O CÃO DENTRO DA GARRAFA

Tente se lembrar da primeira vez que foi mordido por um cão.

O cão late e eu corro. Corro com duas sacolas de pão as 6 da manha. Mortadela dentro da sacola, uma caixinha de suco de laranja. A calça sem cinto arriando e o bafo do cão cada vez mais próximo do meu rabo.

- Sebastião! Volte já !

Ouço a voz de gralha gritando, se distanciando a medida que corro e o cão corre. Corro, corro e corro. Os pulmões cheios de alcatrão dos cigarros.

Eles queimam.

- Aqui ! Entra aqui , porra !Grita e aponta o sujeito numa casa a 20 metros de mim. Com o portão aberto, escancarado, ele aponta e grita : entra aqui, caralho!

avanço num último folego milagroso garagem a dentro, as veias saltando na testa, o suor escorrendo até os olhos, o portão bate atrás de mim quando esborracho no chão depois de tropeçar num punhado de chaves e peças de carro espalhadas pelo piso.

- Sai pra lá cria do demônio!

Esbraveja o homem fazendo caras e bocas para o cão no outro lado das grades do seu portão.

- Esse cão é um assassino

Falei. Os pães esmagados debaixo da minha barriga. Por sorte o suco saíra da sacola e estava no meio das peças de carro.

- O filho da puta me deu isso..

Diz o sujeito , me mostrando uma bela mordida já cicatrizada na panturrilha esquerda.

- Agora , sem mais delongas, temos trabalho a fazer.

Fala, passando por cima das peças de carro e entrando na casa. Recolho minhas coisas e sem perguntar nada vou atrás. As mãos sujas de graxa, a barriga suja de graxa e óleo do chão encardido da garagem.

Dentro da casa um contraste com a garagem. Tudo organizado e limpo. Passamos pela cozinha com cheiro de café fresco e a sala repleta de livros sobre a mesinha central. No corredor a caminho dos fundos quadros de mulheres nuas, gordas , magras , ruivas , brancas e negras. Vesgas e carecas. Tinha para todos os gostos. Algumas comiam uma maça enquanto outras devoravam ferozmente pedaços de pizza , ou apenas estavam ali fazendo pose para o pintor.

-Deixe as coisas ali

Apontou para a cadeira de balanço virada para o quintal onde uma piscina coberta por lona laranja tomava grande parte. O resto eram flores, um bebedouro com água constante jorrando da boca de um anjo com chifres de bode coberto por musgos. Ele vestido de bermuda jeans e camisa social branca abotoada até o pescoço. Enfiou a mão numa touceira de erva cidreira e puxou uma garrafa de vidro com um liquido vermelho.

- Toma, beba.

Me passou a garrafa.

- O que é isso ?

– É o que temos de descobrir. Essas garrafas vêm brotando dessa touceira de capim cidreira a um tempo. Você toma e tem sabor de vinho. Para mim da dor de cabeça como vinho. Te embriaga como se fosse vinho. Mas de onde essas garrafas vem eu não posso dizer. Acredito que seja durante a noite, algum espertinho vem deixando isso aqui sempre que a garrafa acaba.

Tirei a rolha, senti o perfume. Vinho.

- E se eu bebo e morro bem aqui?

Falo, já com a garrafa na direção dos meus lábios.

- Provavelmente te enterraria de baixo da touceira de capim cidreira.

Tomei um bom trago. Não senti medo. Me sentiria idiota se aquilo fosse mijo com groselha. Mas medo não senti. Deixei o liquido dançar nas minhas bochechas antes de faze lo descer. Os pássaros que cantavam no jardim pararam durante o processo. Era como se soubessem de algo que desconheço.

- E ai? Oque achou ?

Tomei outro gole , agora mais longo.

- Não é ruim . Quem quer que seja que vem deixando isso no seu jardim poderia deixar lá em casa também.

- Ok . Essa noite nos vamos pegar o safado e descobrir onde ele arranja isso. Ele vai ter que nos dizer!

Concordei com aquilo. Tomamos metade da garrafa antes de eu voltar para casa, deixando tudo combinado para que eu retornasse as 20 horas para a vigília.

Voltei para casa sem saber o nome da figura. O cão das trevas fora controlado pela sua dona, e pude sentir seus olhos me seguindo la de cima do morro quando sai pelo portão da casa; era uma promessa, o maldito ainda iria me pegar. Ah... mas eu não facilitaria. Estaria sempre prevenido todas as vezes que precisasse subir aquela ladeira. Uma pedra que fosse, la estaria eu para revidar.

- Por onde foi que o senhor andou?eu aqui morrendo de fome e você que não aparecia com esse pão!

Não eram 09 da manha e Estella já estava pirada na canabis e no café preto. Depois que seu marido lhe deu um pé na bunda passa a maior parte do tempo em casa. Consumindo a comida e as bebidas com a promessa de pagar tudo logo que vender o carro.

- E o que aconteceu com sua roupa? Esta todo sujo de graxa.

Contei a história para ela. Porém não prestou muita atenção . Estava concentrada no pão e no café preto.

- E como se chama o cara que te salvou?

- Não faço a menor ideia.

- Mas falou que é seu vizinho!

- Não conheço meu vizinho de muro. Quem diria o que mora no outro quarteirão.

Era quarta feira. Me troquei e fui trabalhar. Estella ficou na sala aproveitando da moradia. O dia no escritório correu normal. Atendi algumas ligações, me chamaram atenção por distração e recebi aqueles dois tapinhas nas costas do chefe. Quando deu 16 horas o alarme de incêndio disparou, todos tivemos de evacuar o prédio. Isso acontecia pelo menos uma vez na semana. O sistema de alarme entrava em pane e não dava pra saber se era mesmo fogo ou apenas uma falha. Antes de sair todos fechavam suas abas nos computadores, alguns iam até o bebedouro encher um copo da água ou até usavam os elevadores para descer. Íamos todos na confiança de que não passava de uma falha no sistema. Se fosse mesmo fogo seria um belo churrasco.

No caminho para casa passei no mercado. De certo minha hospede estaria com fome. E claro , eu também, visto que não comia nada a quase dois dias por conta de uma dieta extrema próxima de se encerrar. Vez por outra me vejo caindo na ilusão de voltar a ter o peso de alguns anos. Não que agora eu esteja gordo, pode se dizer que antes era excessivamente magro. Não percebia isso na época. E com o passar do tempo o metabolismo vai diminuindo e a alimentação piorando. Pratos mais fundos e colheres maiores. É como tentar sair de um buraco cavando mais e mais ...

- Hey ,Oliver , o Raul te ligou.

Foi a primeira coisa que Estella gritou logo abri o portão para entrar com o carro. Mas que Raul ?

- Seu vizinho. Aquele que você não sabe o nome. Bom , agora sabe. Me agradeça depois. E ai , o que trouxe para a janta?

Perguntou ela.

Coloquei a sacola na mesa.

- O que ele queria?

- Falou pra você ir até a casa dele logo que chegasse. Disse que tinha capturado o bandidinho. No que os dois estão envolvidos?

Ela abriu a sacola e viu carne moída e molho de tomate. Tinha massa para pastel e queijo.

- Droga Oliver. Quem vai cozinhar isso?

A casa estava poluída de marola e fumaça de cigarro.

- Não é nenhum bicho de 7 cabeças. Só coloca a carne na panela , refogue e coma com pão . To de saída. Vou na casa do ...do...

- Raul. Ele se chama Raul.

- Isso ai.

- Oliver , não vá me aprontar nada. Esteja em casa antes das 22.

- Ok mama...

-Esta preparado?- perguntou Raul, segurando uma caixa de fósforos- esta preparado para o que vai ver?

Ele segurava a caixa com as duas mãos na altura do peito. Disse que se ela saísse ( não havia me dito nada mais que isso , apenas que se tratava ''dela'' ) eu precisaria ser rápido.

- Você é rápido com as mãos? me parece um pouco lento. Quão rápido pode ser?

- Abra logo essa porcaria. O que tem ai dentro? uma cigarra?

Estávamos na cozinha. Sobre a geladeira uma galinha de porcelana do tempo da vovó onde se guarda ovos. Sobre a mesa um jarro de vidro com um liquido preto e fedido. A luz do fim da tarde coloria os pisos e azulejos brancos.

- Vou abrir. Mas preciso saber se é rápido, se da conta.

- Legal cara. Sou veloz. Na escola era o cara no ''pega pega''. Sempre que começava a chover eu apanhava a primeira gota de chuva no patio com a língua. Hoje corro de cães raivosos como o vento. Você mesmo provou isso. Mas se tiver um beija flor dentro dessa caixa sinto muito, não sou mais rápido que ele.

Raul cerrou os olhos para me encarar. Seus olhos com pupilas dilatadas, enormes pupilas de um louco.

- Pegue a peneira.

- Peneira?

- Segunda porta do armário. Pegue a peneira e fique esperto.

Abri a porta do armário. Em meio a panelas encontrei uma peneira de cozinha. A levantei exibindo o achado.

-Achei !

-Agora, meu caro. Lhe garanto que vai parecer estranho . Porem seria mais estranho aceitar a realidade sem uma boa lente que te faz enxergar claramente quão louco esse mundo é .

Com a ponta do queixo apontou para a jarra sobre a mesa.

- Beba isso.

- E porque eu beberia?

- Porque só consegui capturar a pilantra depois que bebi esse chá. Acredito que antes de tomar o chá ela conseguia se esconder nos meus pontos cegos. Agora posso ver tudo . POSSO VER A DROGA TODA ACONTECENDO !

Dei um passo para trás, assustado esbarrando na mesa fazendo um pouco do líquido preto e viscoso pular para fora do jarro.

- Cara ! Não derrube a realidade no chão!

Cai sentado de bunda com peneirinha nas mãos. Aquilo era ridículo. E por mais que sempre me metesse nesse tipo de coisa sempre conseguia ficar surpreso com o que acontecia.

Todos os foras, os pé na bunda, os tropeções e as pedras no caminho... mesmo depois de tantos tombos a dor nunca era menor ou inexpressiva. Então depois de numa fração de segundos essas questões passarem pela minha cabeça, me levantei e emboquei o gargalo da jarra bebendo dois bons tragos da bebida. O sabor era de merda cozida na urina.

- O sabor é ruim mesmo.

- O que tem dentro disso?

A visão embaçou. Os pássaros do jardim cantavam dentro da minha cabeça e o som era insuportavelmente alto.

- Relaxa. No começo é uma luta cafajeste entre os dois mundos. As duas realidades se colidem e uma tremenda explosão acontece bem dentro da sua cachola.

Minhas mãos e pés gelaram como numa primeira baforada de lança perfume. Os ouvidos se encheram de algodão molhado. Os dentes, sensação horrível de que dançavam como cortinas ao vento dentro da boca a cada tentativa de puxar ar para os pulmões.

- Chami umambulancia... totendounataque...

- Tente respirar pelo nariz. Respirações regulares. Não feche os olhos. Deixe-os abertos. Não tente se levantar. Relaxe.

As dicas chegaram até mim num som abafado. Como se ele falasse debaixo da água. Parei de lutar. Se aquele fosse meu fim, que assim fosse. Fixei a atenção na lâmpada apagada no teto da cozinha. As vezes ela se multiplicava ou se transformava num balão, estrela , uma aranha … apesar de tudo, não senti medo. Só desconforto e ansiedade pelo '' a seguir '' . Aos poucos fui tomando controle do meu corpo. Recuperei o controle da respiração e os olhos já não me enganavam tanto quanto antes. Apoiei na caideira na hora de levantar. Os braços não seguiram perfeitamente as ordens que eu lhes dava, falseando por duas vezes me devolvendo de bunda para o chão.

Não sei quando foi, como ou quem me ajudou, mas la estávamos Raul e eu na garagem, ele me mostrava como limpar a agulha de um carburador duplo. Um cigarro de maconha rolava . Ele mergulhava a agulha num copo com gasolina, depois colocava a boca numa ponta e assoprava.

- Você vê isso ? Esse é o segredo. Se fizer isso seu motor vai soltar labareda pelo escapamento.

Depois me contou quando viu sua tia degolar uma galinha.

- Ela só passou a faca no pescoço da penosa, que saiu correndo com o pescoço pendurado por um fio de carne e esguichando sangue para todos os lados. O tipo de coisa que toda criança deveria presenciar. Isso nos prepara para a vida adulta.

A noite fresca enchia nossas almas com uma tremenda vontade de cair na estrada. Sugeri de pegarmos meu carro e dirigir até a divisa do estado.

- … depois alugamos um quarto e …

- Cara ! Podemos fazer isso . Alugar um quarto e adotar um gato de rua. Só para termos um foco na vida.

- E como isso nos daria um foco? - perguntei.

- Teríamos de alimentar. Vacinar.

- Entendi. Isso exigiria certa responsabilidade que não temos ou não costumamos demonstrar com nos mesmos...

O plano parecia perfeito naquele momento. Porem teríamos de ir até minha casa. O problema, falei para meu comparsa, o problema era que tinha uma intrusa na minha casa que se achava minha mãe. Se eu aparecesse por la para pegar as chaves do carro era bem provável dela dar queixa na policia alegando estupro, que eu a estava mantendo sobre carcere lhe forçando a fumar maconha o dia todo.

- Meu deus homem ! Se te prendem com uma acusação dessas escrevem '' estuprador '' com gilete na sua testa.

- Exato. Por isso, devemos ficar por aqui mesmo.

- Então o que faremos?

- Eu conheço um pessoal. Eles jogam cartas. Só apostam baixo. É divertido. E de vez em quanto contratam strippers. Elas dançam pra você e te deixam tomar tequila entre seus seios. Mas é isso . Se quiser algo mais tem de pagar, porque sempre deixam um negrão de dois metros na porta tomando conta das garotas. Se ele te acerta engole seus próprios dentes.

A imagem de um assassinato desencorajou Raul de seguir a diante. Não sei porque , mas queríamos dar o fora dali. Tínhamos posto essa ideia na cabeça. Parecia a coisa certa a fazer.

- Tive uma ideia. Parece idiota. E provavelmente vai ser idiota. Mas vamos na casa do Sebastião. Precisamos esclarecer algumas coisas.

- Sebastião? - Questionei.

- O maldito cão assassino!

E porque iriamos até a casa dele?

Segundo Raul, porque a gente não tinha nada melhor para fazer. Ele só queria chegar lá, causar uma desordem. Eu senti que ele queria adrenalina. Queria correr, ser mordido, escorregar e cair de bunda numa cama de pregos. Então porque não ir ao jogo de cartas? Não tentei entender. Eu topei. Não porque queria adrenalina, mas sim para ver até onde aquilo daria. A gente se sente muito idiota quando está numa roda jogando papo fora e todos tem histórias interessantes para contar, e tudo que fazemos é rir até mesmo das piadas sem graça.

Subimos a pequena colina, as estrelas desabrochavam no céu. A lua enorme. O Grande Olho Noturno. Levamos a garrafa junto. Digo , misturamos o vinho , ou o suposto vinho , com a bebida pesada do jarro. Escura e grossa. Naquele momento o rebote dos goles que dávamos nela já não eram insuportáveis. Criamos resistência ao coice. O sabor melhorou com a inclusão da bebida misteriosa. O suor escorria e empapava nossas camisetas.

- Cara, meu braço direito esta formigando. Acho que vou ter um ataque. Uma trombose!

- Relaxa. Já senti isso. Estamos bem, só precisa de outro gole

E Raul deu o primeiro trago, me passando a garrafa. E foi exatamente assim. O formigamento passou. Os Olhos lacrimejaram quando o estômago doeu de tal forma que pensei que me cagaria todo ali mesmo. Foi um reflexo das tripas abrindo espaço para a passagem do líquido em direção a bexiga, imaginei.

- Dia desses você tem de me passar a receita desse treco, Raul. É a melhor coisa que bebi desde a Morte Destilada.

Duas senhoras passaram por nos. Cabelos brancos e curtos. Vestidos floridos. Gordas, pálidas, cheirando a morte.

- Esses jovens, se drogando no meio da semana. Será que não sabem que isso mata?

Ouvi uma delas grasnar. No entanto, estavam entupidas de comprimidos. Precisavam de uma pírola para dormir, outra para acordar, uma para não mijarem nas calcinhas, mais outra para liberar o cú para cagar, uma para pressão arterial e vez ou outra uma lavagem estomacal para desintoxicar o corpo de tantos comprimidos. Tudo isso parte dos vícios que você adquire com a idade. Manias, o medo da morte. Asco pelos jovens que ainda podem trepar e quebrar um joelho ou comer fritura pela manha sem se preocupar. Mas eis que esses dias acabam . A vida cobra caro. As dores começam a aparecer, as costas doloridas, as veias entupidas nas pernas...

Já próximos da casa o tal cão começou a latir. Aposto que sentiu nosso cheiro. O desgraçado conheceu o sabor do sangue e gostou. Agora sua dona o alimenta com carne crua ou gatos vivos.

-Olha Só pra essa belezura!- diz Raul , abaixado com o rosto de frente para os dentes do cão – eu acho que seria ótimo uma fera dessas dentro de casa. Assim sempre que um pivete pulasse no meu quintal pegar uma pipa teriam uma surpresa de dentes os esperando...

Achei a ideia genial e lhe dei dois tapinhas nas costas. Depois sugeri roubar o cão.

- Vamos até minha casa. Tenho um saco de lona preto. Colocamos a fera la dentro e soltamos no seu quintal!

Tomei outro trago da garrafa.

Mas que ideia de merda, imagine só! Um cão dentro de um saco. O giro flex de uma viatura que dobrou a esquina chamou a atenção. As luzes vermelhas e azuis eram lindas. Rebateram dentro do meu crânio clareando as ideias.

- Hey, Raul, deixe o cão em paz e vamos descendo. É a polícia!

– Que se dane a polícia! Não estamos fazendo nada de errado.

- Pode até ser verdade. Mas por um minuto me pareceu que estamos completamente drogados.

- Ah.. Besteira! Pura besteira!

A viatura com dois homens passou nos encarando. Chegaram a diminuir o ''passo'' afim de nos medir dos pés a cabeça. Tentamos agir naturalmente. Conversando com o cachorro que latia desesperadamente enquanto Raul pedia para ele se acalmar. Ensaiei um sorriso para os policiais, que por sorte ignoraram, visto que foi o sorriso mais forçado do mundo, assustado e triste, exatamente como me sentia naquele momento.

Sentia que não tinha mais sentido. Tudo não tinha sentido nenhum. Eu acordava todas as manhas para gastar dinheiro indo para o trabalho, onde ganharia mais dinheiro e gastaria mais dinheiro comprando coisas que não são necessárias. Mas o ponteiro de combustível do meu carro sempre avisando de sua fome , e como iria abastece lo sem dinheiro? E como conseguir dinheiro sem trabalho? Sempre existe o roubo. O mais lucrativo sempre é a carne. Deveria abri uma igreja, juntar um monte de garotas desvairadas e oferecer purificação através do sexo para todos os tarados dispostos a pagar seu degrau a caminho do céu. Onde deitariam em camas ,onde lhe seriam entregues uvas na boca por mulheres nuas de tetas rosadas. Seria bastante lucrativo. Comprariam a ideia fácil. Pra todo lado que olho vejo homens machistas e mulheres que dão força ao movimento. Já chegou a hora de alguém lucrar milhões misturando os dois mercados mais lucrativos do mundo : o mercado do sexo e o mercado de Deus.

A viatura dobrou a primeira a esquerda e logo puxei meu comparsa para sairmos dali.

- Vamos sair fora cara. Esquece o cachorro.

Tomei outro trago da garrafa para afastar todos os sentimentos ruins. Funcionou.

- Me da aqui essa porra! Seu beberrão de merda. Tá tomando toda a bebida.

Lhe passei a garrafa.

Como tenho minhas próprias pernas e Raul não estava nem um pouco a fim de deixar o cão em paz, comecei a descer o morro de volta para casa. Estava difícil controlar a velocidade, me sentia uma bola jogada numa ladeira. Batia os pés no chão a cada passo, passos pesados de elefante, lentos e pisados. A noite realmente linda. E todo aquele veneno engarrafado correndo pelas veias. Tudo aquilo no sangue pirando meu sistema nervoso. Tudo aquilo me deixando mais sabiamente burro. E não pude deixar de pensar que teria de faltar no trabalho no dia seguinte. Não suportaria chegar lá de ressaca, fedendo a bebida estranha, receber olhares acusadores e julgadores da feminista do setor de RH que luta pelo empoderamento feminino ao mesmo tempo que aceita trocar a conta do jantar romântico por uma foda. Que a luta por igualdade num mundo extremamente machista e homofóbico não seja perdida por jantares e leis vantajosas a fim de compensar milhares de anos de desprezo.

Não suportaria sentar na minha mesa, olhar pela janela, a mesma de sempre e ver a rua suja

Os cães fuçando o lixo

O carteiro apressado

O sorriso da morena da loja de bolo

Ao abrir outra carta

Sem saber o nome do seu admirador secreto

E quando chego em casa e Estella está me esperando na sala, mal consigo respirar com a névoa de ganja. Ela bate no seu relógio de pulso que já não funciona a meses e diz : o senhor sabe que horas são? E olhe só para você. Oliver, está bêbado!

E mais um dia que termina.

22/11/2017

12:16M

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 23/11/2017
Código do texto: T6180102
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