O cantor de churrascaria

Era um cantor de churrascaria.

Sabe como é.

Aquele cara que fica cantando e tocando violão enquanto vc se empanturra. Visto assim pode parecer cruel, mas tem lá suas vantagens. Primeira, ele já comeu enquanto você agora é que está enchendo a pança. Segundo, o repertorio fica à escolha dele. Ninguém pede música de boca cheia ou tem coragem pra pedir algo mais do que um cafezinho quando acaba de derrotar um bom rodízio.

Pois é, meu amigo era cantor de churrascaria. Trabalho de final de semana, um rango garantido e uns trocados pelo fundo musical.

Não era muito mais dava pra complementar o salário de agente administrativo no Ministério. Tinha uma ótima voz de barítono e tocava muito bem violão. Ou seja, tinha tudo pra fazer carreira como cantor de churrascaria. Tocava aos domingos em Jurujuba, contrato garantido, mais era apenas aos domingos. Um dia só realmente rendia pouco.

Um domingo quando estava atuando, o dono da churrascaria chamou-o pra apresentar uma pessoa.

-Edson, quero te apresentar o meu amigo, Manuel. Ele veio hoje pra ouvir você tocar e quer fazer uma proposta que eu acho que você vai aceitar.

-Pode confiar nele porque nos conhecemos desde que ele chegou de Portugal, já há uns quinze anos.

Manuel, um português desses bem típicos de sotaque carregado apesar dos quinze anos de Brasil, sentou-se com Edson numa das mesas. Era um domingo chuvoso e o local estava quase vazio. Edson resolveu esquecer o cachê e se concentrar no que o português iria propor. Depois de um papo meio que de louvação o Manuel finalmente se abriu. Tinha ouvido do amigo boas referencias sobre o Edson como pessoa e como cantor, estava abrindo uma churrascaria para o próximo verão na estrada de Macaé.

Era meio longe mas ele propunha que o Edson cantasse lá nas sextas e no sábado, ele dando a passagem, refeição, dormida e metade do courvet artístico apurado.

Era um maná...

Saia do ministério as 5 hs. nas sextas, ali mesmo na praca. Mauá, pegava o ônibus pra Macaé na Rodoviária e chagava lá por volta de sete, tranqüilo. Fechou na hora, e voltou a cantar bem mais animado.

O português saiu e disse:

-assim que abrir eu aviso pra você ir.

Não demorou. Umas três semanas depois, o Manuel telefonou pedindo pra ele ir na próxima sexta feira porque era o dia de inauguração da churrascaria.

Saiu mais cedo do trabalho e as 5:00hs. estava no ônibus pra Macaé.

Foi perfeito, o local era bom e o movimento foi ótimo Voltou domingo de manhã e faturou mais do que num mês em Jurujuba. È aqui que vou amarrar meu burro pensou, e voltou feliz assobiando a última música que tinha tocado na véspera.

Sexta feira seguinte estava lá de novo...

Dessa vez o local não estava tão cheio mas tinha bastante gente e o movimento tendia a aumentar por causa de um feriado prolongado na segunda feira. Falou com o português e resolver ficar direto até o feriado voltando de carona com ele na segunda à noite.

Dessa vez vestiu a melhor roupa que tinha colocou um relógio na braço esquerdo e um pulseira de metal que tinha, no outro, sentou no pequeno palco, afinou o violão e abriu o vozeirão com o repertório tradicional. Afinal ninguém ouvia mesmo. O local foi enchendo e lá pela quinta música quando deu uma parada pra beber uma cerva já tinha um bocado de gente. Voltou a tocar e quando terminou a música, daquelas que o pessoal sempre faz coro, notou um silencio total no lugar. Ninguém falava nada, e tinha uns caras andando de um lado para o outro no salão.

Na mesa mais próxima do palco, o pessoal que tinha parado de comer e estava com as cabeças abaixadas e as mãos cruzadas na nuca.

Ele cochichou para um cara: -é a policia?

-Não, respondeu, é um assalto...

Nisso um dos que estavam andando pelo salão chegou-se pra ele dizendo:

- Cala a boca, fica quieto e baixe a cabeça!.

-Eu sou o cantor, respondeu ele.

-Você não canta porra nenhuma! E vai passando esse relógio ai! Edson tirou o relógio a pulseira e entregou ao bandido. Ele pegou o relógio e devolveu a pulseira dizendo:

-pode guardar essa pulseira de viado que eu não quero isso não!

A situação se arrastava sem uma saída à vista, quando entrou um casal de japoneses.

O japonês foi logo avisando:

-Gente, me falaram no posto que tem uns assaltantes rondando por aqui!

-E tem mesmo, falou o cara do revolver, passa a chave do carro.

O japa olhou espantado, entregou as chaves silenciosamente sentou na mesa e logo estava como todo mundo, de cabeça baixa e mãos na nuca.

Os caras conferiram o salão mais uma vez, viraram e foram embora no carro do japonês.

Edson ainda tremendo, guardou o violão, esperou o primeiro ônibus pra Niterói e nunca mais voltou lá...

ZéCarlos
Enviado por ZéCarlos em 20/10/2005
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