pai herói
Embaixo da mesa era onde ele melhor ficava, acordava, a mãe lhe dava sua mamadeira, mingau de Maisena. Ele arrastava de bunda pra debaixo da mesa, o mundo dividido em quatro. De um lado os quartos, do outro a sala, uma parede a direita, e no fundo o quintal. Sua mãe o pegava no colo e colocava no batente da porta. Algo lhe acontecia, um medo, suas mãozinhas lhe puxava pra dentro, um suor gelado descia de sua testa. Se aproximava da mesa e lá se sentia relaxado. Lá fora acontecia as coisas do dia-a-dia. Seu irmão mais velho correndo pelo quintal, fazendo carrinho de sabugo de milho e lata de sardinha. Sua mãe estendendo roupa, o varal tomado de cobertores, de calças verdes balançando ao vento. No meio da tarde, o sol quente, torrando tudo. Os capins secos esfarinhando no meio do tempo. Quando vento soprava mais forte, grudava no pé da mesa, pegava com as duas mãos. Tinha medo de ser carregado, perdido.
- Vem pra cá, bebê, fica aqui com a mamãe...
-
Não respondia nada, apenas olhava sua mãe chamando, com um olhar bondoso em sua direção. Não confiava no quintal. Muita coisa acontecia la nos fundos, sem que ninguém desse conta. Tudo pra ele era intenso e forte. Seu irmão era muito corajoso de ficar no meio daquele mistério
Quando no colo, gritava, esperniava, mordia as mãos de raiva. Queria entrar, estar embaixo da mesa, só la se sentia seguro. A mãe de raiva batia em sua mão, chorava, queria morrer a ficar no meio do tempo, aberto, sem a proteção.
Um dia o irmão mais velho disse num momento de iluminação,.
- Mãe, porque você não coloca a mesa no quintal?
A mãe deu risada, tocou a cabeça do moleque com carinho, e assim ela fez. A noite quando o pai chegou, pediu a ajuda, precisava de dois, mesa pesada, madeira maciça, imbuia.
- Assim, agora tá bom!
- Você faz as vontades desse menino
- Eu preciso trabalhar, lavar roupa e cuidar da casa.
- Deixa embaixo da mesa mesmo. Se ele quer ficar
- Vai crescer preso, sem ver nada aqui fora?
- Dá umas palmadas!
- Não vou bater nele
No dia seguinte, acordou, veio arrastando do quarto até a sala. E no meio da cozinha viu o toda área vazia. Se sentiu nu, abandonado, não tinha lugar pra se esconder. Apontou o dedinho pro meio da cozinha e não vinha palavra que traduzisse o que estava acontecendo. Chorou alto e forte, desesperado, desamparado. A mãe veio, segurou sua mão e apontou pro quintal.
- Ali...
- Ali? –
- Ali...
Arrastou, desceu o batente entrou embaixo da mesa, que agora estava no quintal. Muita roupa estava sendo lavada e agora via como sua mãe estava feliz de trabalhar enquanto olhava pra ele. Seu irmão adiante, tomava água no pote, e ria pra imagem que se fazia no fundo.
- Fecha esse ponte, Moleque!
Depois de alguns meses o pai serrou uma das pernas da mesa. De novo ele teve um susto. Mas aos poucos foi se acostumando. O mundo já não era quadrado. Com tudo isso, o medo dele não cedia, porque apesar de ter menos lados, cabia mais coisas em cada lado. Tremia só de imaginar a imensidão do céu e o perigo que as pessoas do lado de fora estava. Ele fazia birra, chorava, gritava.
De tanto ver aquilo o pai estava fadigado, raivoso, perdeu a paciência e arrancou a mesa do lugar e deixou o menino embaixo do céu, longe da mãe, sozinho, seus olhos se aprofundaram de medo e começou a paralisar, seus braços foram endurecendo, não se percebia sua respiração, pernas e braços, todo o corpo enfim ganhou a aparência de pedra, na verdade, pedra. Apenas os olhos se mexiam fazendo círculos como se vasculhasse as voltas do mundo. O pai riu contente, chamou a mãe que estava na ocupação da cozinha e disse “ele se acalmou, olha como está quietinho”. A mãe feliz e agradecida deu um abraço pai, que agora respirava mais aliviado.