Natal tropical
O relógio da praça onde nunca era silêncio apontava para as oito horas. O sol finalmente começava a se esconder no horizonte da cidade, ainda clareando aquela noite natalina de verão tropical. Ao invés de neve, tapetes de espuma branca cobriam o teto das barracas da movimentada feira de artesanato. Luminárias de plástico imitando magicamente gotas congeladas pendiam das árvores. Luzes amarelas circulavam as palmeiras ao lado de um grande trenó cenográfico onde as famílias se enfileiravam para tirar fotos. Mães entrecruzavam a praça de uma loja para outra se desviando umas das outras com os braços ornados de sacolas abarrotadas, apressando seus pequeninos que mal podiam alcançá-las, ora pelos passinhos limitados ora porque eles se detinham para admirar toda aquela euforia de sons, luzes e cores.
Perto do parquinho, dezenas de crianças saltitantes se aglomeravam diante de uma réplica enorme de boneco de neve, e aguardavam exaltadas o momento em que sairia da cartola uma chuva de sabão e pudessem brincar ao mais próximo do que seria nevar.
Não longe dali, entre argentinos hippies vendendo badulaques e esculturas de madeira, um grupo de recém-chegados do Haiti vendiam perfumes trazidos do Paraguai em camelôs improvisados. As haitianas, com seus rostos arredondados e brilhantes olhos amendoados pensavam cabisbaixas nos filhos que ficaram para trás e que sonhavam um dia poder trazê-los também. Os homens haitianos, com suas roupas coloridas e gesticulando com seus colares e pulseiras, tagarelavam entre si com seu dialeto crioulo, e nem quem por ali passasse e soubesse falar francês entenderia a conversa.
No coreto da praça, uma banda tocava baião, e alguns universitários moçambicanos, com seus rostos alongados e grandes olhos, dançavam descontraidamente o ritmo novo para eles. E era assim que essa imigrante negritude africana e caribenha há muito perdida por aqui, já diluída e abrasileirada por séculos, africanizava o Brasil novamente.
Uma família de índios, os mais antigos habitantes destas bandas, que já por aqui passavam, bem antes da praça e de toda a cidade entrepor suas andanças, parou diante do coreto, descansando seus balaios no chão. Os curumins descalços bebiam uma latinha de refrigerante e dividiam um pacote de batatas chips.
De repente, um sinete badalou em meio a todo aquele alvoroço, e a praça foi-se voltando para um único ponto, apontando para uma única pessoa. Agora, eram as crianças que puxavam as mães. E vestindo um casaco vermelho e carregando uma grande sacola de balas, chegava ao meio da praça a presença mais esperada. O velhinho tocou o sinete mais uma vez e logo estava cercado de crianças de todas as idades e tamanhos. Algumas perguntavam se era ele de verdade. Uma mulher vestida com roupas coloridas e um chapéu pontudo acompanhava o Papai Noel e o ajudava a distribuir as balas para as crianças.
Um menino, neto do dono do restaurante árabe do outro lado da rua, olhava para aquele Papai Noel de pele rosada e de casaco vermelho felpudo, e já esperava que o avô libanês lhe narrasse mais uma vez sobre o quanto o Papai Noel deveria aparecer de pele morena, nariz turco e longas vestes bizantinas. No entanto, o avô observou a praça apinhada de toda gente, de caboclos, africanos, caribenhos, índios, se abrasileirando cada qual em seu dialeto, tendo que aprender a construir uma civilização mestiça no mesmo espaço, em meio àquela neve de espuma, em meio à noite de verão, que resolveu reverenciar o mundo inteiro aportado naquela praça. E, aceitando duas balas de morango do bom velhinho, deu-as ao neto e lhe desejou finalmente um sincero feliz Natal.