão de Eulália trazia nos modos e na expressão a esperteza dos caçulas. Ainda adolescente tão diferente do irmão, não queria fazer nada que não fosse folhear revistas que trazia para casa e por motivos óbvios, às escondidas. Quando raramente saiam juntos pela rua, ela observava as maneiras do filho ao passarem pelas moças na calçada. Reconhecia nele o olhar mulherengo do marido, menos vulgar, mais doce e magnético.

- O que tá acontecendo? Tu tá tão esquisito ultimamente, menino!

Eulália preocupava-se com o mundo que atraia seu pequeno Landinho, que andava cheio de olheiras, os olhos distraídos nas saias. A cada dia se convencia de que o seu guri estava mais perto da noite do que do altar.

Estava certa e o tempo provara isso. Aos dezoito, já frequentava as noites do Baixo Augusta de bar em bar, boates e casas de shows na Bela Cintra. Era um boa-pinta rodeado de mulheres e não se sabe onde aprendeu, mas, o fato é que sabia o que mais as atraia. Sua postura ereta, a barba sempre por fazer, a voz empostada, e um costume de vestir qualquer coisa de vermelho, o que para elas era um estímulo subliminar.

O tempo foi passando e a chuva de telefonemas com voz de mulher e às vezes até palmas delicadas no portão virou rotina. Sempre a perguntar:

- Orlando está?

A resposta, quase sempre a mesma. O tempo, os modos e as vozes é que se alternavam:

- Não! Meu Landinho não está.

- Não! Meu marido não está sua vagabunda.

- Não! Papai não está.