ELA

Às vezes ela se dava um perdido , era seu tempo de por tudo em ordem, arrumando as gavetas da sua alma inquieta .

Colocava as tarefas em dia mas se desligava totalmente da rotina diária e de toda aquela monotonia.

Às vezes ela desaparecia por dias , perdida no seu mundo invisível, traçando planos mirabolantes, revendo seus

pedaços danificados pelo tempo, desgastados por ventos e tempestades.Ela gostava de pensar que estava arrumando

as velas do seu velho barco para se lançar novamente ao mar e navegar sem rumo, sem calmarias, se jogando no agitado mar e seja o que Deus quiser!

Outras vezes ela pedia por calmaria, precisava da paz planejada, apenas observando o mundo em volta para se orientar , mas o tempo não pára ,

não gosta de esperar , isso de ficar a ver navios era coisa de alienado.

- Levanta daí menina ! tome as rédeas da sua vida ! torne os seus dias mais bonitos pois que eles são de uma preciosidade infinita!

Cuida do seu jardim para iluminar os olhos de quem por ele passar. Aceitar o que temos é fazer o mundo purpurinar, é escancarar

janelas e colocar um raio de sol a cada manhã em cada cantinho do seu interior .

Que desapareça o barulho das ruas, o pipocar dos fogos e das metralhadoras. Que ignore o sussurrar dos corpos,

o farfalhar das mentes inquietas e barulhentas que a cada dois segundos te atormentam com suas lamúrias e queixas.

Torne-se solícita, sorridente e educada tal qual uma Geisha no ritual do chá. Seus cabelos meticulosamente presos em delicados kanzashis de glicíneas, um sorriso doce, tranquilo e meigo. Um olhar distante e indiferente de quem compreende tudo e jamais será atingido pela maldade alheia.

Mesmo que seu peito sangre, mesmo que a ferida se abra na escuridão da noite , não diga nada:

Morra , mas o faça quietinha ,de maneira tal que sua passagem seja um rastro de dignidade.

Em uma manhã qualquer surpreenda a todos com seu corpo de

porcelana translúcido envolvido em kimono de seda costurado e bordado a mão ...

AngélicaMSpínola 10/01/18