Uma noite no passado
La estava eu novamente, com o olhar preso em outro par de olhos.
Segui aquele olhar, com um sorriso no rosto e ela correspondeu espontaneamente. Lá eu ia novamente... na correnteza.
Mergulhei no meio das pessoas que se aglomeravam na beira do palco. Ela não estava só. Fui em sua direção no impulso. Por algum motivo, puxei assunto com outra garota, que estava ao seu lado. Vi os olhos dela presos em mim... curiosa ou intrigada.
Por que eu tinha feito aquilo? Eu me perguntava, e ela talvez se perguntasse. E eu continuei a conversa com uma pensando na outra. Parece idiota, eu sei. Mas naquele tempo o meu bom senso saia à medida em que o álcool entrava. E eu bebia bastante naqueles dias.
Ela se cansou, provavelmente e tirou os olhos de mim. E foi como se eu fosse atingido por um tiro. As palavras me fugiram e só pude ficar calado.
Ela se foi. E eu me perdi na ação. Cai nos braços da outra, como um prêmio de consolação, me perguntando o que tinha acontecido comigo.
Me senti enjoado e me despedi da moça que tinha beijado.
Voltei para casa andando e dormi na sala. No chão. Como penitência.
Havia cervejas na geladeira. Bebi todas antes de minha consciência se apagar.
Mas os olhos dela não me deixaram, nem em sonho.
Acordei de ressaca, destruído.
E me perguntava o que eu estava fazendo
com minha vida.
Me afogando em garrafas e em bocas,
e em pernas,
álcool e sexo sem sentido.
Alternando entre loucura, prosa e poesia
num mundo que eu não conseguia entender.
Me recompus e tomei um banho gelado. Saí tremendo, me enxuguei e me vesti.
Peguei o elevador e andei até a padaria do outro lado da rua do meu prédio.
Pedi pães e queijo, como de costume. E uma caixa de leite gelado. Hábito herdado do meu pai.
Fiquei com o olhar perdido na fila, ouvindo o som do rádio do senhor do caixa. Tocava as notícias da manhã, e me enchei de um ar de nostalgia boa, pois meu avô costumava a ouvir, quando eu era criança.
Havia uma moça na minha frente, com uma cesta cheia de guloseimas. Era bonita, mesmo de costas.
Ela foi atender o telefone e acidentalmente derrubou a cesta no chão.
Me abaixei para ajudar, instintivamente.
Ai a vi na minha frente, tão perto que podia sentir o cheiro do seu hálito mentolado.
Ela sorriu e eu travei. Reconheci os olhos da noite anterior,
mas ela não pareceu se lembrar de mim.
- Obrigado – Disse-me.
- De nada.
Ela virou novamente de costas e voltei a olhar para o chão.
Ela deu um passo em direção ao caixa e já era a próxima a ser atendida.
Saindo do meu transe, toquei em seu ombro e balbuciei.
- Você não lembra não é?
Intrigada ela se virou e falou.
- Pelo jeito não, moço. Nos conhecemos?
- Não exatamente.
- Então como?
- Ontem à noite, trocamos um olhar, andei em sua direção, pensando em puxar assunto. Mas por algum motivo eu comecei a conversar com outra moça do seu lado e foi isso...
- Ontem no Vila?
- Sim, sim.
- Eu lembro de algo parecido, mas não lhe reconheci, me desculpa.
- Tudo bem.
- Não é todo dia que alguém fica assim marcado por um olhar.
- Às vezes acontece.
- Verdade.
- Meu nome é Thais. E o seu?
- R.
- É um prazer, R. Da próxima vez você fala comigo e não com uma completa estranha do meu lado.
- Certo.
Ela sorriu, pagou as compras e foi embora.
Eu sequer tinha pedido seu telefone.
Não era certo que fôssemos nos encontrar novamente e eu voltei a perguntar,
O que eu estou fazendo com minha vida?