Tília
- Quem sabe um dia...
Deu uma risada, os cabelos ondularam para trás, displicentemente. Levantou-se e foi arrumar-se. Estava muito bonita. Ele era suspeito, sempre a considerava a mais atraente, dentre as mulheres que conhecia.
- Toma um cafezinho, meu filho.
A tia, jeito manso, com uma xícara a sua frente. Dúvida: ficar e talvez ainda vê-la, depois que se pusesse mais arrumada, ou dar um descanso, caminhar pelo centro, ir para casa, fazer alguma coisa? Arejar a cabeça, era uma boa. Deixá-la aparecer na sala e não encontrá-lo mais. Como quando eram pequenos e brincavam de esconder. Sumir... Terminou aceitando o café.
- A Tília veio por pouco tempo, desta vez. Nem chega a nos dar o gostinho...
Era a tia, clareando as coisas. Teve pressa em saber:
- Quando volta?
Retornava no sábado. Andava bastante ocupada em São Paulo. Não dispunha de muito tempo para ficar fora.
- Sábado? Mas hoje já é quinta.
Tinha de pôr a cabeça para trabalhar. Foi saindo, decidido a pensar em uma estratégia.
Telefonou mais tarde, convidando-a para conhecer um barzinho fenomenal. Ela agradeceu, já tinha compromisso, outro dia talvez. E acrescentou: depois se vê. Ele ficou segurando o telefone por onde passara sua voz. Longamente.
Tília manteve-se sempre ocupada durante os dias em que esteve em Pelotas. Conseguiu apenas trocar um punhado de palavras com ela, a tia por perto. O sábado chegou. Ofereceu-se para levá-la à rodoviária e pediu que voltasse breve.
- Agora é a tua vez de me visitar.
Os olhos dele cresceram:
- Posso?
Tília, emendando:
- Mando te dizer quando der. Agora ando numa correria.
A frase ficou dando voltinhas no ar. Ando numa correria... numa correria...
Seguiu-a com a bagagem, querendo dizer que não se fosse assim. Tília abraçou-o rápida, desaparecendo no interior do ônibus. Quando voltaria? Quando? Se pudesse visitá-la, inserir-se em seu mundo. A impotência de tudo dando-lhe um aperto no peito. Esperar, era o que podia fazer.
Tília passou uma temporada sem vir. Ele começou a namorar uma colega de trabalho. Preparavam o casamento quando ela reapareceu. Foram juntos visitá-la. Tília bela e escorregadia. Se a namorada desconfiou do seu interesse, não se manifestou. Naquela noite, não conseguiu dormir - Tília, perto, parecia querer engoli-lo. Evitou a namorada no dia seguinte. Alguns meses depois, casou-se.
Precisava ir a São Paulo. Por muito tempo, a idéia martelou-o. Intermitentemente. Quando nasceu o filho, quase esqueceu-se dela. Agora, a convocação do chefe. Euforia diante da expectativa de ter um encontro com Tília. Mas, seria bem recebido? A decepção possível lançava sombras no meio do entusiasmo.
Deu um tempo ao chegar. Rodou pela cidade, que não via há vários anos. À noite, chamou Tília. Não a encontrou. Repetiu a chamada - ninguém. O sangue subiu à cabeça, aturdindo-o. Pensamentos desencontrados. Até que sua voz clara chegando-lhe ao ouvido:
- A que horas você está livre amanhã? Venha me ver.
No outro dia, a porta abriu-se para ele. Abraçou-a, seca a garganta. Tília, num gesto amplo, convidou-o a sentar-se.
- Me conta da mãe. Como vai o pessoal?
E, daí a pouco:
- Você quer dar uma volta? Tem uma pizzaria gostosinha a três quarteirões. Ou você prefere...?
Não deixou que terminasse. Tília a sua frente, ao alcance de suas mãos. Tília bela como sempre, diante dele. Deu um salto:
- Tilia, tu me disseste 'um dia'. E eu vim.
Apertou-a contra si, enquanto repetia o seu nome.
- Primo!
A palavra apunhalou-o. Apertou-a mais. Teve o impulso de abraçá-la cada vez mais forte, até que sua voz se calasse e ela ficasse inerte em seus braços. Mantê-la junto a si, sem defesa.
Um olhar de fera fulminou-o:
- Solte-me!
Falava com tanta autoridade que ele afrouxou o nó. Tília desvencilhou-se e abriu a porta:
- Por favor!
Saiu, caminhando meio tonto, a cabeça oca. Foi apenas no dia seguinte que a família em Pelotas recebeu a notícia de que fora atropelado por um caminhão.