O círculo intransponível

Napoleão estava só no dia de Natal. Seus filhos perambulavam na mais total solidão cada um em sua casa. A esposa já havia morrido, assim como o seu primogênito. Apenas uma filha lhe fazia companhia.

Estava do jeito que não poderia haver outro. De tão repetido, seu pensamento dominante virou realidade. A nora não lhe saíra ao feitio do seu modelo cartesiano, quadradinho. Os genros também não. Os netos então... Ora, só enchiam o saco sempre que se reuniam barulhentos e felizes nessas datas. Os filhos sim, bem que mereciam cônjuges perfeitos.

Cada um era a personalidade assumida dos formados na mesma escola, cada qual com seu distúrbio particular e visão distorcida pela certeza de que estava certo. Dois deles conseguiram algum progresso espiritual e financeiro num momento da vida, mas acabaram sucumbindo à pobreza de um pensamento retrógrado. O filho pródigo tropeçou na indulgência e de tanto ralhar a mulher que apontava seus problemas de família mal resolvidos, acabou por perdê-la. A filha mais velha, separada do marido que pensava diferente, tinha uma nora que não era bem feita e não bastasse, roubara do filho a sua imagem e semelhança. A caçula, separada de dois maridos imperfeitos, achava que a ex-cunhada tinha nariz empinado. Não gostava do modo que a nora da irmã educava os filhos que tiravam o sossego do pai, que era intocável.

Aqueles irmãos e o pai agiam como muletas um do outro, contraindo dívidas insolúveis, de modo que suas vidas corriam subtraídas de infindáveis dias não vividos num efeito cumulativo de frustrações, e assim o círculo implodiu virando poeira invisível.