NUM PARTICULAR DIA DE MARÇO
NUM PARTICULAR DIA DE MARÇO
Esperava que naquele dia, em particular, como ventilado por todo reclamo em todo lugar até ali, tudo o que era e fazia tivesse algo em especial. Afinal de contas, era mulher, era seu dia de estima, a despeito de quaisquer faltas consigo, com seu corpo, com seu jeito ou outras demandas próprias e exógenas que sempre a diminuíam.... Aquele era seu dia. Ponto. Veste-se para a rotina com o mesmo requinte de todos os outros, mas desta vez, ao invés do mecanismo que a vaidade se tornou antes, pensa em cada sutileza de seu indumento. O vestido, colado ao corpo de forma a tornea-lo, no entanto não com tanto constrangimento a parecer um embutido de carne. Um palmo acima do joelho, era a medida correta para sugerir respeito e insinuar algo. Um tubinho vermelho escuro, num tom para o dia, mas sem precisar de troca para estender para a noite. Em torno disso, nada mais chamativo. Um anel discreto, unhas, lábios e scarpin em tons parecidos. Sem exagero.
Saiu de seu apartamento e toma a rua, no mesmo caminho de antes. Passa pela construção ao final da avenida, os mesmos assovios e assédios de sempre.
E se não hoje?
E se, naquele imbróglio de “ô, lá em casa” e impublicáveis outros houvesse alguém que simplesmente quisesse um jogo de olhar, algo que iniciasse a ternura guardada todos os dias em que passava por ali e talvez abrisse caminho a conhecer uma alma?
Esqueceu aquele pensamento quando chegou ao término da rua, no ponto de ônibus.
O ônibus de sempre, com a propaganda de sempre em sua traseira. Um perfume de uma linha, sugerindo que toda feminilidade evolaria com seu auxílio. Coisa que sempre ignorou, pois preferia a essência de outra marca.
E se não hoje?
E se, realmente, aquela era o fato que lhe deixava insegura? Não que tivesse problemas com seu odor, mas se lhe faltasse feminilidade ou qualquer coisa e ali estivesse a resposta?
O ônibus para em seu ponto. Desce até a calçada e o prédio de seu trabalho. Seu Messias, o porteiro, a recebe com o mesmo “bom dia” em uma entonação diferenciada, como já pôde comparar, de sempre. Retribui da mesma forma, e sobe as escadas para o primeiro andar, reparando de sobrolho Seu Messias acompanhando sua subida.
E se não hoje?
Se realmente Seu Messias se olvidasse de sua mulher e seus quatro filhos quando a visse? E se aquele sorriso aberto fora a fora, encaixado em um queixo quadrado e másculo, fosse não assustador, mas o mais honesto que um rústico semblante pudesse oferecer?
Subiu até sua mesa. Uma rosa largada em cima dela, com um cartão com uma mensagem genérica celebrando a data, assim como em todos os anos que esteve ali, naquela empresa.
E se não hoje?
Olha com mais atenção o cartão. Cheira a rosa tentando perceber um melhor frescor. Talvez, de todas as rosas sobre todas as mesas, aquela ali demonstrasse evidência de ser algo particular, algo que a justificasse entre todas as outras assistentes da sala.
Não encontrou nada, ou também não teve tempo de procurar. Ali a pouco já fora chamada para uma reunião com a chefia, solicitando os relatórios de venda, como de praxe.
Caminha até a sala com o calhamaço de papéis. É recebida pela gerencia e numa rápida reunião explana o conteúdo que colheu, sempre ao olhar obsequioso do Gerente administrativo, que a deixava ruborizada ao simplesmente lhe dar atenção.
Ao término da reunião, segue para a copa para tomar um café. Não reparou que o gerente havia se encaminhado para ali também, na mesma intenção. Serve-se de sua xícara, o gerente faz o mesmo. Como na reunião, ambos ficam lado a lado, só que desta vez sem nada a falar. Novamente, ela pensa.
E se não hoje?