EU CREIO / EU NÃO CREIO

Eles eram amigos desde a infância nasceram na mesma cidade e estudaram nas mesmas escolas até a conclusão do ensino médio. Somente as opções diferentes quanto à especialização final, no curso superior, os separou desse contato mais direto e constante, mas a amizade continuou firme através dos tempos, e às vezes se reencontravam para um aperitivo ou mesmo para um jantar mais demorado, quando atualizavam as respectivas novidades e trocavam ideias generalizadas. Trata-se do José Crente e do João Ateísta, que respeitosamente, conversavam sobre tudo, menos sobre crenças ou descrenças, cujos assuntos, segundo as suas recíprocas concepções, não os conduziriam a lugar algum. O tempo passou, ambos se formaram, constituíram famílias, tiveram seus filhos e mantiveram a boa amizade nas mesmas condições.

Certa ocasião, aproximando-se as férias escolares das crianças, João Ateísta ligou para o seu amigo José Crente e propôs que também eles tirassem suas férias e fizessem um passeio em conjunto. Trocaram ideias com suas respectivas famílias, e combinaram gozar as férias em um hotel-fazenda, onde as crianças conheceriam novidades e teriam bastante espaço para gastar as suas energias. Negócio fechado chegou o dia e lá se foram eles.

Todos instalados, plena primavera, bosques floridos, reserva de mata com trilha no meio, riacho de água límpida borbulhando sobre as pedras, um belo e grande lago de água azul refletindo os flocos de nuvens brancas, grande variedade de pássaros alegrando o ambiente, porcos, vacas, cavalos, cachorros, charrete para passeios, lindos cenários para os apreciadores da natureza e ótimas condições para a diversão das crianças.

Tudo bem então? Claro, tudo bem com todos... Nem tanto com João Ateísta, mais calado que de costume, pensativo, o que não passou despercebido para seu amigo José Crente, e daqui em diante, um “stop” para a narrativa e uma abertura para o diálogo.

José Crente – A manhã está linda não é João, convidativa para uma caminhada não acha? Se estiver disposto, vamos explorar a reserva de mata natural.

João Ateísta – Boa ideia José, vamos queimar um pouco de gordura enquanto as mães vão passear de charrete com as crianças.

José Crente – Como é linda esta mata, cheia de vida, a natureza é mesmo encantadora. E então João, diz aí alguma coisa, você anda muito calado, pensativo, com o olhar perdido no vazio! Nunca lhe perguntei, mas venho observando essa mudança há algum tempo. O que acontece?

João Ateísta – Não quero aborrecê-lo, muito menos em plenas férias, mas que seja. Curioso que nunca conversamos sobre essa questão de acreditar ou não na existência de um deus que criou tudo o que existe, tendo em vista a nossa posição contrária sobre o assunto, não acha? Da minha parte, sempre pensei que é um assunto muito complicado, porque tanto o que crê como o que não crê não pode provar coisa alguma. Então, seria sempre uma perda de tempo debater sobre essas questões essencialmente improváveis.

José Crente – Também eu, conhecendo a sua posição de ateísta, sempre evitei entrar nesse assunto. Mas o que o leva a tocar na questão neste momento?

João Ateísta – Não sei se todos os ateístas são como eu, pois na verdade sempre carreguei comigo uma inquietação sobre este assunto, pois, as observações da nossa própria razão nos conduzem a persistentes e complexas interrogações sobre a nossa origem, sobre a origem de tudo aquilo que vemos, assim como sobre o sentido de tudo isso, e ainda sobre o destino de todas as coisas, inclusive o nosso destino. Ultimamente, essa inquietação ficou bem mais exacerbada, e fiquei imaginando como será isso com os crentes? Será que eles todos se contentam em deixar tudo por conta da fé?

José Crente – Você saltou direto para uma parte bem elevada da questão, e um mergulho direto no âmago dela não seria suportável para você, que está tentando subir no primeiro degrau da escada, mas ainda pisa no chão.

João Ateísta – Reconheço que sou analfabeto nesse terreno, mas examinei ultimamente essas diversas denominações teológicas, e também a própria Bíblia. Quanto mais eu me aprofundei nesses exames, mais consistente se tornou o meu ateísmo.

José Crente – E nem poderia ser de outra forma, pois as denominações teológicas são equivalentes às grandes redes de supermercados. Eles vendem a fé nas fábulas e genealogias, e na literalidade da Bíblia, e ainda cobram pedágio dos seus adeptos, no suposto caminho para o céu. Quanto à Bíblia, ela é quase que inteiramente elaborada sobre parábolas e metáforas, além de conter todas aquelas histórias que os Profetas Pedro e Paulo recomendam que sejam evitadas (ou ignoradas). A maioria das pessoas perde o seu tempo examinando essas questões que não têm nenhuma importância.

João Ateísta – Então, o que devo estudar na Bíblia e porque ela contém essas partes que devem ser ignoradas? Não seria melhor que não constassem da Bíblia?

José Crente – Os conhecimentos racionais, dependendo da sua importância, do poderio e das vantagens que eles podem conferir, são mantidos em segredo pelos seus detentores por motivos óbvios. Tente obter a fórmula da bomba atômica, a receita da Coca-cola, ou do licor Chartreuse. Com relação aos conhecimentos espirituais, os Profetas primitivos somente os transmitiam aos seus seguidores, e sua origem está nos insights espirituais, que ocorrem apenas intuitivamente, como abruptas explosões espirituais, intermitentes e progressivas, conferindo conhecimentos que permitem a compreensão da linguagem dos Profetas bíblicos e até o que não consta da Bíblia. Essa compreensão, entretanto, é pessoal e intransferível pela vontade daquele que a recebeu, pois ele não será compreendido por ninguém (I Cor. 2:12a16) que também não tenha tido insights espirituais semelhantes, observada a variedade de dons exposta pelo Apóstolo Paulo (I Cor.12:1a11) Com relação às partes que devem ser ignoradas, os Profetas, especialmente os do Velho Testamento, introduziram pequenos textos espirituais no meio de grandes histórias associadas ao seu tempo, ocultando-os dos seus perseguidores. Esse mesmo expediente foi adotado em menor escala no Novo Testamento, onde temos aquela história da “família” de Jesus Cristo, que as denominações teológicas exploram profundamente, e que realmente nunca ocorreu daquela maneira. Por outro lado, questionado pelos seus discípulos sobre porque se expressava por parábolas, Cristo respondeu que o fazia exclusivamente através de parábolas, para que apenas os seus seguidores pudessem compreendê-lo (Mateus 13:10,11) Portanto, tanto Cristo como também os Profetas, camuflavam os seus ensinamentos, tanto para evitar os seus perseguidores, como para manter esses ensinamentos restritos aos seus seguidores. Como acontece até nos tempos atuais, esses ensinamentos contrariam os interesses daqueles que exploram a humanidade.

João Ateísta – Digamos que me tornei um interessado em compreender as escrituras; o que devo fazer para atingir esse objetivo?

José Crente – Como está escrito na Bíblia, as coisas do espírito são loucura para a Razão e vice-versa. Tendo isso em sua mente, abandone todos e quaisquer preconceitos, partindo do zero, estude os Profetas do Velho e do Novo Testamento, sublinhando os textos que lhe parecerem mais importantes, ou que deseja compreender melhor, assim como aqueles que se associam a um contexto mais amplo que deseja esclarecer. Leia e releia tantas vezes quantas aguentar. Aos poucos as coisas irão se encaixando e descobrirá que o progressivo esclarecimento está vinculado a muitos trechos espalhados por toda a Bíblia, como num quebra-cabeças, que aos poucos formam o desenho compreensível. Nesse percurso, podem ter início os insights espirituais, então o entendimento ganha maior velocidade e os dons passam a definir a trajetória mais específica do conhecimento espiritual, nos diversos tipos mencionados pelo Apóstolo Paulo, que são os dons espirituais.

João Ateísta – Tudo bem que a Bíblia seja estruturada mais acentuadamente sobre parábolas, metáforas, simbolismos históricos, mas quanto às denominações teológicas, por que elas não ensinam corretamente os seus adeptos?

José Crente – O fundamento do cristianismo está na Doutrina da Graça, que se relaciona com a Segunda Aliança, baseada em Cristo. Essa Aliança substitui a Primeira Aliança, que é baseada em Moisés. Essa substituição ocorre quando as leis de Deus, e também os seus conhecimentos, são transferidos das pedras para o coração do homem, conforme o enunciado de (Jeremias 31:33 e Hebreus 8:10). Essa transferência somente pode ocorrer através dos insights espirituais, os quais não dependem de nenhum procedimento humano, e ninguém e nenhuma instituição tem o poder de transferir essa capacidade de entendimento, da letra morta, para o espírito vivo do ser humano. Ela só pode ocorrer através do Espírito de Deus para o espírito do homem. Por isso, as denominações teológicas se mantêm focadas na Primeira Aliança e nas fábulas e genealogias históricas, que permitem a montagem de uma estrutura comercial, mesmo porque os “pastores profissionais” dessas denominações não são portadores dos insights espirituais, e por isso eles se mantêm na superficialidade da letra, ou no Decálogo de Moisés, e não na Graça de Cristo. Assim, o judaísmo, catolicismo, protestantismo e afins, não passam de atividades humanas, que movimentam um fortíssimo segmento da economia em muitas regiões do Planeta. Assim como ninguém pode dar o que não tem, também, ninguém pode ensinar o que não sabe.

João Ateísta – Mas existe tanta literatura ensinando sobre religião, sobre as histórias bíblicas, sobre autoajuda, sobre como alcançar a prosperidade, sobre milagres, e por aí afora. Como ficamos diante disso tudo?

José Crente – Como eu já disse meu amigo, em torno das crenças e superstições, formou-se uma incomensurável estrutura comercial, comungando uma ampla cadeia de interesses econômicos e políticos, os quais fazem parte do “Sistema” que governa o Planeta. Esse “Sistema” é tão amplo e tão poderoso, que ninguém escapa dos seus tentáculos. Como uma pequena atenuante, podemos deduzir que as pessoas realmente espiritualizadas, podem escapar apenas de alguns dos comandos do “Sistema”, ou seja, daqueles que não conseguem subjugar os seus espíritos.

João Ateísta – Digamos que eu esteja interessado em desenvolver essa espiritualidade. O que devo fazer para atingir esse objetivo?

José Crente – A nossa parte é interessar-se efetivamente por alcançar esse grau de sintonização entre o nosso espírito e o Espírito de Deus. Vide (I João 2:27). Além desse interesse, devemos pautar nossa conduta, no nosso cotidiano, pela observação rigorosa dos preceitos éticos e morais, e sairmos da zona de conforto daqueles que ficam esperando que as coisas venham a cair do céu. Essas pessoas são superficiais, não mergulham fundo, nem escalam as montanhas, que exigem ousadia, coragem e esforços para obter o que se deseja. Além da Bíblia, temos entre outros, pessoas altamente espiritualizadas, que deixaram sua contribuição para os que desejam evoluir no espírito, como Jacob Boehme – 1575-1624 (Sapateiro alemão), C. S. Lewis – 1898-1963 (Professor, Escritor, Poeta e Crítico Literário britânico) e Francis S. Collins - 1950 (Geneticista americano), cujas obras podem ser localizadas na Internet. Curiosamente para você João, dos três, o Sapateiro foi o maior. É claro que pessoas que não conseguem ler textos mais densos, certamente também não conseguirão ler os seus livros, porém, Sophia (Sabedoria) não vem ao encontro de quem não a procura.

João Ateísta – Acho que valeu a pena essa nossa primeira conversa sobre o assunto. Por ora vamos curtir as nossas férias e continuar conversando. Quando retornar, vou cuidar de seguir a sua orientação. Não sei qual será o desfecho, mas quero chegar a alguma conclusão que me forneça respostas para muitas perguntas que me perseguem.

Os dois bons amigos continuaram curtindo as suas férias, e talvez a conversa entre os dois tenha dado início a uma nova trajetória nos interesses de João. Para adquirir os conhecimentos racionais temos que estudar e interagir com os nossos semelhantes, mantendo-nos atualizados com a própria evolução, e para adquirir os conhecimentos espirituais, devemos adotar os mesmos procedimentos, mesmo conscientes de que os insights espirituais não dependem da humanidade. Mas se um simples Sapateiro alemão, um reconhecido Intelectual britânico, um brilhante Cientista americano, e até um perseguidor de Cristãos, como o Apóstolo Paulo, alcançaram esses ambicionados conhecimentos, por que também não poderemos obtê-los?

Eis o desafio! Quem se habilita?

Edgar Alexandroni
Enviado por Edgar Alexandroni em 05/11/2017
Código do texto: T6163346
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