Avó Sertaneja

Lá no meio do sertão, entre umbuzeiros e aroeiras a avó acorda bem cedo com o canto do galo e da cotovia, do carcará arreliando a quentura do dia. A avó diz bom dia à natureza, e segue entre a caatinga espinhenta buscando lenha para acender o fogo e fazer mantimentos.

No meio do sertão, a casa de taipa com chão de terra batida, abriga um grande e um pequeno coração, uma avó e sua neta, e o amor entre elas.

Todos os dias juntas, as duas fazem descobertas entre as miudezas da cozinha: o milho no moedor para fazer o pão, a fava escaldada já na panela de barro a cheirar ares de terra, e no alguidá esfriando, os umbus maduros, cozidos.

Quantas receitas farão?

Qual o gosto do sertão?

Ao pé do fogão à lenha,a avó mexe suas colheres de pau, suas conchas de casca de coco e fumega a comida, feita pela avó, assim feito o sol que lá fora lampeja, e entre as receitas e afazeres da cozinha, a avó vai ensinando a menina a cantar enquanto lava a louça, a rezar e fazer os rituais e ao mesmo tempo cuidar da natureza, valer-se de esperança enquanto a chuva não vem pra molhar a terra ressequida e ferida pela seca.

Do quintal da casa da avó se avista o mundo, a lagoa e suas garças, o cruzeiro e quem de longe faz uma prece, jogando um pouco da água na como quem benzesse a própria vida de fé e oração.Da porta da cozinha da avó se avia o tempo, se ouve canções de passarinhos, grilos, ventos de paz.

Enquanto espera o almoço, a menina brinca com pedrinhas, e borboletas embaixo do pé de laranja, e imagina que elas são brinquedos, além de conversar com patos, galinhas e guinés que viram carro, com linhas amarradas a puxar os pedregulhos.

Perto de casa os bichos da criação são sustento e brinquedo, criação de intenso valor, o melhor alimento para se celebrar nos dia de festa.

A avó varre com vassoura de mato as poucas folhas, e a menina ao ver as folhas voar se imagina voar com elas ao vento. A areia fina do quintal varrida pela vassoura é como areia de um rio que se secou, e as duas fazem um montinho de areia, como que uma barreira para o dia que a chuva chegue. Avó e a neta anseiam água, esperam o que ninguém sabe...

Num debulhar de versos, num cantar o dia inteiro acompanhando a chaleira que assobia com elas as canções de ninar, a menina dorme tranqüila, um cochilo no meio da tarde.

No velar o sonho da neta, a avó prepara colchas de retalhos, fuxica pedaços de amor, remenda as roupas rotas.

A avó na sua fé borda a chuva caindo e enchendo rios, benzendo as plantas, aliviando o calor. É tanta água bordada que a avó até sente em seus bordados um pouco de frio e sede, e entorna a moringa de água para saciar-se.

A avó borda à mão o amor pela neta querida em fios de cor sob a luz da lamparina, mesmo com a vista acinzentada, cansada como a tarde a definhar no horizonte, a dizer adeus a mais um dia.

É hora de guardar no chiqueiro galos, guinés e galinhas, é hora de tecer mais histórias, de contar mais segredos, de brincar de adivinhas.

À hora sexta, a avó benze com mato e fé toda casa, todo espaço que acompanha sua vista da janela, e guarda também a alma da neta querida, saúda a vida e a noite que chega pra trazer estrelas e mistérios, fagulhando como o fogo à lenha sempre aceso, ervas perfumadas, luzinhas de esperança.

Na mão da avó, linha e agulha nunca se cansam.

No olhar da avó, uma reza nunca descansa.

Na voz mansa da avó uma cantiga nunca cessa.

Uma história sempre se conta no cafuné.

E a menina deitada no colo da avó, ver a noite pelas frestas do telhado, e às estrelas faz um pedido:

Que esse tempo de paz e terna solidão não seja nunca esquecido!

E a noite adormece as duas, neta e avó, entre os sonhos de um generoso inverno.

Paula Belmino