O ATROPELADO

O que escrever quando não se sabe sobre o quê? Bem, na verdade, assunto é que não falta. Quando menos se espera, uma história brota. Basta ficar atento a alguma coisa inusitada, ou não, para despertar a vontade de teclar e deixar registrado um novo conto. Como por exemplo: Certa vez...

Eu estava indo buscar meu filho no colégio, quando, de repente, um jovem rapaz caiu no meio da avenida. E junto com ele, uma bicicleta cheia de sacolas. Um carro por pouco não o pegou. Mas algumas de suas sacolas foram esmagadas e outras arrastadas. O motorista até tentou parar, mas, rapidamente, uma turma furiosa se formou e ele arrastou os pneus e foi embora.

O ciclista ficou meio atordoado. Mas não houve nada grave com ele, além de algumas escoriações. Porém, assim que o levantaram do chão, ele começou a gritar:

"Cadê meu bebê? Cadê meu bebê?"

As pessoas, que o cercavam, ficaram perplexas. Nenhum bebê fora visto durante o acidente. Mas, mesmo assim, procuraram por todos os lados. Porém, o suposto bebê, não foi encontrado. Contudo, um dos pedestres disse ter visto tudo:

"Eu vi... Pobrezinho! Foi arrastado pela roda traseira do carro..."

O ciclista ficou desolado. Jogou-se no chão aos prantos. Dizendo que, sem o seu bebê, ele preferia morrer. Não demorou para começar um tumulto. Foi uma confusão danada. Um corre-corre dos diabos. Não sei de onde surgiram tantos pneus e cadeiras quebradas, que formaram uma barricada e pararam o trânsito.

Buzinas nervosas, motoristas irritados e protestantes irados. Homens, mulheres e crianças agitavam panelas, vassouras, pedaços de panos... E atearam fogo na barricada. Enquanto isso, o ciclista continuava lá; deitado no meio da rua, chorando e delirando:

"Meu bebê... Meu bebê..."

Sirenes soaram. Três carros da polícia chegaram para apaziguar os ânimos. Mas não demorou muito e já havia: dois detidos no camburão, três algemados no chão, mulheres e crianças sufocadas com bombas de fumaça.

O fogo da barricada foi contido e a pista liberada. Mas os motoristas, enfurecidos, passavam dizendo injúrias a quem já não podia dizer mais nada.

Por fim, chegou a ambulância para socorrer o causador de todo aquele balburdio. Não faltaram mãos para ajudá-lo. Todos muito preocupados. Juntaram os restos das sacolas ao seu lado. Era o mínimo que podiam fazer. Já que estava ausente o corpo do atropelado.

Mas, assim que os paramédicos começaram a examiná-lo, ele abriu os olhos e sentou-se na maca, gritando:

"Cadê meu bebê?" Perguntou, ainda tonto.

Passou os olhos ao redor e viu as sacolas salvas do acidente rodoviário. Retirou de uma delas uma garrafa de cachaça pura e destilada. E deu uma golada que levantava até defunto.

"Ah, meu bebê, pensei que tivesse perdido você!" Disse, lambendo os beiços.

Depois, abraçado à dita cuja, com um sorriso no rosto, jogou-se de lado na maca da ambulância, já roncando.

E foi assim que surgiu mais um conto. Mas se ele é verdadeiro... Isso eu não conto!

Jussara Pires
Enviado por Jussara Pires em 23/11/2017
Reeditado em 24/11/2017
Código do texto: T6179701
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