Dias de Cão
O verão estava no fim, felizmente. Mas um mormaço cruel ainda imperava, mesmo durante a noite. Eu estava novamente bêbado, amargurado e me lamentando por todos os textos que eu não havia escrito, e pela inspiração que nunca batia em minha porta.
Ou seja. Nada de novo na minha vida.
Eu tinha aprendido a suportar essas fases de solidão e esterilidade criativa me afogando no álcool, o que eu no fundo sabia que não era lá a alternativa mais saudável para lidar com isso. Mas eu era muito cabeça dura para procurar ajuda de qualquer tipo.
Rastejei pela cama até o computador e botei alguma música para tocar. A cerveja na minha longneck já estava quente, mas para mim, não fazia diferença. Eu tinha certeza que não haveria cerveja gelada no inferno. Então era bom que eu já ia me acostumando.
Eu dava o último gole na bebida quando ouvi três batidas na porta.
Abri.
Era uma mulher. Apesar da escuridão parcial e de não poder ver bem suas feições, tive certeza na hora que ela era bonita.
Devia ter um pouco mais de 1.70. Vestia uma saia vermelha e uma camiseta preta. Tinha os cabelos escuros, os mais pretos que eu já havia visto. Ficamos alguns segundos nos encarando e por fim ela falou.
- Você tem alguma cerveja aí?
- Tenho algumas na geladeira.
- Maravilha – Disse. – Posso entrar?
Aquilo certamente não era algo usual às 11 horas da noite de uma quinta feira, mas eu não vi motivos para não deixá-la entrar.
- Claro, senhora. Não ligue para a bagunça.
Ela entrou, soltou os cabelos se sentou, sem muita cerimônia, no sofá da sala.
- E aquela cerveja? – perguntou, com um sorriso nos lábios.
- Só um minuto - respondi.
Fui até a geladeira e peguei dois longnecks. Os mais gelados que encontrei. Entreguei um e me sentei em uma cadeira bem de frente a ela.
- Se importa se eu fumar? – Ela perguntou, enquanto tirava uma carteira de Lucky Strike da bolsa que trazia no colo.
- De forma alguma.
Ela tirou dois cigarros e me ofereceu um.
- Não, eu não fumo... isso.
- Ah, ok. – Ela guardou o outro cigarro e acendeu o que lhe restava na mão.
Deu um trago bem profundo e ficou brincando sensualmente com a fumaça.
Eu estava curioso, mas resolvi fingir normalidade naquela situação. E na real... eu já tinha conhecido muita gente louca na minha vida. Talvez ela fosse só mais uma dessas, que eu não conseguia me lembrar. Ela parecia estar bem ciente da minha curiosidade, mas não me dirigia nada mais do que sorrisos e olhares que não esclareciam nada.
- Então, moça... – falei meio engasgado com as palavras – Posso lhe ajudar com algo além da cerveja?
Ela me dirigiu um olhar provocativo seguido de um sorriso.
- Não, não. Eu não vou para a cama com você.
Quase engasguei com a cerveja e ela caiu na risada.
- Me desculpe, moça... eu não estava propondo isso.
Estava escuro, mas eu tinha certeza de que meu rosto tinha ficado todo vermelho. Há muito tempo que eu não me sentia assim tão desarmado com uma mulher.
Ela caiu na gargalhada, bebeu um gole da cerveja e disse.
- Eu sei, meu bem. Estou só te provocando.
Me senti um pouco mais aliviado, mas continuava confuso.
- Então?...
- Eu devia ter dito desde que entrei, mas sua confusão era divertida demais para eu não aproveitar... Me desculpe meu bem.
- Mhmm. – Resmunguei.
- Então. Eu estou no meio de uma aposta.
- Aposta?
- Sim. Apostei com meu chefe.
- E o que isso tem a ver comigo?
No fundo eu odiava mistérios. Não gostava nem um pouco de lidar com histórias pela metade... E já não estava conseguindo disfarçar isso.
- Bem, Rômulo. Eu li algumas coisas que você divulga pela internet. Alguns contos e poesias. Apesar de individualmente eles não constituírem um material publicável eu resolvi investir em você. Então eu apostei com meu chefe que eu conseguia fazer você escrever algo com mais consistência.
A informação me pegou de surpresa, e eu endureci na cadeira, enquanto tentava avaliar melhor a situação.
- Como assim? Quem é você. Trabalha em algum tipo de editora? Como sabe meu nome... E como sabe que eu sou escritor?
- Calma meu bem. Saber dessas coisas faz parte do serviço... vou explicar tudo.
- Estou ouvindo.
- Na hora certa, é claro.
- Não estou gostando muito disso, senhora.
- O que não há para gostar?
- Não sei nem o seu nome, para começar.
- Pode me chamar de Grê.
- Grê?
- Sim, é o suficiente.
- Não para mim.
- Você é desconfiadinho assim mesmo? O que você tem a perder?
- Olha senhora, nem mesmo sei direito o que você quer de mim. Mesmo que eu não tenha nada a perder, não gosto desse tipo de jogo.
- Ok, meu bem. Vou voltar outro dia, quando você tiver mais calmo. E mais sóbrio. – Disse enquanto se levantava do sofá.
Eu realmente não estava sóbrio o suficiente para aquele tipo de conversa e ela tinha me tirado do sério. Algumas mulheres sabiam exatamente como fazer isso... Grê já me parecia ser uma delas. Respirei fundo e me levantei da cadeira.
- Me desculpe. Não estou muito bem hoje.
- Dá pra perceber, meu bem. Vou te deixar o meu cartão. Se quiser falar comigo me manda um whatsapp, ou me liga. E vê se escreve alguma coisa para me mostrar, ok?
- Não e assim que funciona, senhora. As palavras não me obedecem muito bem.
Ela simplesmente sorriu e seguiu para a porta. Guardei o cartão na carteira e observei enquanto Grê desaparecia atrás das portas do elevador. Seu sorriso ficou marcado na minha memória. Um sorriso carregado de luxúria e de cinismo, e os lábios pintados de vermelho, que eu sabia que estavam além do meu alcance.
Não que eu estivesse pensando nisso naquele momento. Abri a geladeira, peguei outra cerveja e voltei para o quarto tentando processar o significado daquela visita.
Me deitei na cama pensando ter sido vítima de alguma pegadinha. Abri a tela do computador e encarei a página em branco do editor de texto.
Talvez valesse a tentativa.
Talvez naquela noite, as palavras parassem de fugir de mim, enfim.
2
Acordei no dia seguinte com o sol matinal me machucando a vista. O notebook estava largado do meu lado na cama, com o editor de texto aberto. Esfreguei os olhos e percebi que eu tinha escrito dez páginas na noite anterior. Fiz uma leitura rápida do conteúdo e cheguei à conclusão de que eu não era um caso perdido. O texto era confuso, bruto. Mas havia sentimentos ali. Não era a coisa morta que eu estava acostumado a escrever.
Salvei o arquivo e fechei o computador. Levantei-me da cama e segui com minha rotina matinal. Esvaziei meus intestinos, tomei banho, escovei os dentes e me vesti. Precisava voltar para o mundo real. Sair da caverna. Uma das piores coisas na vida é ir trabalhar de ressaca. Mas a cerveja não se paga sozinha e eu não tinha talento para ser hippie ou mendigo. Eu tinha que seguir o meu acordo com a sociedade e o sistema capitalista que diariamente colocava no rabo do povo. Ter consciência disso me separava da maior parte das pessoas que viviam suas vidas de modo automático, aceitando tudo como se fosse normal. Mas ter consciência não me tornava melhor do que eles, ou fazia com que fosse menos ruim. Talvez fosse até pior. Ignorância às vezes é uma benção.
Ser professor universitário não era uma profissão tão ruim. De alguma forma era até satisfatório. Apesar de não ser exatamente o que eu gostaria de estar fazendo com minha vida.
Por diversos motivos eu nunca havia formado uma família convencional.
Não era muito convencional um homem de 35 anos viver num apartamento de um quarto, gastando o salário em bebida e frivolidades, tendo apenas duas gatas como companhia. Eu não fazia questão de mulheres naquele tempo. Não era como se eu não gostasse mais de estar com uma. Mas eu estava exausto de lidar com toda a problemática de estar num relacionamento. Seja casual ou formal.
Dessa forma a solidão era mais do que adequada para mim.
Desci pelo elevador e entrei no carro. Peguei trânsito até a universidade, mas ainda não estava atrasado para a aula. Um garoto bateu no vidro do carro oferecendo uma garrafa de água mineral. Abri minha carteira e tirei uma moeda de um real. Ele me deu a garrafa e eu fechei o vidro.
O cartão de Grê caiu no meu colo durante o processo e eu lembrei de toda a estranheza da noite passada.
Decorei o numero e digitei no celular. Resolvi mandar-lhe uma mensagem.
“Escrevi alguma coisa.”
Se era pra ser misterioso, eu seria. Uma hora ou outra eu ia terminar descobrindo quem era aquela louca. Voltei a me focar no trânsito, e quando já estava chegando ao meu destino, percebi o celular vibrando.
Estacionei o carro na universidade e peguei o celular no bolso.
“Maravilhoso! Boa aula.”
Um arrepio me subiu pela espinha quando li a mensagem. Eu tinha a tendência de ter algumas paranoias de vez e quando e Grê estava começando a se tornar uma.
Olhei ao meu redor, para ver se estava sendo seguido. Não havia ninguém.
Desci do carro e fui para a sala.
A aula correu como de costume, e eu liberei os alunos 15 minutos antes do tempo.
Fui até a sala dos professores e gastei todo o resto da manhã conversando com a coordenadora de área sobre as avaliações e trabalhos de conclusão de curso.
Voltei ao estacionamento e dei de cara com Grê sentada sobre o capô do meu carro. Ela usava uma saia preta franzida, como as que estudantes colegiais usam. Vestia também uma blusinha branca bastante apertada. Dava pra perceber que não usava sutiã, o que deixava livres os seus volumosos seios.
Ela fumava um cigarro, e ao me ver, cruzou as pernas e sorriu.
- Como vai o meu escritor preferido?
- Duvido que eu seja o escritor preferido de quem quer que seja.
- Você é um chato, sabia, professor?
- Faz parte do metiê.
- ha-há-há. Esse seu jeito de querer ser sério de vez em quando... Você acha isso charmoso, mas na verdade não é. Talvez seja para as mocinhas que você tinha o hábito de seduzir, mas não para alguém como eu.
- Parece que você sabe bem mais sobre minha vida do que eu sobre a sua. Isso soa injusto pra mim.
- E quem disse que tem que ser justo?
- Verdade.
- Pois bem. O que você escreveu?
- Alguma história sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo.
- Isso não explica muito.
- Pensei que você gostasse de mistério.
- Engraçadinho. – Ela apagou o cigarro no capô do carro e descruzou as pernas. Dava pra ver que ela não estava usando calcinha. E isso era o tipo de coisa que me deixava louco... e era algo que não mudou desde que eu tinha 15 ou 16 anos.
- Você pode passar lá em casa hoje à noite e ver por você mesma. O texto precisa de algum polimento ainda. Mas antes me diga. Pra que você quer que eu escreva algo. Do que se trata essa aposta... e quem é o seu chefe?
- Eu vou dizer tudo. Depois que eu ler. Se eu gostar, é claro.
- Tudo bem.
- As 11 eu passo lá. Ponha algumas cervejas para gelar.
- Sem problema.
- Tchau, Rômulo.
- Tchau, Grê.
Ela se afastou, subiu numa moto Harley & Davidson e acelerou até a rua.
Fiquei pensando no que eu estava me metendo e no quão sexy era aquela mulher.
3
Passei a tarde debruçado sobre o texto, corrigindo qualquer falha que minha mente embriagada pudesse ter deixado passar na noite anterior. Quando escrevia, eu era uma torrente de sentimentos. Um cano estourado. Deixava vazar meus pensamentos sem quase nenhum controle, e muitas vezes o resultado era bruto demais para ser compreensível por alguém além de mim.
O que eu tinha escrito era uma espécie de diário. Ou uma crônica sobre mim mesmo. Algo que eu achava que poucas pessoas veriam como algo interessante. E era assim para a maioria das coisas que eu escrevia. Mas algo dentro de mim me dizia que era necessário que eu as pusesse no papel.
Não havia um motivo específico para que eu estivesse me esforçando com aquilo, a não ser a proposta de Grê, que apesar de não fazer qualquer sentido, tinha me tirado do deserto criativo em que eu estava estagnado.
Quando considerei que tinha algo que era minimamente compreensível, deixei o texto de lado e estiquei minhas pernas sobre o sofá.
Eu sempre ficava letárgico nos fins de tarde... principalmente em tardes nubladas como aquela. Minhas duas gatas corriam pela casa, escalavam meus móveis e derrubavam qualquer coisa que estivessem em seus caminhos.
Eu achava engraçado, apesar da bagunça. Eram minhas duas únicas companhias constantes. Fiquei observando a brincadeira até pegar no sono e acordei quando já era noite. Um cheiro de cigarro mentolado invadia os meus pulmões, e só depois de um tempo me dei conta que não estava só.
Grê estava sentada no chão, com o maço de papéis onde eu trabalhara durante a tarde.
Ao me ver acordado ela sorriu e falou.
- A porta estava aberta e resolvi não te acordar.
- Muito gentil da sua parte. – Respondi, ainda sonolento.
Ela me ignorou e voltou ao texto. Eu podia ver suas reações enquanto ia absorvendo o conteúdo das páginas. Ao terminar a leitura ela me olhou, com um sorriso erótico e cínico em sua face.
- Você é tão mais sexy no papel, Rômulo.
- Taí algo que ninguém nunca me disse... Mas o texto está do seu agrado?
- Está sim. Você sabe aonde quer chegar com ele?
- Não sei.
- E o que falta para saber.
- Boa pergunta. Acho que tempo.
- Quanto tempo? Não posso esperar para sempre.
- Não lembro de ter algum compromisso com você a respeito disso.
Grê me olhou contrariada, mas de alguma forma ela parecia estar cada vez mais interessada. Tragou o cigarro até o fim de uma vez e soltou a fumaça em minha direção.
- O que você quer?
- O que eu quero pelo quê?
- O que você quer em troca das suas palavras.
- Não sei Grê. Quero ser justo com você. Quando eu tiver o texto terminado nós podemos negociar. Mas quero saber quem você está representando. E o que vocês podem fazer por mim.
- Se você continuar do jeito que está, daqui a um ano seu rosto vai estar em capas de livros em todas as livrarias do país.
- É algo muito grande a se prometer.
- Novamente, meu bem... O que você tem a perder?
Parei para pensar naquela proposta completamente fora do comum e algo dentro de mim me compeliu a entrar no jogo dela. Estendi minha mão para que ela apertasse e sussurrei.
- Não tenho nada a perder, Grê. Estou dentro.
Ela sorriu o seu sorriso indecente de sempre e abriu a bolsinha que trazia consigo. Tirou um maço de dinheiro e deixou sobre a mesa.
- Adoro quando cooperam comigo. Tá aqui um agrado para você tomar uma cerveja enquanto escreve.
- Com o que tem aqui dá pra tomar bem mais que uma cerveja, Grê.
- Eu gosto de tratar os meus clientes sempre muito bem. Qualquer dia desses eu volto para ver como estão indo as coisas.
Ela se levantou e eu pude perceber que novamente ela estava sem calcinha. Foi caminhando até a porta e olhou lascivamente para trás enquanto apertava o botão do elevador.
- Vá com Deus. – Eu disse, por fim.
Ela sorriu e respondeu.
- Pode ficar com ele.
E desapareceu atrás das portas do elevador.
4
O telefone tocou enquanto eu estava tomando banho. Tocou duas vezes e em seguida ficou mudo. Alguém realmente queria falar comigo, mas eu não estava me sentindo muito de palavras naquela noite. Saí do chuveiro, me enxuguei e olhei o celular.
Era uma garota com quem eu saí algumas vezes meses atrás. Chamava-se Lucilla.
Resolvi não dar atenção, mas logo ela me mandou uma mensagem.
“Quero te ver, posso ir aí?”
A verdade é que eu não tinha nada para fazer mesmo. O tédio ia me consumindo e eu não conseguia avançar com o texto que prometi a Grê. A coisa tinha se tornado quase como uma autobiografia da minha vida adulta. Eu precisava organizar as lembranças na cabeça antes de jogá-las no papel para que fizessem algum sentido cronologicamente... E isso levava tempo.
Resolvi responder a mensagem de Lucilla. Talvez um pouco de conversa pudesse me ajudar com a escrita. Isolamento não era a resposta pra tudo quando se tratava de mim.
“Pode. Passa aqui lá pelas 20h.”
Pendurei a toalha sobre a porta do quarto e me joguei nu sobre a cama. Pensei em tirar um cochilo, mas terminei arrumando a casa para não espantar a garota com o caos que eu deixava fermentar no meu apartamento. Depois de uma hora eu estava novamente suado e com um grande saco preto cheio de lixo. Principalmente latas e garrafas de cerveja e vinho.
Tomei um outro banho rápido e me sentei na sala para organizar os discos de vinil que eu sempre deixava espalhados depois de ouvir. Soava antiquado, mas eu tinha uma boa coleção de discos que herdei de uma das minhas avós, e outros tantos que comprei de pessoas que queriam se desfazer deles.
No meio do serviço o interfone tocou e o porteiro indicou a chegada de Lucilla. Pedi que ela subisse e deixei a porta aberta.
Depois de alguns minutos ela apareceu com seu olhar misterioso e sua falsa inocência.
- Boa noite moço.
- Boa noite Lu. Pode entrar.
Ela entrou, deixou uma bolsa sobre a mesa da sala e se sentou ao meu lado, junto dos vinis.
- Você tem muita paciência pra organizar isso tudo, não é?
- Às vezes ajuda a esvaziar minha cabeça.
- Só de pensar na poeira que tudo isso junta, eu já fico agoniada. Dá pra ter todas essas músicas desses discos num único pen drive.
- Verdade. Mas eu gosto das minhas velharias. Me sinto em casa com elas
.- Você nem é tão velho assim. – Disse sorrindo o mesmo sorriso amarelo de sempre.
Lucilla deitou a cabeça sobre meu ombro e se aconchegou do meu lado.
- Você está bem, Lu? – Perguntei.
- Estava me sentindo um pouco sozinha. Pensei em você e senti saudades. Então resolvi vir aqui.
- Só isso?
- Só.
- Então ok.
Beijei-a nos lábios depois puxei-a para o sofá. Nos deitamos e ficamos bastante tempo ali, emaranhados um no outro.
- Não quero transar hoje, - Disse-me, contrariando todo o resto que vinha fazendo comigo.
- Tudo bem, Lu. Não precisamos transar.
Mas ainda assim ela mantinha as mãos sobre meu corpo e ia me provocando cada vez mais. Eu não tinha mais idade pra aquele tipo de jogo. Me desvencilhei dela, fui até a geladeira e trouxe uma garrafa de vinho suave. Abri e enchi duas taças.
Ela bebeu metade da dela e voltou a me provocar.
- Vamos para o quarto – Ela disse... Me deixando um pouco mais confuso.
- Vamos. – Respondi.
Ela pegou a garrafa de vinho e me trouxe pela mão até a minha própria cama.
- Está muito quente. Vou tirar a blusa. Mas não fique muito animadinho.
- Ok, Lu. Eu já entendi.
Ela tirou a blusa e logo depois o sutiã que lhe apertava os seios. Achei que ela queria me fazer de otário ou me enlouquecer. Ou talvez só gostasse de jogos de sedução. Deitamos os dois na cama e ela se pôs a me beijar com cada vez mais vontade. Eu já estava ligadão... Mas como ela disse que não queria transar, tentei me manter no controle. O calor aumentou e a cada peça de roupa que tirávamos, ela reforçava que não iria transar comigo naquela noite.
Fingi idiotice e continuei com a brincadeira. Na primeira vez que eu tomei alguma atitude, ela segurou minha mão e disse.
- Eu não quero, Rômulo.
- E o que estamos fazendo aqui? - Perguntei.
- Brincando.
- Eu não tenho mais idade pra isso, Lu.
Me levantei e peguei a garrafa de vinho. Ela se levantou com um reflexo quase felino, tomou a garrafa da minha mão e me abraçou. Eu era uns 15 cm mais alto do que Lucilla, de forma que nossos corpos não se encaixavam muito bem quando estávamos em pé. Ela me empurrou e eu caí sentado na cama. Ela sentou-se no meu colo e começou a me beijar. Dessa vez não houve resistência alguma.
Logo que a penetrei, perguntei ao pé do ouvido.
- Você quer agora?
Ela não respondeu, mas puxou meu corpo contra o seu e me mordeu na altura do pescoço. Quando nos saciamos um do outro, ela simplesmente disse.
- Preciso ir embora.
- Precisa?
- Sim.
- Ok. – Respondi sem disfarçar minha contrariedade.
Ela se vestiu rapidamente e tomou um último gole de vinho direto da garrafa.
- Gostoso esse vinho.
Me levantei da cama e perguntei olhando nos olhos de Lucilla.
- Por que você veio hoje aqui?
Ela virou-se sem responder e saiu.
Sentei na beira da cama e cheguei à conclusão que precisava de mais uma garrafa de vinho...
Devo ter adormecido. Acordei com cheiro de cigarro mentolado. Grê estava postada na porta do meu quarto, fumando. Eu podia ver o sorriso estampado no seu rosto.
- Noite ruim, poeta?
Percebi que estava nu e ela me encarava de um jeito que me fez sentir envergonhado por aquilo. Me cobri com um lençol e respondi laconicamente.
- Noite ruim.
- Com quem você estava? Dá pra sentir o cheiro de perfume de mulher pela casa ainda.
- Você por acaso é minha esposa?
- Longe de mim. Você não faz meu tipo e eu não acredito em monogamia.
- Não esperava nada diferente.
Ela sorriu, apagou o cigarro na parede e jogou a bituca dentro da garrafa de vinho que estava sobre minha escrivaninha.
- Por acaso você tem algo para eu ler? Algum progresso?
- Não tanto quanto eu gostaria. Hoje não é o melhor dia para você me cobrar isso.
- Percebi
Ignorando a presença de Grê, me levantei, me vesti e peguei minha carteira na escrivaninha.
- Vou sair para comprar uma garrafa de vinho, ainda não bebi o suficiente hoje.
- Nunca é o suficiente. Acredite.
Ela passou o braço sobre meu pescoço e me acompanhou até a rua.
Enquanto ela subia em sua moto eu segui em direção à loja de conveniência mais próxima sem sequer olhar para trás.
5
O verão tinha finalmente acabado e o calor foi substituído por uma chuva constante e pesada. A cidade inteira estava encharcada. As paredes do meu apartamento começavam a ganhar um tom esverdeado de mofo. O que me causou algumas crises respiratórias. Eu limpava constantemente as paredes com água e vinagre, mas nada parecia suficiente enquanto a chuva continuasse a cair.
Minha produção textual ia bem, e o trabalho na universidade fluía sem muitos problemas. Podia-se dizer que minha vida tinha chegado num ponto de tranquilidade. Talvez eu pudesse até me dar o luxo de me envolver por alguém. Mesmo que transitoriamente. Por algum motivo que não sei explicar muito bem, resolvi procurar Lucilla, mesmo não sabendo o que podia esperar muita coisa dela e de sua inconstância.
Peguei o telefone e liguei. Ela atendeu rapidamente.
- Oi Lu, tudo bem?
- Tudo bem. Engraçado você ligar agora.
- Por que engraçado?
- Estava pensando sobre algumas coisas.
- Que tipo de coisas?
- Que talvez você precisasse saber.
- Saber do que, mulher?
- Eu estou grávida, Rômulo.
- Como assim? Você não tomava anticoncepcional?
- Sim. Mas essas coisas às vezes falham.
- Você está com quantos meses?
- Acho que três.
- Então pode ser meu?
- Você não precisa se preocupar com isso.
- Como assim? Se pode ser meu eu devo me preocupar, não?
- O filho não é seu, Rômulo. É meu. E eu já resolvi.
- Você vai fazer um aborto?
- Não.
- Então?
- Já arrumei uma pessoa que vai dar algo que eu sei que você não pode.
- O que eu não posso dar?
- Segurança. Vou me casar com ele. E ele sabe de toda história
- O quê?
- Isso mesmo. Fica bem Rômulo. E não se preocupa com mais nada.
Lucilla desligou o telefone e eu fiquei encarando a parede cheia de mofo do meu quarto.
Parecia uma maldição.
Meus períodos de tranquilidade raramente duravam muito tempo. Uma hora ou outro sempre acontecia alguma coisa.
Dessa vez aconteceu antes que eu pudesse me acostumar com a paz de espírito. Me levantei da cama e dei um pontapé na caixa de papelão onde eu guardava os meus textos mais antigos. Os papéis voaram pelo quarto e eu observei o vento carrega-los de um lado para o outro. Sentei na escrivaninha, liguei o computador e me pus a escrever.
Foda-se Lucilla e o que ela acha que eu não posso dar, pensei.
Que todos fossem para o inferno e me deixassem em paz.
6
Estava sóbrio há quase 15 dias.
Mais uma crise renal me atormentava e eu estava tomando grandes quantidades de remédios, tanto para dor quanto para uma infecção urinária causada pelas pedras que se acumulavam no meu trato urinário.
Por mim eu ia pra faca e acabava logo com isso, mas o plano de saúde estava fazendo jogo duro e demorando para liberar os exames necessários para os procedimentos.
A ideia de ter uma sonda enfiada na minha uretra pra retirar pequenos pedaços de cálcio cristalizados que iam me rasgando por dentro não era muito atrativa, mas a dor constante não me deixava fazer nada mais do que ficar deitado e fumar um baseado ou outro para passar o tempo.
O foda de ser recluso como eu é que nessas horas não aparece ninguém para ajudar. Eu não fazia questão de parentes na minha vida e não me relacionava com uma mulher além do casual há mais de dois anos. Me sentei na sala e coloquei um vinil para tocar. Fiquei deitado com a barriga para cima, sentindo algumas pontadas se propagarem das costas para a minha bexiga.
O telefone tocou e eu me estiquei para pegá-lo de cima do sofá.
Era o número de Grê. Atendi.
- Tudo bem poeta? – Perguntou.
- Não.
- Está doente?
- Algo assim.
- O que você tem?
- Cálculos renais. Um monte deles.
- Argh. Parece ruim.
- Infelizmente eu vou sobreviver.
- Que drama.
- Faz parte do meu show.
- Vou aí te levar algo que vai te fazer bem.
- Morfina?
- Algo melhor.
Ela desligou e eu voltei para o chão. Do lado de fora chovia torrencialmente e as vezes o vento arrastava consigo água para a sala pela pequena fresta que deixei na janela. Eu queria adormecer, mas a dor não permitia. Essa era a terceira ou quarta crise que eu tinha, mas com certeza era a pior.
Grê apareceu uns 40 minutos depois, quando a dor já estava me fazendo considerar ir ao hospital. E eu odiava emergências de hospital.
Ela trazia consigo uma garrafa preta que parecia ser de vinho tinto.
- Você tá parecendo realmente doente. – Disse-me.
- Muito perceptiva.
- Olha. Toma um gole disso que você vai ficar melhor.
- Me impressiona eu dizendo isso, mas acho que álcool não é a solução para esse caso.
- Você confia em mim ou não?
- Para ser sincero, não tenho motivos para confiar.
- Pois bem. Fique com sua dor, babaca. Depois não diga que eu não tentei ajudar.
- Não precisa ficar com raiva também.
- Não estou. Só que eu preciso de você em pé, bem e escrevendo.
- Ah... Tá ai o seu interesse nessa história.
- Sinceridade é um dos meus fortes. Vou deixar a garrafa aqui. Uma taça deve resolver. Tome se quiser e me agradeça depois.
Ela bateu os pés, deu meia volta e saiu por onde tinha entrado. A garrafa ficou em cima da mesa.
Era completamente opaca e não tinha rótulo. Tinha apenas uma rolha e um lacre de arames. Ignorei as palavras de Grê e voltei à posição em que a dor era menor. Fiquei ali mas em certo ponto a dor simplesmente se tornou insuportável.
Eu não estava afim de sair debaixo de chuva e pegar uma emergência lotada. Me levantei, peguei a garrafa, fui até a cozinha e enchi um copo americano com o conteúdo.
Parecia ser um vinho bastante forte. O cheiro era diferente... esfumaçado, herbáceo...
Bebi de uma vez todo o conteúdo do copo. Era forte como um conhaque. O gosto era horrível. Mas me trouxe uma sensação de calor e alívio quase instantâneo. Tive febre e calafrios e meia hora depois eu estava no banheiro, urinando sangue e pequenas pedras. Me assustei com o que via, mas a dor era bem menor do que eu sentia antes.
Pela manhã eu me sentia melhor. Uma nova pessoa.
Intrigado, mandei uma mensagem para Grê logo que acordei.
“O que tinha naquele vinho? Estou bem melhor”
Ela respondeu instantaneamente.
“Você não iria querer saber”
Larguei o celular de lado e tomei um banho. Era bom poder olhar para o meu pau e não ter medo de urinar... Ele parecia bem. E quando ele estava bem, geralmente eu também estava.
7
A vida só é boa quando você sabe o que quer fazer com ela. No meu caso, eu não sabia. Bêbado antes do meio dia. Todas as minhas histórias começavam e terminavam do mesmo jeito. Se embriagar não resolvia nada. Só deixava as claras a minha incapacidade de encarar o mundo sóbrio. Talvez a maior das minhas falhas.
Não era sobre as mulheres que nunca se demoravam na minha cama e na minha vida. Não eram as minhas incertezas profissionais. Não eram os poucos amigos que eu conseguia manter por perto. O problema vinha de dentro. Fazia parte de mim. O problema era eu.
Parado. Encalhado. Perdido. No meio de um deserto com milhões de pessoas. No centro de lugar nenhum. Com o mar molhando meus pés e acovardado demais para entrar na água até o pescoço e além.
8
Entreguei à Grê um pen drive com um arquivo de texto de cento e tantas páginas. Era até onde eu conseguia ir. Não sabia se aquilo fazia algum sentido ou se a interessaria. Eu estava exausto e enjoado daquele jogo.
Ela me abriu um sorriso que pareceu sincero e levantou o copo de cerveja para brindarmos. Peguei o meu copo e bebi a cerveja de uma vez.
- Olha, Grê. Não estou muito bem hoje para conversar. Só queria te entregar isso.
- Ah, Poeta. Você fez algo grande nesses últimos meses. No fundo eu achei que não conseguiria.
- Não sei nem porque eu fiz isso. Até agora não entendi bem qual era a sua.
- Você vai saber assim que eu terminar de ler.
- E se não for exatamente o que você está esperando?
- Então eu perdi meu tempo. Mas eu tenho bastante tempo para perder. E afinal foi divertida a nossa convivência.
Concordei com a cabeça só para que ela parasse de falar e me levantei. Quando alcancei minha carteira para pagar a conta ela disse.
- Hoje eu pago, Poeta. Vá comemorar com alguma das suas garotas.
- Não há nenhuma. Você devia saber.
- Porque você se isola do mundo. Espanta as pessoas com esse seu pessimismo, como se a solidão fosse te tornar um homem melhor.
- Você é realmente uma grande observadora da condição humana, Grê. – Falei ironicamente.
Segui para fora do bar e sai andando em busca de um táxi.
No caminho, senti como se alguém me observasse. Era como um frio na espinha constante. Ignorei a coisa toda e subi no primeiro taxi que vi.
Parei num supermercado. Comprei comida, ração para gatos, três garrafas de vinho e voltei para casa.
Tomei o elevador e abri a porta do meu apartamento.
As duas gatas estavam estiradas no sofá, de barriga para cima. Tomadas pela preguiça. Acordaram quando eu coloquei a ração nas suas respectivas tigelas e vieram comer.
Sentei no sofá e fiquei encarando as paredes pensando na história que eu havia escrito para Grê e em toda a minha vida...
Talvez tudo não tivesse sido uma grande perda de tempo.
E talvez, enfim, eu merecesse um pouco de companhia.
Terminei de guardar as compras, tomei um banho, fiz a barba e vesti algo que me fizesse parecer um pouco mais normal, e não o náufrago que eu estava parecendo nos últimos dias.
Meti o pé na rua, disposto a não terminar a noite sozinho... ou pelo menos sair do tédio. Continuava com a sensação de estar sendo seguido e com arrepios na nuca que surgiam a cada esquina que eu dobrava.
Parei em baixo de um semáforo, esperando para atravessar uma avenida, quando vi do outro lado da rua, um homem todo vestido de branco, que fumava o que parecia ser um charuto.
Atravessei e ele me encarou até que eu chegasse do outro lado... Se aproximou e falou.
- Você está com minha garota, não está?
Primeiramente achei que não fosse comigo. Mas seu olhar estava dirigido diretamente para mim, e me fazia praticamente embrulhar o estômago.
Ele tinha olhos profundamente azuis. Sua pele era clara e seus cabelos eram com de ferrugem. Sua presença era profundamente inquietante, e naquele momento eu percebi de onde vinha a sensação de que eu estava sendo seguido.
Retomei a compostura e respondi rispidamente.
- Não sei do que você está falando, meu chapa.
- Talvez você não soubesse que ela era minha garota e não seja sua culpa. Mas a quero mesmo assim.
- Olha cara. Não tenho garota nenhuma. E não sou muito ligado nesse lance de possessividade.
Ele mastigou a ponta do charuto e o retirou da boca com a mão esquerda.
- Veja só garoto. Você sabe exatamente do que eu estou falando. Mas eu vou refrescar sua memória.
Tirou uma foto polaroid do bolso da calça e me mostrou.
A foto estava um pouco amarelada, mas eu reconheci imediatamente o rosto de Grê. Ele percebeu que eu havia a reconhecido e continuou.
- Se lembra agora?
- Lembro sim. O nome dela é Grê, não é?
- Um dos nomes que ela usa. Sim.
- Mas ela não está comigo. Sequer sei onde ela mora.
- Não sei se acredito em você, rapaz.
- Aí já não é problema meu.
O homem segurou meu braço com uma força que eu não imaginava que tivesse. Aproximou o rosto do meu e sussurrou.
- Não gosto da sua atitude, mas vou deixar passar. Da próxima vez que encontra-la por ai, certifique-se de me avisar. Basta mandar uma mensagem para este número.
Ele deixou um cartão dentro do meu bolso, deu um sorriso cínico e atravessou a rua pelo meio dos carros que já começavam a se movimentar.
Fiquei parado na calçada, tentando processar o que tinha acontecido. Peguei o cartão no bolso e havia um número de celular, junto com um nome.
Belial
Quando o procurei novamente na rua, ele já havia desaparecido no meio das pessoas e dos carros. Retomei o meu caminho, mas a minha vontade de encontrar alguma companhia havia passado.
Depois daquilo eu só queria me embriagar e esquecer essa loucura em que eu havia me metido. Reclusão fazia parte do serviço enquanto eu escrevia. Nessas situações eu esquecia completamente o que era
9
Parece absurdo e real ao mesmo tempo – Disse Grê balançando um livro encadernado na mão esquerda.
Era o meu texto, com suas notas, críticas e sugestões.
- É nauseante, pessimista e cínico... Soa mesmo como um pedaço de você... Chega a ser irritante em alguns momentos.
- Não sei se tomo isso como insulto ou elogio.
- É um pouco das duas coisas.
- Ah. Ok. E então...
- Meu chefe vai ficar muito feliz em publicá-lo, depois de alguns ajustes.
- Não acho que eu esteja aberto a sugestões em relação à isso.
- Você é realmente um pé no saco. Veja as anotações pare de choramingar.
- Faz parte do meu trabalho reclamar.
- Que seja. Preciso ir embora. Mas já pode ir se considerando um escritor publicado.
- Não achei que isso fosse acontecer um dia. Ou pelo menos que eu fosse estar vivo para ver isso
- Até o fim da semana eu trago o contrato para você assinar e definimos a sua porcentagem.
Grê se levantou da cadeira e começou a juntar suas coisas para ir embora. Deu uma olhada rápida nas suas anotações, mas deixei o texto de lado.
Ela já estava na porta quando eu falei.
- Uma pessoa veio até mim procurando por você
Ela congelou na porta do apartamento e se virou lentamente para mim.
- Quem?
- Era um tipo estranho, irritadiço. E disse que você era a “garota dele”
- E o que ele queria?
- Queria que eu entregasse você para ele.
- E você vai entregar?
- Quem você acha que eu sou? Algum tipo de traíra?
- Não dá pra confiar em ninguém nos dias de hoje.
- Isso é verdade. Mas de qualquer forma, acho que é questão de tempo até que ele te encontre. Ele me deixou um cartão e pediu que eu o avisasse quando você estivesse comigo.
Mostrei o cartão a Grê, e ela prontamente o rasgou.
- Tanto faz. Ele não pode fazer nada comigo.
- E quanto a mim?
- Fique tranquilo. Só não faça qualquer tipo de acordo com ele... é certeza de furada.
- Acordo? Como o que eu fiz com você?
- Exato. - Ela sorriu cinicamente e falou num tom ríspido. - Adeus.
Então pegou o elevador e eu fiquei me questionando o que aquilo tudo significava.
Provavelmente ele era algum tipo de cafetão do passado de Grê. E eu sabia que esse tipo de cara podia ser bem perigoso...
Talvez eu devesse arranjar um revólver.
Só que no fundo eu odiava armas... E talvez eu terminasse apontando ela para o meu próprio peito algum dia.
Então devia ser uma péssima ideia.
Comi pão com queijo aquela noite e li todas as anotações de Grê sobre o meu texto. Ela tinha sido realmente elegante em suas críticas. Aceitei algumas, ignorei outras e coloquei tudo no formato final.
A ideia de ter um livro publicado não era de todo ruim. Mesmo que ninguém fosse lê-lo. Deixei tudo de lado e pensei em abrir uma garrafa de vinho. Mas já era tarde da noite e eu precisava acordar cedo... Olha só. Talvez eu já tivesse amadurecido um pouco e me tornado uma pessoa mais responsável.
Era engraçado pensar nisso.
10
- Afinal, se quer uma coisa em feita, faça você mesmo -. Ele disse, enquanto apertava meu pescoço ao ponto de me sufocar.
Eu lutava tentando encher os meus pulmões de ar e procurava força para me desvencilhar, mas ele tinha muito mais do que eu.
- Eu devia te jogar pela janela, mas estou de bom humor hoje e resolvi te dar a chance de se redimir. – Continuou.
Ele me soltou e eu caí de joelhos no chão. Aos poucos recuperei o fôlego e a força nas pernas. Me levantei, me agarrei numa cadeira e retomei o que sobrava da minha dignidade.
- O que você quer de mim?
- Você já sabe, meu garoto. Eu quero aquela, vadia, prostituta, messalina dos infernos, com quem você está brincando ultimamente.
- Já disse que não tenho nada com ela.
- Isso eu sei... Ela gosta de homens.
Eu estava derrotado demais para me sentir insultado com aquilo e simplesmente baixei a cabeça.
Ele continuou falando
.
- Então, o que vai ser?
- Ok. Mas preciso beber alguma coisa antes.
- Certo garoto. Traga algo forte para mim também.
Fui até a cozinha e peguei uma garrafa decorada cheia de uísque barato que eu tinha largado num armário.
Eu estava queimando por dentro, de pura raiva, por toda humilhação. Era muito difícil que eu reagisse a algum tipo de confrontação. Para mim era mais fácil evitar os conflitos do que estar no meio de um. Então me resumi a obedecer.
Quando fui pegar dois copos em cima da geladeira.
Dei de cara também com uma cartela inteira de comprimidos para dormir, que eu só tomava em casos extremos de insônia.
Resolvi que iria valia comprar aquela briga... A honra demandava. Mesmo que eu de forma desonrosa.
Dissolvi os comprimidos dentro da garrafa de uísque e levei até Belial. Que estava fumando um cigarro sentado à beira da janela do apartamento.
- Está querendo me matar de sede? Me dê logo a bebida e ligue para Grê.
- Tudo bem...
Ele tomou a garrafa da minha mão, bebeu metade do conteúdo e largou o restante de lado. Nem nos meus melhores dias eu seria capaz de fazer aquilo.
- Uísque barato. Não dava para esperar melhor de você mesmo. - Disse-me com um olhar de desprezo.
Fingi procurar o celular no sofá, tentando ganhar tempo.
Mas o homem devia ter a constituição de um touro se podia beber aquela quantidade de uísque num gole só.
Dava pra perceber sua impaciência, e eu temia terminar com suas mãos apertando meu pescoço novamente. E dessa vez poderia ser que ele não me soltasse.
- Você acha que eu sou idiota? Ligue logo para ela, antes que eu arranque alguns dedos seus.
Me afastei em direção à porta do apartamento e respondi com uma firmeza que eu não sabia de onde tinha vindo.
- E por que você não vem arrancar eles?
Belial olhou-me surpreso, e ao mesmo tempo ultrajado.
- Parece que você finalmente cresceu um par de ovos garoto. Vamos ver se você presta pra algo mesmo...
Ele veio em minha direção e eu recuei no sentido do elevador
Percebi que seus movimentos estavam mais lentos... Talvez os remédios já estivessem fazendo algum efeito.
Ele tentou me segurar, mas consegui me esquivar e corri em direção às escadas.
Tomei o máximo de distância que pude e conclui que ele estava realmente dopado. Apesar de ainda ter muita força. Pela forma que esmurrava a parede completamente tomado por uma raiva assustadora.
- Vou arrancar suas tripas pelo seu cu, seu merda. E vou fazer você comer tudo.
Tive vontade de rir da ameaça, mas eu estava preocupado se ele realmente pretendia fazer isso comigo.
Corri e esbarrei nele com o máximo de força que consegui.
Caímos os dois no chão e ele logo alcançou meu pescoço com suas mãos. O aperto foi terrível, mas foi afrouxando aos poucos e ele caiu de lado, completamente apagado.
Arrastei o corpo desfalecido para dentro do apartamento e tranquei a porta.
Eu não era nenhum psicopata, mas tive vontade de me vingar dele arrancando alguns dedos como ele tinha me ameaçado.
Me resumi a amarrá-lo da melhor forma que consegui com os arames do varal de roupas. Tapei sua boca com uma venda e deixei o corpo largado no banheiro.
Finalmente, peguei o celular e liguei para Grê.
Ela demorou um pouco para atender, mas logo falou.
- Boa tarde poeta. Já terminou as correções?
- Sim. Mas liguei por outro motivo.
- O que foi então?
- Estou com o seu amigo.
- Que amigo?
- Belial.
- Como assim?
- Estou com ele amarrado no meu banheiro.
- Acho difícil de acreditar nisso.
- Posso te mandar uma foto se quiser.
- Ok.
Ela desligou o celular e eu fui até Belial e tirei uma foto numa posição vexatória que não vale a pena mencionar e enviei para Grê.
Não demorou muito que ela respondesse com uma mensagem.
“Estou indo praí... não deixe ele fugir.”
Me sentei no chão e torci pra que ela chegasse antes dele acordar.
11
O tempo parecia se arrastar. Olhei o relógio umas dez vezes em menos de dez minutos. Provavelmente ela estava presa em algum engarrafamento. O trânsito de Recife era um pedaço gigante de caos em finais de tarde.
Belial murmurava palavras ininteligíveis, carregadas de ódio e de fúria. Ele parecia estar dormindo e ao mesmo tempo acordado. O que é estranho, quando eu tinha lhe dado remédio suficiente para que dormisse por uns dois dias. Pelo menos se ele fosse uma pessoa normal, o que eu desconfiava que ele não fosse.
Olhei novamente o relógio.... Nada de Grê... Nada.
Ele abriu os olhos e eu pude ver suas enormes pupilas azuladas gotejando de ódio. Olhava para mim como se quisesse me matar. Não tentou gritar. Não gemeu. Não esperneou. Acho que apenas avaliou a situação. Não adiantava espernear quando se estava amarrado e com uma venda na boca.
Aquilo tudo me deixava mais inquieto ainda.
Fui até a cozinha pegar uma garrafa de vinho. Tomei um gole e fiquei observando o meu prisioneiro. Ele já não me olhava. Mantinha os olhos fixos na parede.
Bateram na porta e eu corri até a sala, esperando que fosse Grê.
Abri a porta e era um entregador de pizza. Ele se assustou ao ver minha cara retorcida pela ansiedade e frustração ao perceber que ele não era quem eu estava esperando.
- O senhor pediu uma pizza?
- Não.
- Esse é o apartamento 102?
- Não. Esse é o 101.
- Oh. Me desculpe, não tem nenhum número na sua porta.
Realmente. O número havia caído da porta há meses e eu nunca tinha me dado o trabalho de recolocar.
Apontei na direção do apartamento 102 e o entregador se virou e seguiu até lá.
Fechei a porta e voltei ao banheiro. Mas não havia mais ninguém.
Um frio desesperador tomou as minhas tripas e meu sangue gelou.
Virei em direção à cozinha e dei de cara com Belial parado bem na porta, segurando uma faca na mão direita.
- Isso foi bastante traiçoeiro da sua parte, rapaz... Acho que agora eu realmente vou ter que cortar os seus dedos.
Ele parecia disposto a fazer aquilo, e eu nunca tinha sido muito bom em disputas físicas. Ainda mais quando a pessoa do outro lado está com uma faca e cheio de disposições assassinas. Minhas opções eram poucas e a chance de eu sair daquela inteiro eram pequenas.
Tateei pela parede do banheiro e consegui alcançar uma vassoura que estava encostada perto da porta.
Belial deu uma risada e falou.
- Você acha que vai conseguir me parar com uma vassoura?
- Não. Estava pensando em sair voando pela janela mesmo. Mas posso enfiar ela toda no seu rabo se você estiver afim.
Belial cuspiu no chão e veio devagar em minha direção com a faca em punho.
Parti pra cima com tudo o que eu tinha. Acertei o cabo da vassoura bem no alto de sua cabeça com toda a força que eu consegui juntar.
Ele sequer tentou se desviar. O cabo se partiu e um filete de sangue escorreu da sua testa, passando pela boca e pingando do queixo.
Belial parou de andar e levou a mão ao rosto. Quando viu o sangue ele olhou direto nos meus olhos e deu um riso ensanguentado.
Não sei exatamente o que aconteceu. Só senti a faca raspando por minhas costelas. Não havia dor. Só cacofonia e loucura. Deve ter sido a adrenalina e a certeza da morte.
Me agarrei com Belial e caímos ambos no chão.
Ele ainda não estava 100%. Havia muita droga no seu sangue e a raiva enfraqueceu seu julgamento.
Em algum momento ele conseguiu se desvencilhar e ficou por cima de mim. Pensei em fechar os olhos e esperar o pior. Mas a realidade é que eu não queria morrer. Não daquele jeito.
Ele ergueu a faca e gritou, lançando saliva e sangue no meu rosto.
- Te vejo lá embaixo, filho da puta.
Eu estava certo que era o meu fim, quando vi Grê se aproximando por trás com um extintor de incêndio nas mãos.
Ela acertou Belial com força na cabeça e eu tive a certeza de ter ouvido o barulho de algo quebrando.
Ele caiu de lado desfalecido e Grê me estendeu a mão.
- Pensei que você tinha amarrado ele.
Me agarrei na pia do banheiro e lavei o sangue do meu rosto.
Nesse momento senti uma dor no meu lado direito, na lateral do meu peito.
Havia um corte na minha camisa e um filete de sangue escorria.
Não era fatal, eu esperava. Mas doía como se fosse.
Me sentei no vaso sanitário fechado e murmurei.
- Ele está morto?
- Não. Não está. Precisa mais do que isso pra matar esse filho da puta.
- Você tem certeza?
- Estou mais preocupada com você.
- Que gentil da sua parte.
- Você tem alguém que possa lhe ajudar com isso? Não seria bom você ir num hospital, ou teríamos que explicar essa loucura pra algum delegado.
- Tenho sim. Não se preocupe com isso... Só garanta que ele não vá escapar de novo.
- Você tem sal grosso?
- Pra quê você quer isso? Não vou colocar sal no corte.
- Não é pra você idiota. É para ele.
Eu estava sentindo dor demais para discutir com ela sobre sal grosso... Só queria dar um fim naquela conversa.
- Deve ter na cozinha.
Grê arrastou Belial até o quarto de hóspedes, foi até a cozinha e voltou com um saco de sal grosso.
Eu não estava me sentindo muito bem para ver o que ela ia fazer com aquilo e me tranquei no banheiro.
Tirei a camisa e lavei a ferida da melhor forma que podia. Era um grande corte e em alguns pontos eu podia ver o osso das minhas costelas.
Senti que ia vomitar, mas me segurei. Enrolei uma toalha vermelha na ferida, vesti uma camisa e uma bermuda e fui em direção as escadas.
12
Não precisei descer muito.
A três andares abaixo de mim morava uma amiga.
Para minha sorte ela era uma enfermeira e parecia sempre se preocupar com o meu bem-estar. Tinha sido um dos meus poucos casos que havia acabado bem... Sem frustração ou raiva mútua.
Ela estava casada e o seu marido não ia muito com minha cara. Se ele estivesse em casa isso seria um problema para mim e para minha amiga. Mas novamente eu não tinha muitas opções no momento.
Bati na porta e ela abriu.
- Olá, Danusa. Murmurei.
Ela deve ter percebido minha palidez ou meu olhar de desespero e me trouxe para dentro.
- O que houve, Rômulo?
Levantei a camisa e a toalha e ela deu um gemido assustado quando viu o corte.
- O que foi que aconteceu?
- Aparentemente eu fui esfaqueado.
- Como assim? Quem fez isso?
- Uma pessoa bastante enciumada.
- Foi alguma das suas mulheres? Você tem esse hábito de se envolver com umas loucas de vez em quando.
- Não, não. Foi alguém com ciúme de uma amiga.
Eu estava tremendo de frio e de dor....
Ela percebeu e parou de perguntar. Me deitou no sofá e voltou com um kit de primeiros socorros.
- Olha, Rômulo. Na verdade, eu nem quero saber. Não quero mais perder noites de sono com você.
- Muito justo. Me desculpe por te meter nessa.
- Tudo bem. Agora fica quieto.
Ela limpou a ferida e depois deu alguns pontos com agulha e linha.
Eu gemi enquanto ela ia me costurando, tentando disfarçar o fato de que eu morria de medo de agulhas desde que era criança.
- Você devia ir a um médico.
- Aí eu ia ter que dar mais explicações do que eu posso.
- Não agora. Depois que você resolver seja lá o que você precisa resolver.
- É uma boa ideia.
- Você vai ter que tomar antibióticos e tomar cuidado com esses pontos. Se eu tivesse num hospital seria bem mais fácil.
- Acho que você fez um grande trabalho, Nusa.
Ela sorriu ao ouvir o apelido carinhoso que eu gostava de chama-la.
Danusa me ajudou a vestir a camisa e me deu um abraço.
- Cuidado por aí, ok?
- Vou ter... Obrigado por tudo.
Dei-lhe um beijo na testa e voltei para o meu apartamento.
De certa forma eu tinha sorte. Mesmo com o tanto de merda que eu já havia feito no meu passado, sempre havia alguém disposto a me socorrer quando o fundo do poço aparecia na minha linha de visão.
Talvez eu não fosse uma pessoa tão ruim e não estivesse tão fodido quanto eu imaginava estar.
13
Voltei ao apartamento e dei de cara com a porta fechada
Bati três vezes até que ouvi passos vindo em minha direção.
Grê abriu a porta e eu entrei sem dizer nada.
- Até que não demorou.
- Onde ele está? – Perguntei impacientemente.
- Está no quarto. Tá apagado.
- Bom.
- Eu sei que te devo algumas explicações.
- É verdade. Você deve.
Andei até o quarto de hóspedes e dei de cara com Belial jogado no chão. Estava solto. Mas ao seu redor havia um círculo e alguns símbolos desenhados com sal grosso.
Me virei para Grê sem conseguir disfarçar minha irritação. Eu estava de saco cheio de toda aquela loucura. Estava de saco cheio de não entender porra nenhuma do que ela fazia. Então despejei o que pensava.
- Você REALMENTE espera que essa PORRA DE SAL GROSSO vá segurar ele no lugar, não é?
Minha exaltação pareceu não atingir Grê e ela respondeu calmamente.
- É exatamente para isso que serve o sal grosso. Junto com o Selo, é claro?
- QUE TIPO DE IDIOTA VOCÊ ACHA QUE EU SOU, MULHER?
- O tipo usual, que se encontra por ai. Você é bem na média.
Levei as mãos a cabeça e me dirigi até o círculo de sal. Ia chutar toda aquela idiotice para longe, mas ela me segurou pelo braço com a mesma força que Belial havia segurado antes.
- Você não vai querer fazer isso, Rômulo. Confie em mim.
- Confiar em você? Qual o motivo que eu tenho para isso? Você só trouxe caos na minha vida desde o momento em que entrou pela porta pedindo cerveja.
- Tem certeza disso? Ela perguntou sem esconder a malícia de sempre.
Eu sabia que não teria escrito o livro sem o empurrão inusitado que ela tinha me dado. Mas isso não era suficiente para que eu me sentisse grato.
- Pode me soltar por favor? Perguntei sem disfarçar a irritação.
Ela soltou meu braço e falou.
- Se afaste dele. Fique no canto e faça o que eu digo que vai dar tudo certo.
- É mesmo?
- Sim.
Nesse momento Belial acordou e se pôs sentado.
Levou as mãos aos olhos e os esfregou. Quando se deu conta de onde estava, tentou ficar de pé, mas cambaleou e caiu de joelhos. Olhou ao redor e viu o círculo de sal que o cercava.
Dava pra ver a raiva fermentando dentro dele. Ele exalava ódio e fúria, como um predador recém capturado.
Era quase como se a temperatura do quarto tivesse aumentado em resposta a ele.
- SUA PUTA! SUA VADIA! MESSALINA TRAIÇOEIRA! O QUE VOCÊ FEZ? – Gritou.
- Ora, meu bem... Só estou cuidando de você.
- Cuidando de mim? Você me convenceu a vir para essa cidade... Cidade não... esse ESGOTO A CÉU ABERTO... Você me prometeu uma Sodoma moderna, depois me abandona... e aí eu termino preso num quarto de um escritor de terceira com quem você resolveu ter um caso? Não pensei que você pudesse cair tanto!... e me arrastar junto.
Grê riu e puxou uma cadeira para se sentar.
- Por mais que eu esteja me divertindo com seu escândalo eu vou ter que te pedir pra parar de gritar. Não quero que os vizinhos chamem a polícia.
- TALVEZ SEJA EXATAMENTE ISSO QUE EU QUEIRA, SUA PROSTITUTA!
Grê tirou um isqueiro do bolso e uma mecha de cabelos ruivos, presos por um elástico. Ao ver o que ela tinha nas mãos, Belial levou a mão à cabeça e percebeu que havia um buraco no alto da cabeça, onde o seu cabelo havia sido cortado.
Grê acendeu o isqueiro e aproximou os cabelos da chama.
Como se tivesse uma arma apontada para sua cabeça, Belial se ergueu como pode e sussurrou.
- Você não faria isso... Por favor, não faça isso...
Ele parecia realmente assustado, e eu tentei fazer algum sentido daquilo tudo. Eu não estava tratando com pessoas normais... ou talvez isso tudo só fosse algum tipo de delírio. Mas resolvi ficar quieto e esperar o desenrolar das coisas.
Grê apagou o isqueiro e falou.
- Então fique calado enquanto eu vou ter uma conversinha com meu escritor de terceira preferido, ok?
Belial assentiu com a cabeça, visivelmente derrotado.
Grê se levantou e eu a segui até o meu quarto.
Ela fechou a porta e se sentou a beira da cama.
- Eu sei que você tem muitas perguntas. Mas não temos muito tempo. Então eu vou ser direta. - Disse-me, enquanto acendia um cigarro.
Me mantive em pé, perto da porta e concordei com a cabeça.
- Eu preciso que você vá até meu chefe e faça um acordo em meu nome.
- Como assim?
- Quero que você faça uma troca.
- Troca de quê?
- Quero que você troque ele por mim.
- Não estou entendendo.
- Quero que você ofereça Belial em troca da minha liberdade.
- Estamos falando de algum tipo de escravidão? Ou dívida
- Algo assim. Vamos dizer que eu devo muito ao meu chefe, e você vai oferecer o nosso amigo aqui em troca da minha dívida.
- Isso não me parece algo muito usual... ou mesmo legal, Grê.
- E por acaso alguma coisa que você tenha visto hoje nessa casa parece usual? Você fica bem melhor sem saber exatamente do que se trata. Faça o que eu estou pedindo e eu saio para sempre da sua vida. E ele também.
Pensei por alguns segundos no que ela estava dizendo, mas a dor não me permitia raciocinar direito. Eu só queria que tudo isso desaparecesse. Preferia lidar com coisas que eu conseguia compreender.
- Ok. Grê. Eu farei isso.
- Ótima decisão.
- Onde posso encontrar esse seu chefe.
- Ele tem um antiquário na Rua do Bom Jesus. Perto da Sinagoga. Se chama Jacques.
- E se ele não aceitar a proposta?
- Ele vai aceitar. Pode ficar tranquilo quanto a isso. Ele nunca poderia deixar passar um bom negócio como esse.
- Se você está dizendo, vou fingir que estou tranquilo e sair logo. Quanto antes eu resolver isso, melhor.
- Gosto do seu espírito.
Peguei as chaves do carro, abri a porta e me preparei para dirigir até o endereço que ela me dera.
Antes de sair do apartamento deu uma espiada no quarto de hóspedes. Me deparei com Belial prostrado no chão. Enfraquecido. Derrotado.
Quase tive pena dele.
\um cara como eu sabia bem como era sentir na pele esses tipos de sensação.
14
Grê tomou o elevador comigo e me acompanhou até o carro.
Dava pra ver um certo otimismo e ansiedade em seus olhos. Finalmente ela transmitia algo que não fosse cinismo e lascívia.
- Muito cuidado com o que você vai dizer para ele. Seja direto... faça a proposta e me ligue para me dizer a resposta dele.
- Eu pensei que seu chefe fosse algum empresário e não um dono de antiquário.
- Ele é as duas coisas. Vá lá e veja com seus próprios olhos.
- Ok.
Subi no carro e segui na direção do endereço indicado.
Cheguei lá antes das 20h.
Havia homem que aparentava ter uns sessenta anos. Apesar de ter os cabelos grisalhos e algumas marcas de tempo no rosto, ele parecia estar ainda bastante firme.
Me aproximei enquanto ele ia se preparando para fechar o antiquário.
Ele parou o serviço e me olhou de cima abaixo.
- Já estou fechando a loja por hoje. – Disse-me.
- Eu vim aqui lhe fazer uma proposta, Senhor Jacques.
- Como eu disse, rapaz. Estou fechando a loja. Passe aqui amanhã.
- Amanhã o negócio pode não ser possível.
Ele me encarou e cruzou os braços. Seus olhos eram de um tom esverdeado profundo, e se escondiam em pálpebras brancas e pesadas, como se estivesse com sono ou exausto.
- Do que se trata?
- Uma troca.
- Seja direto, rapaz. Eu não tenho a noite toda.
Eu não sabia como abordar o assunto. Aquilo tudo era mais do que estranho. E eu tinha medo que ele me tomasse por um louco, ou que fosse só mais algum truque de Grê.
- Eu tenho algo que o senhor gostaria de ter. E o senhor tem algo que eu quero.
- Acho isso muito improvável.
Peguei o celular e abri a foto de Belial amarrado no meu banheiro. A mesma que eu havia enviado para Grê.
O velho deu uma olhada na foto e levantou uma sobrancelha, desconfiado.
- De quem se trata? E o que isso tem a ver comigo?
- Ele se intitula como Belial. Acho que o senhor o conhece.
O velho arregalou os olhos e se virou para abrir a porta da loja. Entrou e fez um sinal para que eu o seguisse.
Lá dentro ele sentou-se num sofá e me indicou uma cadeira para que eu me sentasse também.
- Quem foi que o mandou aqui?
- Grê! Sua funcionária.
- Funcionária? - O velho riu como se eu tivesse falado algum absurdo. - Tudo bem, tudo bem. – Continuou.
- Quero trocar a dívida dela por Belial.
- Bem. Não é algo que acho que viria de alguém como você. Mas para mim seria um bom negócio.
- Era tudo o que eu queria ouvir.
Jacques se levantou e foi até atrás de um dos balcões da loja de antiguidades.
Pegou um livro grande de capa de couro e começou a folheá-lo.
Eu pude ver o título gravado na capa, que dizia. “A chave menor de Salomão”
Depois de ler uma ou duas páginas, Jacques fechou o livro e falou.
- Tudo bem. Podemos fazer a troca. Se ele for realmente quem diz ser.
- Ok. Agora eu preciso fazer uma ligação, se o senhor me permite.
Ele concordou com a cabeça, e eu saí da loja logo em seguida.
Peguei o celular e liguei para Grê.
Ela atendeu e falou ansiosamente
- E aí?
- Ele aceitou o negócio.
- Maravilhoso.
- Preciso fazer mais alguma coisa?
- Diga para ele trazer a minha caixa até o seu prédio. Que eu vou dar a chave e o selo de Belial pra ele fazer o que quiser.
- Ok.
Eu tinha a sensação de que estava me metendo numa furada... em algo moralmente discutível. Mas o que eu poderia fazer além de seguir com o plano?
Voltei para a loja e dei de cara com o velho derretendo cera de uma vela sobre a tampa de uma caixa de madeira.
- Presumo que ela está bem animada com a negociação, não é rapaz?
- Sim. É o que parece.
- Como é o seu nome? E como você se meteu nessa situação.
- Meu nome é Rômulo. Estou nessa por causa de um livro.
- Ah, sim. Ela me falou de você. E do seu livro. Parabéns. Minha editora vai publicá-lo. Não é exatamente o meu gosto, mas os nossos critérios para publicação são inteiramente técnicos.
- Bom saber, senhor.
- Então. Precisamos decidir alguns termos da troca.
- Sim. Grê pediu que o senhor me entregasse a caixa dela. E ela lhe entregaria a chave e o selo de Belial.
- Naturalmente. Mas vou precisar que ela jure de boa-fé que não dirigirá nenhuma vingança contra mim ou contra os meus assim que ela estiver livre.
- Jurar de boa-fé?
- Claro. Nesse ramo em que estamos lidando, o maior bem de uma pessoa, ou entidade, é a sua palavra. Ninguém gosta de negociar com um perjuro.
- Entidade? –
Eu estava bastante confuso. E não esperava me meter numa negociação que do que pareciam ser dois ocultistas. Eu era cético e cínico demais para acreditar nessas coisas.
- Você realmente não sabe com quem está lidando, não é?
- Tive essa sensação durante toda a minha vida.
- Então talvez seja melhor que continue assim.
O velho voltou ao serviço e logo que a cera solidificou ele colocou duas caixas sobre o balcão.
Uma delas estava lacrada e sobre a tampa, havia um círculo com símbolos e um nome gravado na cera.
Um frio tomou minha barriga quando juntei as letras e percebi que o nome era Gremory.
Não era um nome que eu já tivesse ouvido alguma vez na vida. Mas no momento me soou como algo sinistro.
E eu sabia que no fundo se referia a Grê.
- Podemos ir agora?
Jacques concordou com a cabeça, pegou as duas caixas e o livro e saiu da loja.
Fechou tudo foi em direção ao seu carro.
- Eu vou na frente. O senhor pode me seguir. – Falei e segui para o meu próprio veículo.
Não demoramos a chegar no prédio pois quase não havia trânsito naquele horário.
Estacionamos e tomamos o elevador.
A porta estava aberta e Grê fumava um cigarro sentada no sofá.
Ela parecia ansiosa e talvez um pouco perturbada.
Quando Jacques entrou no apartamento ela se levantou e curvou a cabeça em tom de deferência. Algo que eu nunca havia imaginado que ela fosse capaz.
- Boa noite, Gremory. – Ele falou.
Ela não respondeu e se sentou novamente no sofá.
Eu puxei uma cadeira para que Jacques sentasse, mas ele se manteve em pé.
- Eu gostaria de vê-lo primeiro.
- Tudo bem. - Disse Grê, apagando o cigarro na minha parede. - Mas não tente nenhuma gracinha.
Jacques deu um sorriso malicioso e a seguiu até o quarto de hóspedes.
Belial ainda estava prostrado no chão, mas quando percebeu que Jacques havia chegado no quarto, sentou-se e cravou um olhar cheio de ódio e desespero em direção a mim e a Grê.
- Nunca imaginei que eu fosse encontrar o grande Belial numa situação dessas. Que lamentável... e que sorte. – Disse Jacques.
Senti que Belial ia gritar algum ameaça, mas Grê lhe dirigiu um olhar reprobatório e ele manteve-se calado.
Saímos os três do quarto e voltamos para a sala.
- Como eu havia dito para o seu intermediário. Estou disposto a fazer a troca, Gremory. Mas preciso que você jure de boa-fé que não tomará nenhuma vingança contra mim ou contra os meus.
Era flagrante que Grê tinha motivos e intenção de se vingar de Jacques, apesar de eu não compreender bem qual era a relação dos dois.
Mas ela mordeu os lábios e falou.
- Dou-lhe minha palavra, que não exercerei minha justa vingança contra você nem contra sua descendência.
- Então podemos fechar o negócio.
Jacques me entregou a caixa com o selo e Grê me entregou a mecha de cabelos de Belial.
Jacques estendeu a mão e eu lhe dei a mecha.
- Rompa o selo e abra a caixa. Disse-me, Grê, sem conseguir disfarçar a ansiedade.
Abri a caixa e dentro havia uma mecha de cabelo escuro, que eu percebi no mesmo momento que pertencia a ela.
Nesse momento, uma rajada de vento entrou pela casa e eu pude ouvir um suspiro aliviado vindo de Grê.
Jacques pegou segunda caixa e lançou a mecha de Belial dentro.
Depois foi até o quarto e copiou na cera, os mesmos símbolos que Grê havia desenhado com o sal grosso.
- Se você terminou, pode sair daqui, Jacques! E leve consigo o seu novo escravo. – Grê falou, com uma voz carregada de deboche.
- Terminei sim, Gremory. Foi um prazer negociar e trabalhar com você.
- Não posso dizer o mesmo, - Ela replicou.
Jacques saiu com a caixa e o livro debaixo do braço e Belial o seguiu cambaleando de cabeça baixa. Não disse sequer uma palavra.
Quando ficamos novamente a sós, Grê veio até mim e me deu um abraço.
- Eu não faço o tipo sentimental, nem sou muito dada a agradecimentos. Mas obrigado por tudo.
Me afastei dela e murmurei.
- Eu só quero minha vida de volta. Mesmo todo aquele tédio é bem melhor do que essa loucura.
Ela sorriu e falou.
- Você vai ter sua vida de volta. Prometo-lhe.
Grê tirou do bolso uma pequena mecha de cabelos ruivos. Aparentemente ela não entregou tudo que tinha a Jacques.
Com isso aqui eu garanto que mesmo que Belial escape, ele nunca mais vai lhe procurar. E se for do seu agrado, eu também posso desaparecer.
- Adeus, Grê... Obrigado pela preocupação...
Ela seguiu em direção a porta e tomou o elevador.
Voltei para o meu quarto, tomei dois comprimidos de analgésicos e me deitei de uma forma que sentisse o mínimo de dor.
Adormeci torcendo que tudo aqui não tivesse passado de um sonho.
15
Um mês depois recebi uma encomenda pelo correio.
Cinco exemplares do meu livro. Devidamente registrado e publicado pela editora de Jacques.
Havia também um envelope com um contrato com termos bastante interessantes. Mas nada além disso... Apesar do silêncio, Grê tinha mantido sua promessa.
Aproveitei os dias de calma com um gosto amargo na boca. As vezes o meu próprio silêncio era insuportável. Eu via as coisas passando diante dos meus olhos e já sequer me lamentava das minhas inações. Tinha me acostumado a viver um dia de cada vez, sem planos e sem muitos sonhos.
Mas nem todo mundo consegue viver esse tipo de vida por muito tempo sem enlouquecer ou se perder no fundo de uma garrafa de bebida.
Não queria nem um nem outro para mim. Então eu precisava viver além dos metros quadrados do meu apartamento e voltar a me expor aos elementos... e esperar que isso mudasse alguma coisa. Precisava de histórias além das minhas para contar.
O toque do celular me trouxe de volta do fundo dos meus pensamentos e pensei em arremessa-lo na parede...
Então eu vi o nome de Lucilla na tela. Era apenas uma mensagem.
“Entrei em Trabalho de Parto”
Meu coração subiu até a boca e senti meus intestinos congelando na barriga.
Pelo que eu tinha entendido ela não queria que eu tivesse nada com a criança... talvez não fosse bem assim.
Me preparei para ligar pra ela, quando chegou uma segunda mensagem com o endereço do hospital para qual estava indo.
Vesti a primeira roupa que encontrei, peguei a chaves do carro corri para o elevador. Não consegui esperar e desci pelas escadas desembestado.
Eu tinha virado a noite acordado, e o sol da manhã incomodava meus olhos. O pouco de sono que eu estava havia desaparecido... eu me sentia apenas cansado.
O transito estava terrível e pensei em estacionar o carro em alguma calçada e sair correndo em direção ao hospital. Levei quase uma hora pare chegar.
Por coincidência, Lucilla estava descendo de um carro, na frente da recepção.
Fui em sua direção e a ajudei no processo.
Dava pra ver que ela estava sentindo dor, apesar de não verbalizar isso.
Pelas minhas contas ela não estava com mais do que 8 meses de gravidez, e concluí que ela havia sido pega de surpresa.
- Obrigado por ter vindo. Disse-me.
Apenas balancei a cabeça e a ajudei até a Recepção. Ela deixou uma bolsinha com seus documentos na minha mão e uma enfermeira a levou para uma sala.
A recepcionista terminou de preencher um formulário e perguntou.
- O senhor é o pai da criança?
Hesitei por um instante e respondi gaguejando
- Parece que sim.
Ela disfarçou a confusão momentânea pela resposta e continuou.
- O senhor vai querer acompanhar o procedimento?
- Sim. - Respondi sem pensar.
- Então aguarde aqui até que lhe chamem para a sala de parto.
Sentei-me em uma cadeira da sala de espera pensando sobre o significado daquilo tudo.
Uma senhora que estava sentada ao meu lado percebeu minha ansiedade e puxou assunto.
- É o seu primeiro?
- Sim. – Respondi laconicamente.
- É assim mesmo. Tudo vai dar certo.
- Espero que sim.
- Qual o sexo da criança.
- Não sei ao certo.
A senhora me olhou com um olhar desconfiado e perguntou, num tom de surpresa.
- Resolveram não saber o sexo antes do parto?
- Na verdade não. Aparentemente eu fui apenas o fornecedor de material genético.
Ela fez uma careta e se calou. Aproveitei o silêncio e voltei pra minhas divagações. Fui interrompido novamente por uma enfermeira que disse que Lucilla queria me ver.
Andei até uma salinha onde lavei minhas mãos e me preparei para acompanhar o parto. Depois fui até onde Lucilla estava.
Ela estava sentada numa posição estranha, tentando sentir o mínimo de dor com as contrações.
Me aproximei e ela falou, com a voz entremeada de dor.
- Desculpa te arrastar pra essa situação. Tenho certeza que você tinha algo mais importante para fazer agora.
- Não sei que tipo de pessoa você acha que eu sou, Lucilla.
- Não tenho uma visão muito positiva dos homens ultimamente.
- Dá pra ver...
Ela fez uma careta com a chegada de uma contração e se agarrou nas barras de ferro da maca em que estava.
Segurei uma de suas mãos até que a contração passasse e ela finalmente deu um sorriso.
- Onde está o cara que você disse que ia assumir a criança?
- Tivemos uma briga ontem, e ele saiu de casa sem dizer pra onde ia. Pelo jeito todo aquele discurso de bom moço era da boca para fora. Tendo isso em vista, resolvi avisar a você.
- Acho justo... Você sabe o sexo da criança?
- É uma menina.
Um arrepio percorreu meu corpo e terminou com um sorriso que eu não conseguia disfarçar.
Acho que Lucilla percebeu, por que também pude ver um sorriso em seu rosto.
- Já sabe o nome que vai dar?
- Rebeca.
- É um nome bonito...
Eu queria abraça-la. Mesmo antes de ter vindo ao mundo.
Um filme passou por minha cabeça em segundos. Tudo o que havia me levado até aquela sala de hospital... e num instante, todos os meus questionamentos existenciais haviam desaparecido.
Só restava aquela criança. Que eu de alguma forma já amava, sem nem mesmo ter visto o seu rosto.
Lucilla deu um grito de dor e logo a sala se encheu de pessoas.
- Não quero que você veja o parto, ok? Quando ela nascer eu mando te chamar. Você só vai me deixar mais nervosa.
Atendi ao pedido de Lucilla, talvez um pouco aliviado, e fiquei andando pelos corredores sem me dar conta da passagem do tempo.
Horas poderiam ter se passado, ou apenas minutos.
Eu não sabia ao certo... e só me dei conta do que estava acontecendo quando ouvi um choro de criança vindo da sala.
Corri até a porta e uma enfermeira me chamou para dentro.
A criança estava lá, nos braços de Lucilla, que chorava ria ao mesmo tempo.
Fui até as duas e tentei segurar minha emoção. Eu não estava preparado para aquilo, mas estava agradecido pela surpresa.
Então Lucilla olhou pra mim e disse entre lágrimas.
- Diga oi para sua filha.
Toquei não mãozinha de Rebeca com meu dedo indicador e ela o agarrou com toda a força que tinha.
Segurei tudo que tinha dentro de mim e que queria sair naquele momento, mas um soluço escapou junto com uma lágrima. Dei um beijo na testa de Lucilla, saí da sala e fui para a frente do hospital.
Fiquei um bom tempo tentando juntar ar em meus pulmões. Queria chorar e sorrir. Queria alguém para abraçar...
Queria minha filha nos meus braços...
Procurei algum lugar para sentar e dei de cara com Grê, parada em sua moto, no estacionamento.
Ela estava sorrindo. Mas dessa vez o sorriso parecia sincero.
- Parabéns, Papai. Lindo dia, não?
Eu sequer tive tempo de me questionar sobre como ela sabia daquilo.
Simplesmente aceitei.
Olhei para o céu. Estava completamente limpo. Num tom de azul claro que quase me cegou...
- Realmente. – Respondi com todo o laconismo que consegui reunir.
- Espero que você encontre seja o que for que esteja procurando.
Antes que eu pudesse responder, ela acelerou a moto, virou uma esquina e desapareceu.
Me recostei numa parede e fiquei observando uma pequena nuvem solitária caminhando pelo céu enquanto meus olhos se acostumavam com a claridade.