UM HOMEM MADURO CHOROU

A vida tem o estranho hábito de encurralar pessoas, mas o grande problema, é quando a vida, com seu sarcasmo, só pra sacanear e humilhar, tenta com empenho odisseíaco, roubar as esperanças que mantém o ser na luta, e faz isto o tempo todo. A vida tem o tempo como aliado, já o ser, tem somente a esperança que carrega. Afinal, ser é uma pequena porção do que se acredita. Carlos sabia disto, conhecido na quebrada como Concha, em seus dezesste anos de vida vivera mais desgraças do que graças. Rosto marrudo e fala agressiva, mas insistia em arrancar da vida algum tipo de felicidade, era claro quando ria. Tinha tantas perguntas sem respostas quanto um cientista em busca de cura para uma doença incurável, mas como o cientista, não desistia de suas angústias, isto era tão admirável que de alguma maneira inconsciente despertava respeito dos outros. Contudo, ele estava naquele momento em que se é posto no limite da vida. Para uns, estes momentos são ruins, para outros, é um momento de catarse. E é justamente no limite da vida que o ser-humano, ou liberta o animal que existe nele ou o filósofo, mas não de forma simples. Toda dualidade põe o ser diante de conflitos imensuráveis. Nenhuma escolha é tão desenhada como uma bifurcação. Elas são compostas de encruzilhadas cheias de vielas, oras escuras oras iluminadas, cheias de escadãos estreitos, oras curtos oras longos. E, atalhos, oras sedutores oras deseperadores. Concha sabia disso e buscava os por quês. Mas, e quando se chega o ponto em que acreditar não é o suficiente, o que fazer?

O coração de Concha estava apertado pela dor, em verdade, sempre doeu... Mesmo na larga felicidade da inocência doía. Mas quando a inocência se vai e a consciência se faz presente a dor ganha magnitude. Mas a dor, agora, vinha dos anos (ironicamente aos dezessete anos) de luta por algo que parece estar cada vez mais distante. "Por que quanto mais se próxima do futuro desejado mais o futuro corre?" Seus pensamentos eram sua prisão. "Por que se tem que chegar a condição mais humilhante do ser para que a sorte bate à porta?" Seus pensamentos eram seu momento de liberdade. Foram anos encapando o coração com arame para a vida não o machucasse, foram anos para blinda-lo dos sentimentos enganosos, desse sistema de amor falido em que só se pode abrir mão do que se ama, criação desse sistema econômico falido em que somente temos o sonho. Mas a vida com sua artimanha aperta cada vez mais esse arame sobre o coração e de proteção se torna armadilha. O coração do jovem Concha chora e suas lagrimas enferrujam o arame que corrói-o. E, aos dezessete anos, o arame envelhecido, tem o peso de setenta e um, e o tempo, acostumado a ser cruel com quem tem esperança, cria farpas no arame que sangram o coração. Pois a dor que sente na pele se sente no agora, a ferrugem que corrói o coração e as farpas que o fazem sangrar o machucam no já. Mas ele jura a si mesmo, como uma oração diária, "darei a volta custe o que custar"

O já! Era o que interessava, o já! O mesmo já que a cada dia matara seus sonhos, um a um, devorando-os. O mesmo já que sequestrara sua esperança, aprisionando-a. O mesmo já que enchera o sistema de grades encarcerando seu corpo para domestica-lo. O mesmo já que o expulsara da sociedade por seus sonhos serem maiores que o sistema. O mesmo já que naturalizara a lei da violência como solução para uma miséria distributiva social. Mas o já, irmão imaturo do tempo, não era tão astuto em seus conluios com a vida. E foi no vacilo do já que o jovem Concha, inconsciente da brecha que a vida dera, plantou no coração de um homem feito a esperança dele roubada ao dizer com um sorriso daqueles marrudos no rosto e com os dedos apontados como arma: "Professor pode páh! Eu vou ler pra Caralho!!!" E um homem maduro chorou por acreditar no futuro.

Ley Gomes
Enviado por Ley Gomes em 01/12/2017
Reeditado em 03/12/2017
Código do texto: T6187572
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