Despedida ou Adeus, Laila

Sempre corremos juntos, desde que me lembro. Correr lado a lado com você, eu ligeiramente à frente para ditar o caminho. No início... Faz tanto tempo isso... Como era antes correr sem você? Não me recordo direito, até porque não me importo. Com você foi melhor, com certeza... No início, se me lembro bem, fazia isso, andava à sua frente, para evitar que corresse sem mim, que me deixasse para traz e fugisse. Mas a verdade é que não conseguia te acompanhar, pois você era mais rápida do que eu. Um dia não consegui te seguir e parei, cansado, doente talvez, machucado quem sabe, mas parei e você continuou. Meu medo se acabou pouco antes de começar, quando você parou e olhou para trás: sabia que estava me esperando, pois me dizia isso com seus olhos.

Eu nunca olho ninguém nos olhos. Nossos olhos dizem coisas demais, são muito frágeis. Pelo olhar os outros nos absorvem, sugam tudo o que não queremos que eles saibam; por ele esses outros nos invadem, nos intimidam e nos submetem cruelmente, sem pronunciar uma palavra. Odeio esses olhos translúcidos, em que todos querem nos ver, mas não deixam que os vejamos. Porque os seus olhos não são assim? Não sei. Os seus são diferentes. São serenos, sinceros, transparentes. Em outras horas mudam: são muito negros, medrosos, carinhosos, agitados, aborrecidos. Neles vejo sempre Você, sem qualquer deformação. Por vezes vejo a mim mesmo, como ao olhar para meu reflexo na água, como se eu estivesse dentro de você ou que você quisesse me mostrar o "eu" que não consigo ver sozinho. Só você consigo olhar sem receio, para mais ninguém, pois você nunca me deu escolha: nunca me pronunciou uma palavra, me obrigando a lê-las contemplando sua face.

Lembro de muitas de nossas corridas. Lembro de nossa primeira corrida na floresta, em que você se perdeu e eu corri gritando até te encontrar. Lembro dos ventos na praia agitando nossas orelhas e a água das ondas molhando nossos pêlos, e da sua língua cansada arfando enquanto descansávamos na grama, sujos de areia. Lembro da relva selvagem, mais alta do que nós, nos imensos campos que adentramos com medo, pela pura aventura e curiosidade de saber o que tinha lá. Lembro de nossos passeios noturnos pelas matas e morros, com a respiração firme e passos lentos e silenciosos, como caçadores hábeis, com apenas as corujas curiosas para testemunhar nossa caçada. Lembro do estalar das folhas secas na qual pisávamos quando fomos à floresta morta, onde reinava o silêncio e onde tudo era marrom, onde os únicos seres que existiam éramos nós, os únicos corajosos a cruzar aquele mar de troncos abandonados. Lembro de nossa última corrida, a que você se mostrou mais empolgada, talvez, avançando mais de uma vez à minha frente, animada e reluzente junto aos raios fortes do sol de verão. Tudo isso me vem à mente agora, justo agora que o fim está chegando.

Sim, isso vai acabar, sempre soube, porque tudo acaba, mesmo que às vezes esquecesse. Você nunca falou disso, nem com seus olhos. Talvez você estivesse certa, é melhor não antecipar essas coisas; quando chegarem nós sofremos de uma vez, melhor do que sofrer antes pensando demais nisso. Era isso o que seu silêncio me dizia.

Você nunca disse quanto tempo ia ficar; nunca disse quando ia embora, mas claro que iria. Afinal, também nunca disse que ficaria para sempre... Você não queria ir e eu não queria que você fosse. Sabíamos disso, era recíproco, apesar de nunca dizermos isso um para o outro. Eu até quis, até tentei pronunciar, suplicar que você ficasse, movido por uma ânsia estranha que brota sempre dentro de mim de externar o desejo e a angústia que transborda de meu peito, como se a simples pronúncia de minha vontade fosse uma conjuração, uma magia que mudaria o curso do futuro. No entanto, não precisávamos disso. Nunca precisamos de palavras, apenas de olhares, e nossos seres já se esclareciam entre si. Seu olhar simplesmente dizia tudo o que eu pensava em perguntar.

Mas nos separarmos era questão de tempo, sabíamos. Eu sabia, eu pensava mais nisso, talvez porque sofresse mais com essa decisão do destino. Afinal, o "adeus" sempre dói mais em quem fica. Quem vai leva consigo a liberdade em sua companhia, leva a própria vontade e a esperança da mudança. Quem fica sofre, pois permanece aprisionado sozinho, contrariado pelo destino, carregando o peso da lembrança e assistindo sua própria vontade ir-se embora ao lado do outro. Era isso que aconteceria, e eu chorava antes do fim. Você não, simplesmente me olhava e sabia que estava tudo bem. O tempo não era seu inimigo, e eu, tolo, me aborrecia lutando contra ele sozinho.

Mas era o que acontecia: o dia de nossa despedida. Era agora. Logo agora?! Claro que era agora... Nunca é na hora que estamos preparados, até porque isso não muda quase nada: preparados ou surpreendidos, não vamos aceitar tamanha separação. Nunca achamos que o que não queremos vai acontecer. Resistimos em nossa incredulidade até o último instante. E fiz isso. Resisti até depois do último instante. Deveria agradecer mais pela oportunidade de nos despedirmos, pois isso é um privilégio que a Vida concede a poucos, às vezes a contragosto, mas é sempre difícil deixar o outro ir. Até mesmo porque você não é o "outro", é o mesmo que "eu", e não consigo deixar a mim mesmo. Mesmo assim, aqui estamos nós, eu e você, defronte um para o outro, nos olhando pela última vez... Na verdade, você está de lado, com as costas levemente voltadas para mim, olhando ora para frente, ora para trás, em minha direção, diretamente de encontro ao meu olhar. Está indecisa, eu sei, mas é tudo por minha causa. Você sabe que tem de ir, mas sofre porque eu sofro. Eu aceito, mas não quero isso. Ambos não queremos, porém, eu, que sou fraco, choro, e você, que é forte, vai.

Felizmente consigo levantar a cabeça para te fitar mais uma vez, a última. “Quem sabe você não voltasse correndo como sempre fazia?”, eu pensava, mas não era o que seus olhos me diziam. Vejo seus olhos, mas não sei bem o que dizem; não me dizem nada, acho. Vejo certa tristeza através deles e, sobretudo, a sua decisão de estar fazendo o que deve. Acho também que me repreendia um pouco, dizendo para não chorar mais, pois não precisava daquilo e assim seria mais difícil de aceitar para mim. Acho que era isso, mas parecia um olhar satisfeito, um olhar sem medo ou indecisão. Você me dizia que estava bem assim, que estava feliz por tudo que passamos e que podia ir sem receio.

Era o fim, eu sabia, e um bom fim, pois não tinha nada do que reclamar. Tudo foi bom, até o que não havia sido. Até o fim era bonito, poético. E, apesar do pranto, eu estava contente. Como uma canção tristonha são os uivos caninos: quanto mais alto soarem na noite escura e sombria, mais bonitos se tornam. Foi assim sua partida: com muitos uivos ecoantes de orgulho na mais bela e fria das noites, com a lua mais cheia e brilhante já vista, iluminando mais do que o sol nossos ombros lado a lado. A lua enorme e amarelada nos guiava em nossa última corrida juntos.