retrato de família
Retrato de família
Toda hora meu pai saia na porta da rua. A frente da casa encharcada da chuva...sujava os pés e sujava toda a sala.
- Calma, pai. O que tanto o senhor espera?
- Com essa chuva, nem sei se a estrada está boa...
Vovó labutando na cozinha, cantarolando e falando mal dos meninos . Só via o barulho de seu chinelo arrastando pelo chão . O cheiro bom de café pela casa. Quando percebeu a sala pisada de lama:
- Esses diabos não deixa a casa limpa.
- Para de reclamar, vovó.
- Vai logo lavar as mãos, o café tá quase pronto.
- Já vou, vem Jan, chama Miraldo também , pai...vem comer
- E lava direito as mão, tropa de porco.
- Pai, o café tá pronto!
- O que ele está fazendo? – perguntou a vovó com as palavras na ponta da língua.
- Só olhando a porta da rua.
- Sem que fazer!
Sentamos todos à mesa. Só minha Vó que reclamava da roupa que ainda tinha que lavar. Que Jamile deveria ajudar. Já que estava moça e que eu parasse de jogar terra dentro de casa, que nossa casa não tinha empregada. Ninguém mais suportava sua conversa. E vez ou outra chingava minha mãe, que não aguentou mais meu pai e se mandou pra outra cidade. “ Como pode largar os filhos assim? ”. Meu pai que se sentia mal com essa conversa baixava a cabeça. A gente nem sabia como se portar nessas horas: “Já deve ter outro!.” Minha Vó não poupava ninguém com suas conversas.
- Pai, depois do café posso ir no rio? – Perguntou Jamile com um ar inocente.
- Mentira pai, ela quer encontrar com o filho de seu Chico..
- Não falei que hoje temos visitas. Quem? encontrar com quem?
- O filho de seu Chico...
- Quero saber disso depois...
- É mentira, pai. Esse besta tá inventando. Vejo ele às vezes só pra fazer o dever de casa...
- Deve ser besteira de menina...
- Obrigado, vovó, por me defender.
- Eu cuido disso, mãe...
- Mas me diga pai, quem é?
- Quem é o que?
- Que vem aqui em casa...
- Não mude de assunto... depois quero conversar com você...
- Fuxiquento...
- Chega! Cala a boca! O pai levantou a voz.
A gente ficou com medo. Quando ele ficava bravo de verdade todo mundo fechava a matraca...
- Só pode ser bobagem...
- Fica quieta, mãe! ...assunto encerrado por enquanto...
- Malcriado...
- Porque não conta logo... o que é pai? Perguntou Jamile que não aguentava mais de curiosidade.
Vovó levantou foi até a cozinha pegar as broas que havia esquecido. Demorou um tanto e de lá de dentro gritou Miraldo.
- Miiro, traz o bule o ai, meu fi, pra colocar mais café...
- Quer leite, Timoteo?
- Não mãe, vem terminar de comer...já tá todo mundo satisfeito...daqui a pouco o homem chega...
Mesmo assim ela trouxe, mais pão e a broa de milho. Ela mesma fazia questão de cedo e ir à padaria, andava todos os dias pra sarar as varizes...
- Oh, de casa!
- Pai tem alguém chamando...
- Não sou surdo, vai lá ver quem é!
Mastiguei bem rápido e corri pra sala. De lá, gritei...
- Pai, É seu Zazá...
- É ele, é ele mesmo que estou esperando. Vamos todo mundo lá pra fora...
- Quem é esse Zazá, Timóteo
- É só ir na sala e ver, mãe.
- Oh, gente sem educação..
- Vem, Vovó!
- Não quero nada não...
- Quem manda ser desse jeito...
Fazia tempo que não via meu pai disposto. Levantou da mesa igual criança quando quer logo brincar...
- Vamos, vovó!
- Eu não quero saber desse futuqueiro...
- Vem, mãe, vem logo. Já vai seu Zazá. Dá só um tempinho...
- Mal educado!
- Vai no quarto todo mundo e coloca a melhor roupa... e penteia o cabelo...
- Que roupa? Você não compra nada para os meninos.
- Larga de reclamar, mãe, põe também uma roupa limpa.
- Não quero ver nada, tenho que lavar os pratos...
- É um retratista. Vamos tirar um retrato...
- Jura, pai. Oba !
- Quem quer saber de retrato...
- Anda logo, mãe!
Todos nós entramos no quarto, cada um se esforçando pra ficar mais bonito. Minha vó no quarto dela, sentou na penteadeira e se olhava assustada como se já antecipasse sua foto, assustada em se perceber. Saiu arrumadinha em direção a sala. Até perfume passou. Foi apresentada para o fotógrafo que a reconheceu de quando criança. Ficou mais à vontade, porque descobriu que o rapaz era filho da terra, Filho de Carlos da Quintanda. Mesmo assim não prestava atenção em outra coisa, só na máquina de tirar retrato que estava pendurado no pescoço de seu Zazá...
- Se o dia estivesse mais claro... – meu pai pensou alto com medo da foto sair escura
- Está bom, tá bom assim, essa máquina controla tudo seu Timóteo...
- Vem, Vó! Encosta aqui
- Vem, mãe! Pega ela pelo braço, Jamile...
- Pra quê, isso? Deixa que vou. Não sou aleijada...
- Então, onde todos ficamos...
- É melhor ali, perto da cerca, embaixo daquela árvore..
- Pra quê esse negócio de retrato. Não serve pra nada...
- Pra guardar, Vó...guardar a gente quando novo...
- Eu não estou mais nova...
- Guarda velho também né seu Zazá...
Meu pai riu, feliz com sua piada, e minha Vó, com o canto da boca mostrou se divertir...
Jamile , acompanhou minha vó capengando, já estava bem velhinha. Olhos assustados. Meu pai fez uma cara séria, também querendo ficar bonito. Xingou Miraldo por estar fazendo graça. Mandou fechar a cara.
- Se ajeita aqui, Vovó..
Então Seu Zazá bateu a foto.
O retrato só foi entregue depois de uma semana. Enquanto isso, Miraldo não parava de imitar seu Zazá. Furou um lata de sardinha no meio e amarrou um cordão de sapato. Chamava a gente pra tirar foto. Fazia direitinho, do jeito do homem. Parecia de verdade, dizendo que quando crescer ia ser retratista. Minha Vó caia na gargalhada. Até fez uma pose pra miraldo, fazendo todo mundo achar graça.
Ele trouxe duas cópias, uma ampliada ficou na parede sala. A gente sentava no sofá só pra ficar se olhando. Não dava pra enjoar, já que um detalhe aparecia como mágica de uma hora pra outra. Vóvó só descascava o chuchu olhando pra parede e falando que a gente saiu com cara de besta.
A outra cópia meu pai enviou pelo correio pra minha mãe, mas minha vó ficou com raiva, porque queria colocar no quarto dela...