POPÔ
“A coisa ta feia”. Era assim que nossa mãe falava quando faltava dinheiro. O fogão desconsolado no canto da cozinha. Faltava alegria quando a vida mostrava seu avesso. “Acabou a lenha, Popô”, sentado na cadeira de balanço, meu avô não respondia. Ele não falava fazia alguns anos, um dia parou, simples, ficou quieto, levaram ao posto de saúde, o médico desse dia era um de outra cidade, bateu no joelho dele um martelinho e seu pé subiu, o médico se mostrou satisfeito. "Não é nada não, é coisa de gente velha". E no mesmo dia minha mãe chorou a tarde inteira. Chorava e soluçava. Ela só acalmou quando levou ele no prático de dentista, que todos confiavam: " É coisa de gente velha mesmo". Esse prático nem era formado, mesmo assim arrancou os dentes de quase todo mundo da nossa família, até de Popô, quando ele dava risada aparecia o vazio da sua arcada.
“Vai na casa de tia maria e pede pra mandar uma lasca de lenha”. Popô ria, louco pra tomar café. O olhão dele virava pra gente dando pressa. No caminho eu pensava em todas as coisas e mais ainda porque Popô parou de falar. Minha cabeça não parava, girava pela cidade toda querendo saber do mundo . Ir na casa da tia pedir lenha me dava muita vergonha, ficava rodando a praça criando coragem. A coragem não vinha, quem comandava mesmo era o medo de apanhar. A Tia morava longe já chegando na rodoviária, onde eu gostava de olhar as pessoas que chegavam de longe, algumas era tão diferentes que me perturbava um pouco aquele jeito esquisito de falar. “Tia...” então eu falava com a voz pra dentro, ela parecia sentir meu desconforto, mandava eu sentar, dava bolo e café, me enganava um pouco com coisas de comer. Perguntava de Popô, era a mesma pergunta de todo dia, ele voltou a falar? eu falava não, nada? Muita gente pensava que Popô fazia graça. Ainda mais ele que era contador de causo e amava dançar na folia de reis. Pôs duas lascas de lenha nos meus braços e no bolso um dinheiro: “Esse é pra você, não mostre pra ninguém” .
Chegando em casa, PoPô com os olhos grandes em mim, só não falava com a boca, mas reclamava com o corpo pela demora. Antes do fogo pegar, um fumaceiro que deixava acasa escura, minha mãe de olhos molhados de soprar a lenha verde. Popô esfregava as mãos, minha mãe já sabia, punha o cigarro na sua boca e esticava o beiço esperando o fogo. Popo só não falava, mas fumava e bebia cachaça. Ele pagava esse esforço que a gente tinha com ele com os ouvidos. Lá em casa todos falavam pra ele o que não podia falar para os outros. Quando o café ficou pronto, minha mãe tomou e ficou com cara de tonta, alegre de matar um pouco da fome; deu uma dó dela, tava ficando velha, o rosto triste, com rugas por toda cara e só tinha Popó que lhe ouvia a vida dura. “Toma logo esse café, Popó”. Meu avo ficou quieto, ele me olhava com jeito espichado, quase se derramando no chão. Ele ouviu meu sentimento falando da minha mãe. Popo levantou o braço fino e pelancudo e me chamou pra perto dele, me deu uma peteleco na testa e deu uma risadinha com cara de menino travesso. Também tomei café e fui me divertir pela vida.