OS OLHOS DE SARA

Os olhos de Sara eram lindos! Eram verdes e grandes. Pareciam duas pedras brilhantes. Mas não eram confiáveis.

Seus pais haviam morrido em um acidente, no mesmo acidente em que ela perdera a fala. E muito mal gesticulava sinais que se fazia entender. Os médicos disseram que fora o trauma. Então, Sara foi levada para uma casa de crianças órfãs. E ficaria lá durante a primeira infância, à espera de ser adotada.

Ela tinha dez anos. Seus cabelos eram negros e tão compridos que lhe cobria a anca. Mas ela vagueava pela casa, com os cabelos emaranhados, assustada como se fosse um fantasma. Já havia passado por vários especialistas e todos foram unânimes: Sara além de muda era altista. E apesar de ser uma criança de traços agradáveis, a assistente social tinha dificuldade para achar pais adotivos para ela; pois, para todos, ela era uma criança problemática.

Andava pelos cantos, muda e às vezes surda. Pois, por mais que a chamassem, nem sempre respondia.

"Tem certeza de que essa menina também não é surda?" — perguntavam os pretendentes a pais adotivos à assistente. Quando, inutilmente, a chamavam para que os conhecessem.

"Eu tenho minhas dúvidas" — respondia a assistente inconformada por nunca conseguir um lar para Sara.

As voluntárias, que cuidavam das crianças, quando por ventura a chamavam: uma, duas, três vezes, também já tinham reparado naquele olhar parado, assustado, que ela lançava. Ou olhava para o vazio e lá fazia morada. Às vezes, ela até sorria sozinha, gargalhava. E quando a perguntavam de que tanto ria, ela gesticulava dizendo que não era nada.

Mas a mente de Sara estava confusa, ela não entendia porque só ela via o que via: as sombras bruxuleando, os pequenos enfeites que criavam vida, os talheres que cresciam pernas e as flores que cantavam e sorriam para ela. Até as paredes pareciam sair do lugar; ás vezes, Sara andava se segurando, pois não confiava onde pisava: o chão e o teto não eram firmes, balançavam, deixando-a tonta. Até as fechaduras das portas pareciam falar; só que ela não as entendia. As maçanetas giravam sozinhas, abrindo portas. Tinha horas que ela ria e em outras, ela chorava; Sara vivia assustada. Mas ninguém sabia o que se passava dentro da cabecinha dela. Tudo o que eles sabiam era que ela era altista e vivia em um mundo particular, só dela.

Mas, antes do acidente, Sara fora uma criança normal; até que, um dia, viu um anjo. Ou era um demônio? Ela não sabia. Só sabia que, o tal ‘mensageiro’ veio para lhe mostrar o que iria acontecer com sua família. E ela tentou de tudo para fazer seus pais desistirem da viagem. Pediu, implorou para que eles ficassem, porque algo de muito ruim aconteceria. Mas, nem um dos dois quis ouvi-la. Então o destino para ambos foi a morte. E Sara viu seus pais morrerem, duas vezes... Era para qualquer um enlouquecer.

Depois do acidente Sara se fechou por completo, como uma concha. E nunca mais disse uma palavra. Porque as pessoas não acreditavam nela e nem em que os seus olhos podiam ver; Eles não viam mais as cores, a alegria ou a beleza; só viam tristezas, as dores e a escuridão escondida dentro dos peitos das pessoas; eles viam seus verdadeiros sentimentos por trás dos falsos sorrisos. Viam suas verdadeiras intenções por trás das boas ações. Viam suas almas, muitas vezes negras, por trás de seus meigos olhares. E por fim, eles viam o futuro: o dia e a hora da morte de cada um; principalmente, de quem ela amava.

Às vezes, além de surda e muda, Sara também queria ser cega...

Os olhos de Sara eram lindos, mas não eram divinos, eram amaldiçoados.

Jussara Pires
Enviado por Jussara Pires em 28/11/2017
Reeditado em 28/11/2017
Código do texto: T6184047
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