Um vago dia acinzentado

Sentada em um banco, em frente ao lago da fonte central daquela praça. Uma praça de contrastes, um palco de encontros e desencontros, alegrias, festividades, fins e partidas. De um doce “olá!”, ao amargo som de um “adeus”. Um “adeus” infinito, em que tudo o que poderia ter sido não foi. Eis a lamentação daqueles que partem, e eis a dor daqueles que ficam, ainda na esperança de rever, pelo menos uma única vez, aquele rosto que lhe trouxera paz, mas também solidão. Logo, tudo parece ficar tão frio e escuro.

Porém, em dias festivos, a praça era florida, regada de risos e bebidas dos moradores e jovens estudantes que por ali passavam. Tantas vozes, muitas pessoas, vários sorrisos. Um encontro do sol – O Astro Rei – que iluminava as tardes festivas, as quais cairiam na vasta nostalgia. Porém, naquele dia, a praça estava fria. Estava cinza, enquanto o Astro Rei lutava para conquistar seu espaço, seu brilho, a fim de iluminar e aquecer toda a vastidão do vazio contido naquela anomalia momentânea. Por mais que se seus raios brilhassem por detrás das nuvens passageiras, parecia que nada adiantava. Tudo estava frio. Ainda estava cinza.

Mas voltando ao início – que, aliás, já deveria ter se iniciado se não fossem essas malditas palavras que ganharam vida própria até este determinado ponto. A propósito, tudo bem! Acalmem-se, palavras! Uma boa história precisa ser começada pelo começo. “Mas não pelo fim?”, diz um de meus pensamentos, aquele que costuma dar crédito às minhas palavras. “Por que não pelo fim? O que diria Brás Cubas ao ouvir tal ordem padronizada dos valores estéticos da escrita?”, insistiu. Não há razão para tamanho desespero ou contestação. Poderia, sim, iniciá-la pelo fim. Mas o fim, meu caro pensamento, ainda não está pronto. Todo fim precisa de um início. E todo início precisa de um fim, para que ele se torne a motivação daqueles que já se perderam alguma vez, seja na ponta do lápis ou pelas estradas que guiam as nossas almas. E assim, que um novo início comece.

Enfim, voltemos a nossa cena inicial, sem querer a se prender a descrições didáticas e refinadas.

Sentada em um banco, uma mulher parecia observar atentamente os peixes que nadavam no lago da fonte. Aliás, supõe-se que ela estaria a observá-los, uma vez que estava cabisbaixa e retraída naquele banco. Diante de tal cena, seria difícil se abster das descrições. Pois bem. Uma mulher, não. Ou melhor, uma moça. Seus cabelos castanhos estavam presos por um laço cor-de-rosa afrouxado. Não sei bem, mas esse simples acessório me passou um sentimento de ingenuidade ou inocência. Uma inocência que já se foi e agora lamenta. Já sua roupa também era de cores claras: uma blusa branca, acompanhada por um casaco e saia também cor-de-rosa. Apenas uma questão de estilo, imagino.

Sua pele era branca, seus braços esguios e suas mãos postas, uma sobre a outra, relaxadas sobre seu colo. Suas pernas estavam ligeiramente cruzadas – sem e com a preocupação com a etiqueta e a elegância ao mesmo tempo. Quanto ao seu rosto, era um desafio descrevê-lo. Mesmo estando de cabeça baixa, era possível ver seus lábios grossos, mas delicados, pigmentados por um discreto cor-de-rosa. Seu nariz, fino e reto, talvez algo sem importância. Mas já os seus olhos... Uma história, um enigma, um mistério que eu gostaria de ter o prazer de desvendá-lo.

Seus olhos eram verdes. Verdes claros. Mas se engana quem acha que esse seja o fim do mistério – afinal, “mistério” seria aquilo que a moça carregaria em seu olhar, suponhamos. Enfim, seus olhos estavam marejados, pareciam cansados. Ela parecia cansada. Cansada de quê? Cansada do trabalho? Da família? Do amor? Da vida? Da solidão? Daquilo que nunca teve? Não sei. Mas tudo mostrava que ela, de fato, estava cansada.

Por mais que observasse atentamente os peixes que nadavam à sua frente, sua mente parecia estar em outro lugar, em outra dimensão. Ela fitava o “nada”. Os peixes, na verdade, eram uma válvula de escape para se chegar ao “nada”. E “nada” ela sentia. E “nada” ela se sentia. Um rosto, um olhar triste. Melancólico. Olhos como se não tivessem vida. Olhos frios. Era jovem. Mas tinha olhos de velhos.

E assim ela permanecia ali, sentada no banco, sozinha, sem esperar ninguém, pois ninguém a esperaria ali. Apesar da tristeza e frieza que transmitia, sua imagem também lhe proporcionava delicadeza, fragilidade e até mesmo um toque de beleza em meio ao frio e ao cinza. Era bela. Porém, triste.

- Oh, Deus! – Levanto minhas mãos aos céus e indago – Por que uma criatura tão dócil e bela é merecedora de tamanha tristeza e devaneios que a levam ao desespero do silêncio?

Como esperado, não obtive resposta. Mas uma voz veio ao meu ouvido. Poderia ser um de meus pensamentos desconexos novamente. Por isso não lhe darei crédito desta vez. Se eu me arrependi por não tê-lo escutado? Não sei. Apenas queria ver o que aconteceria naquela cena, com aquela moça, naquele lugar frio e cinza.

Não foi preciso pedir mais. De repente, a moça levantou a cabeça, revelando finalmente seu rosto pálido e frio. Seus olhos pareciam maiores e brilhantes. Ela havia visto alguém. Alguém que se aproximava. Lágrimas começariam a surgir. Mas não de felicidade.

Um homem, também jovem e aparentemente bem-feito na vida, que trajava roupas escuras, foi em direção à moça no banco, sentando-se ao seu lado em seguida. Ele, com seus olhos também belos, começou a encará-la. Ela, por sua vez, não. Não tinha coragem para olhá-lo diretamente. Ou então, pelo menos, não queria.

O rapaz sorriu. Mas ela não conseguia sorrir. Seu olhar era dócil. O dela era triste, exausto e frio. Eles, especialmente ela, não sabiam o que exatamente estavam fazendo ali. Parecia um encontro. Mas a distância criada por eles mostrava o oposto. Aliás, a própria distância é um espírito que separa ou une, variável de acordo com os significados que damos para cada um que cruza a nossa estrada. Significados? Sim. Aqueles que guardamos aqui, no coração. Enquanto os outros, aqueles sem significados, são deixados ali, de lado na estrada.

Era um jogo de contradições. Ele parecia tranquilo, ela apreensiva. Ele, radiante. Ela, fria e cinza. No entanto, por um momento, o sol – que até então lutava para escapar das nuvens escuras e pesadas – conseguiu sair, iluminando, pela primeira vez naquela manhã, todo o seu reino tomado pelo cinza.

- Então é isso... – Disse o rapaz ao notar que nada sairia dali.

A moça permaneceu em silêncio. Desta vez, conseguiu encará-lo. Mas seus olhos não transbordavam mais tristeza, e sim algo pior. Parecia rancor.

“O que ela está sentido?”, indago-me ao ouvir e presenciar aquela cena. A moça tentava ser forte. Mais forte do que jamais fora, eu creio. Estava séria e fria. Mas as lágrimas, ainda presas em seus olhos, já entregavam seus reais sentimentos.

Mas o que de fato aconteceu? Houve uma história. Uma história que não podia ser contada. Uma história, então, silenciada. Uma história que não teve fim. Uma história que nem ao menos começou. Porém, para ela, houve sim uma história e aquele momento era o seu ponto final. Mas, para ele, não. Não houve história. Tudo foi para o que não era para ser.

A moça permaneceu em silêncio. Já o rapaz, após dizer o necessário – e até mesmo o desnecessário – naquilo que parecia ter sido um monólogo, resolveu partir. E partiu. Partiu sem fazer cerimônia. Sem ao menos um único adeus... Ou um único abraço, um único beijo.

Ás vezes, quando estamos perdidos no escuro, nossa tendência é procurar uma luz. Mas, infelizmente, nem sempre somos a luz de quem a procura. E quando se descobre isso, a nossa própria luz se apaga. E aí vem o frio.

Por mais que não quisesse, a moça observou a partida do rapaz. Sua última partida. Algo dentro de si doía, mas ela ignorava – ou pelo menos tentava. Por fim, ela voltou para sua posição inicial: cabisbaixa, solitária, quieta e retraída, fitando o nada e se perdendo em seus próprios pensamentos. Aliás, “o nada”. O sentimento do “nada” retornara. Mas na verdade, ele sempre esteve ali, quieto e aconchegado, à espera de uma ilusão. Doce e bela ilusão que se foi para nunca mais.

O sol, mais uma vez, perdeu sua batalha. O céu escureceu. Ela ainda sentia frio. Tudo se tornou cinza. E nada ela se tornou.

Gisela Cardoso
Enviado por Gisela Cardoso em 10/01/2018
Código do texto: T6221852
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