AMOR PRIMEIRA À VISTA
AMOR PRIMEIRA À VISTA
- Cartão ou dinheiro?
A voz soava como uma sineta de prata. Tudo na figura da balconista era desconcertante. O chiclete sendo mascado despreocupadamente, em uma longa atassalha com os lábios abertos, o olhar estafado aguardando sua resposta, a resposta que deve ter ouvido milhares de vezes somente aquele dia, apenas variando entre um e outro. Pensou em dar-lhe uma terceira que esperava jamais ter tido antes, mas reservou-se.
- Cartão.
- Débito ou crédito?
Soa a sineta de novo. Reparou na mancha de gordura de seu avental, e como aquela nódoa indisfarçável conspurcava aquele monumento em sua frente. Pensou em retirar seu lenço e delicadamente consertar aquela imperfeição, mas temia cometer alguma indiscrição.
- Crédito, por favor.
Quando retirou o cartão de sua mão, tentou roçar seus dedos na dela, tentando, com esse pequeno gesto, transmitir algum sinal do anseio que surgiu ali, dentro dele, quando se dirigiu a pagar sua conta. Errou quando tentou, pois não conseguia baixar o olhar da mira daquele exaurido rosto de madona. Ela pega seu cartão com certa rispidez, num gesto mecânico de quem já o realizou indefinidas vezes, passa-o na máquina, e oferece a ele com a face de teclado voltada à sua direção. Um robô em seu lugar não teria se movimentado com menos graça.
Pensou em digitar os números de seu telefone, e, no erro que acusaria, citar esse erro, como um pequeno flerte, na esperança de ter retorno dela, caso guardasse os números. Esqueceu tal ideia. Aperta os botões da senha, a máquina apita e imprime a boleta de comprovação. A moça rasga o papel, e dá a ele com uma caneta para sua assinatura. Ali se apresentava outra oportunidade.
- Vou deixar meu telefone aqui também, caso tenha algum problema. – Diz, esperançoso.
- Não precisa – A resposta, dura.
Frustradas as tentativas, ele aceita sua via e se dirige a porta, com ombros baixos, sem olhar para trás. Retira a chave da Mercedes do bolso, desliga o alarme com um bipe e, ao entrar no carro, lança um último olhar para dentro da lanchonete. Algo havia quebrado o olhar duro da moça e agora ela observava com uma certa curiosidade. Reanima-se, então. Amanhã era dia de outro café ali.