Lua

Lua tomou o cigarro de sua mão e apagou-o na parede, visivelmente irritada.

Ela odiava essas pequenas distrações quando estava tentando falar algo sério.

Mas ele não levava o papo tão a sério quanto ela. E ai estava a raiz de todo problema.

- Quando eu disse que era meio trouxa, eu não estava pedido que você me tratasse como uma. Ela disse, sem ao menos tentar disfarçar a raiva.

- Ok Bebê, mas eu não estou te tratando como uma.

- Eu odeio quando você me chama assim. Parece que você se esforça para me irritar nas mínimas coisas.

- Não sei de onde você tira essas idéias de que eu faço qualquer coisa pra te irritar propositalmente.

- É. Não sei de onde tiro isso.

- Então, então. Pode falar. Eu sou todo ouvidos.

- Tem dias que você acorda todo doce e sorridente e por alguns momentos é um amor de pessoa... o tipo de cara que eu sempre sonhei pra mim. E eu fico querendo sair do chão. Mas ai, de repente você perde toda a intensidade e fica com esse olhar vago, como se tivesse perdido em algum lugar...

- Não é que eu não reconheça que as coisas sejam assim. Mas eu não faço nada disso de caso pensado... eu simplesmente sou assim. Não sei como ser algo diferente.

- Eu não sei se sei viver com alguém assim.

- Eu não te culpo.

Lua suspirou e se levantou irritada. Oscilando entre a vontade de chorar e de gritar que o amava. Que ele era um idiota.

Ele alcançou a carteira de cigarros na penteadeira e acendeu um.

os dois ficaram com o olhar perdido em pontos distintos da casa. Sem coragem de olharem.

Não havia muita coisa a se dizer. Ela não ia implorar, ou ignorar coisas que lhe machucavam.

Queria ser madura o suficiente para se afastar sem se desmanchar em lágrimas.

Ele olhou para Lua e disse, algo que lhe veio subitamente na cabeça.

- Vamos morrer então, nós dois. Hoje.

Ela sorriu, perturbada pela proposta.

- Como assim?

- Se não conseguimos viver juntos em paz, talvez consigamos essa paz na morte.

- Você está falando sério?

- Eu não estava no começo. Mas agora a idéia não me soou de todo absurda.

Lua pensou por um instante. 5 anos nesse pé de guerra. Não conseguia viver com ele. Não tinha paz vivendo sem ele. A coisa parecia reciproca, então talvez não fosse tanta loucura.

Ele a abraçou e derramou algumas lágrimas, em silêncio.

Beijaram-se, convulsivamente. Como se de fato fossem morrer.

O que se seguiu, arrancou-lhe o ar dos pulmões. A sensação da morte certa lhe trouxe um tanto de vida de volta.

Transaram como nunca haviam feito.

Se embriagaram e queimaram a noite e a madrugada até que o sol já ameaçasse a aparecer.

Então, Ele se levantou subitamente, foi até o banheiro e tirou as lentes de contato que já lhe ardiam nos olhos.

Abriu a pequena bolsa de remédios que Lua sempre trazia consigo. Tirou uma cartela de comprimidos de remédio para dormir e voltou para a sala.

Separou doze para cada um e tomou-os com o que restava de vinho em seu copo.

Lua fez o mesmo.

Abraçaram-se e esperaram o dia e a morte chegar.

Perderam os sentidos juntos enquanto a luz do sol invadia o apartamento pelas janelas.

Lua acordou com um sol forte nos olhos. Eram sete da manhã, e ela sentia algo vivo caminhando por seus intestinos.

Ele estava do seu lado, roncando. Tão vivo quanto ela.

Lua pegou a cartela do remédio que havia tomado e percebeu o que havia acontecido.

Sem as lentes de contato, ele havia confundido a cartela do seu remédio para dormir com uma cartela de laxante.

A morte não havia chegado, nem chegaria tão cedo. Ela não tinha ido para o céu ou para o inferno.

Mas sabia que estava prestes a passar por um bruto de um purgatório e de alguma forma não conseguiu não cair no riso com a situação.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 05/01/2018
Reeditado em 05/01/2018
Código do texto: T6217309
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