Os Poderes do Pithanildo / The Mighty Powers of Pithanildo
Há muitos e muitos anos atrás, lá pelos anos 425 a.C., havia na ilha de Aegina, na Antiga Grécia, uma família de pastores de cabra. Crítias e sua mulher Teodote viviam de seu trabalho com as cabras e cuidavam de seus quatro filhos, Gláucon o mais velho, as gêmeas Castore e Polluxe e o caçula Pithanildo. Todos trabalhavam muito, menos o Pithanildo que ainda era poupado por ser pequeno, fraquinho e... especialmente por ser um protegido de um dos deuses do Olimpo, o poderoso Poseidon!
Certos de contarem com a proteção dos deuses, Crítias e Teodote viviam com humilde fartura, alegria e despreocupação. Durante as noites, antes de irem dormir, Crítias reunia a família e contava as aventuras dos heróis cantadas nos poemas épicos Ilíada e Odisseia do famoso poeta Homero. Ele era um ótimo declamador desses versos e fascinava a todos que o ouviam, sempre queriam mais e mais. Deste modo, as façanhas dos antigos heróis eram mantidas vivas em seus corações. Esse talento acabou por espalhar a fama de Crítias como declamador, um verdadeiro Rapsodo, atraindo como resultado gente do lugarejo inteiro para ouvi-lo.
Com o passar do tempo, o Pithanildo tornou-se um admirador entusiasmado das historias de seu pai e jamais perdia a oportunidade de participar desses encontros poéticos. Numa dessas noites, quando ele tinha mais ou menos 9 anos aconteceu algo intrigante que mudaria a sua vida para sempre...
Este veio a ser um encontro especial porque pessoas das mais respeitadas em toda a ilha de Aegina estavam lá para escutar Crítias recitar os poemas de Homero. Crítias, por sua vez, estava bem ansioso, mas ao mesmo tempo muito orgulhoso por poder fazer o que mais gostava e mostrá-lo a pessoas tão importantes. Gláucon compartilhava de sensações semelhantes, pois nesta mesma noite lhe fora permitido recitar alguns poemas ao lado do pai. Quanto ao Pithanildo, ele começou a sentir algo de muito peculiar no ar.
As declamações iniciaram quando Crítias apresentou o seu filho Gláucon que recitou algumas passagens da Odisseia em que o valoroso Odisseu encontrou o Ciclope. Crítias recitou logo após uma passagem da Ilíada e então os dois seguiram se alternando nas declamações para o deleite dos ali presentes. Quando Crítias recitou o dilema de Aquiles entre vida longa e glória eterna, o Pithanildo teve um choque! Uma visão interna, escondida, lhe vinha à mente como uma revelação.
Por mais que ele tentasse não interromper seu pai, o Pithanildo de repente pulou em sua frente e falou com uma voz gutural e com os olhos fechados:
- Eu sinto que há aqui nesta sala alguém cujo destino é a glória eterna. A sua sabedoria permanecerá pelo tempo em que a vida humana em si permanecer neste planeta... – O Pithanildo abriu os olhos lentamente e encarou as pessoas na plateia uma por uma. Por fim, fitou um jovem rapaz em especial e respirou fundo antes de declarar. – Tu, Aristoclés, és tu! O teu nome certamente ficará para a História!
O Pithnaildo ficou parado no lugar como que petrificado. Todos os olhos se voltaram para ele primeiro... e depois o pessoal tentou encontrar Aristocés, o alvo da tão inesperada previsão. Quando ele foi identificado no meio da multidão, as pessoas insistiram para que ele dissesse alguma coisa. Aristoclés, contudo, não parecia tão espantado quanto todo mundo. Muito comedido, ele simplesmente sorriu para o Pithanildo e respondeu de maneira calma.
- Se tu dizes...
A atmosfera mudou, o caos se instalou e não havia mais clima para declamações poéticas. Crítias fez o melhor que pôde para se desculpar pelo comportamento de seu filho, mas se não fosse pela intervenção do próprio Poseidon na forma de uma pancada d’água repentina que fez com que as pessoas se escafedessem dali, as coisas poderiam ter tomado proporções de grande aflição.
Crítias não fazia ideia do que levara seu filho a se comportar daquele jeito durante o encontro poético. Gláucon e as gêmeas Polluxe e Castore ficaram perplexos só olhando para o irmão. Nem mesmo o próprio Pithanildo sabia exatamente o que se passara com ele. Foi Teodote, sua mãe, que descobriu o precioso dom de seu filho.
- O Pithanildo finalmente acordou para o seu dom o qual o tornou um favorito do deus Poseidon, vocês não percebem? Ele é um rapsodomante!!!
- Um rapsodomante, Teodote? – Crítias dirigiu-se até o Pithanildo e o segurou pelos ombros. - Então, o meu filho tem o dom da rapsodomancia! Esta é uma bênção não apenas para ele, mas para todos nós, sua família. Devemos fazer algumas oferendas para o todo-poderoso Poseidon por ter-nos escolhido para tal privilégio.
Assim, o Pithanildo desenvolveu aos poucos os seus poderes divinatórios e tornou-se cada vez mais popular em seu vilarejo. Seu pai, ou seu irmão Gláucon, ou mesmo suas irmãs gêmeas, declamavam os poemas para que o Pithanildo pudesse ver a sorte das pessoas ou até mesmo prever, por conseguinte, eventos futuros para a ilha de Aegina.
Chegou a época em que o Pithanildo acabou prevendo o seu próprio destino: ele deveria ir para Atenas tendo o seu irmão Gláucon como rapsodo, juntos eles iriam andarilhar por lá. Ele também previu uma longa linhagem de Pithanildos rapsodomantes... E então eles obedeceram aos seus destinos. Com a bênção de Crítias e Teodote, os dois irmãos deixaram sua família e seguiram para Atenas.
Eles tornaram-se conhecidos quase que instantaneamente, pois algumas das previsões do Pithanildo aconteceram num futuro bem próximo o que o levou a conquistar uma reputação confiável. A sua fama foi para as alturas quando, muitos anos mais tarde, ele encontrou Aristoclés por acaso. Ele soube então que o Aristoclés, agora com o nome de Platão, havia se tornado um filósofo extremamente respeitado e estava de fato a caminho da glória eterna...
Após a morte do Pithanildo, o seu filho Pithanildo seguiu os passos de seu pai como rapsodomante. E também o neto do Pithanildo, e o bisneto. Em verdade, seguiu-se uma longa linhagem de Pithanildos e Pithanildas através dos séculos todos rapsodomantes respeitados. Até hoje... Sim, se vocês olharem com cuidado por aí, talvez um dia vocês sejam sortudos o suficiente para encontrar o Pithanildo prevendo a sorte das pessoas após escutar a declamação de alguns versos poéticos!!!
The Mighty Powers of Pithanildo
Ana Esther
A long, long time ago, around the year 425 BC on an island called Aegina in Ancient Greece, there lived a family of goat shepherds. For a living, Critias and his wife Teodote did all the work with the goats and they also looked after their children, Glaucon the eldest, the twin girls Castore and Polluxe and the youngest, Pithanildo. They all worked very hard except for Pithanildo who was still free from such toils for being yet too small and weak and… especially for being a favourite of an Olympian god, the mighty Poseidon!
Conscious of being under this god’s protection, Critias and Teodote led their lives in humble abundance and carefree happiness. At night, before bedtime, Critias got used to gather his family so as to tell them the great deeds of heroes depicted in the epic poems the Iliad and the Odyssey by Homer, the famous poet. He turned out to be a great reciter of those poems and everybody who listened to him got fascinated by them, they always wanted more and more. As such, the adventures of the ancient heroes remained ever alive in their hearts. Such talent ended up by spreading the fame of Critias as a reciter of poems, a true Rhapsodist, throughout the village and as a result it attracted quite a crowd to listen to him.
As time went by, young Pithanildo grew to become an enthusiastic admirer of his father’s stories and would never miss the opportunity of joining in those poetic gatherings. One of those evenings, when he was but about 9 years old, something odd happened that would change his life forever…
It turned out to be a special gathering because the most respected people of the whole island of Aegina were there to listen to Critias reciting Homer’s poems. Critias, on his turn, felt quite anxious but at the same time very proud to be able to do what he most liked and to show it to such import people. Glauco shared similar sensations for in this very evening he was allowed to recite some verses along with his father. As to Pithanildo, he started sensing something ever so peculiar in the air.
The recitations began with Critias introducing his son Glauco who recited some passages from the Odyssey when valorous Ulysses met the Cyclops. Critias followed him reciting a passage from the Iliad and so they kept taking turns to the pleasure of their audience. When Critias recited the verses about Achilles’ dilemma between long life and eternal glory, Pithanildo felt quite a shock! Some hidden, inner vision, kept coming to his mind as a foreshadowing.
As much as he tried not to interrupt his father, Pithanildo suddenly just popped up in front of him and spoke with a throaty voice and shut eyes:
‘I sense someone in this room whose destiny is eternal glory. His wisdom will last for as long as human life itself lasts in this planet…’ – Pithanildo slowly opened up his eyes and stared at people in the audience one by one. He finally fixed one young man in special and breathed deep before declaring. – ‘You, Aristocles, it’s you! Your name will definitely go down in History!’
Pithanildo stood put as if petrified. All eyes turned on him first… and then people tried to spot Aristocles, the target of such unexpected prediction. Once he was found in the middle of the crowd, people urged him to speak up. Aristocles, however, did not seem to be as much overwhelmed as everybody else was. Very composed, he merely smiled at Pithanildo and replied in a calm manner.
‘If you say so…’
The atmosphere changed, chaos set in and there was just no room for poetic recitations any longer. Critias made his best in order to apologise for his son’s behaviour but if it were not for the intervention of Poseidon himself in the appearance of a sudden shower which made people flee from there, things could have reached a point of great distress.
Critias could not make out what moved his son to behave like that during the poetic gathering. Glaucon and the twins Castore and Polluxe seemed mesmerised just looking at their brother. Not even Pithanildo himself knew exactly what went on with him. It was Teodote, his mother, who figured out her son’s precious gift.
‘Pithanildo has finally woken up to his gift which made him be a favourite of the mighty god Poseidon… can’t you see? He’s a rhapsodomant!!!’
‘A rhapsodomant, Teodote?’ Critias walked toward Pithanildo and held him on the shoulders. ‘So, my son has the gift of rhapsodomancy! That’s a blessing not only to himself but to all of us, his family. We must do some thanksgiving offerings to almighty Poseidon for granting us this privilege.’
Thus, Pithanildo, developed little by little his divinatory powers and became more and more popular in his village. Either his father, his brother Glaucon or even his twin sisters would do the reciting of poems so as Pithanildo could tell the fortune of people or even predict future events for the island of Aegina as a follow up.
Time eventually came when Pithanildo predicted his own destiny: he was meant to go to Athens as a rhapsodomant with his brother Glaucon as the rhapsodist, together they would wander about. He also foresaw a very long line of Pithanildo rhapsodomants… And so they abided by their destiny. With the blessing of Critias and Teodote, the two brothers parted from their family and headed to Athens.
They became well-known almost instantly for some of Pithanildo’s predictions did happen in the very near future which caused him to conquer a trustworthy reputation. His fame skyrocketed when, many years later, he met Aristocles just by chance. He learned then that Aristocles, now answering by the name of Plato, had become an extremely respected philosopher and was indeed well on his way to everlasting glory…
After Pithanildo’s death, his son Pithanildo, continued on his father’s footsteps as a rhapsodomant. And so did Pithanildo’s grandson, and great-grandson. Actually, there followed a lone line of Pithanildos and Pithanildas throughout the centuries, all of them respected rhapsodomants. Up to the present days… Yes, if you keep looking carefully around, maybe one day you’ll be lucky enough to find Pithanildo telling people’s fortune after having listened to some poetic verses!!!