Hipocondria pega

Francisco sai do consultório desapontado: Vou procurar outro médico. Esse ai não entende nada. Como pode dizer que estou bem? Sinto as pernas tremerem como se não comesse há dias. Essa dor de lado também não é à toa. Acho que o rim direito está comprometido e ele tem a pachorra de dizer que não há causa que justifique minhas queixas. Não me deixou sequer dizer que tenho azias horríveis, dores de cabeça intensas e vejo tudo embaçado.

Ia assim pensando nesse rosário de doenças quando foi atropelado ao atravessar a rua desatento. Acordou num lugar de um colorido tão intenso que ficou encantado com a beleza de tudo o que via e perguntou a um senhor de barbas brancas, que junto a uma criatura de asas esplêndidas, vinham ao seu encontro:

- Quem é o senhor? Que lugar é esse?

- Sou Pedro. Seja bem-vindo.

- Ia para casa e...

- Foi atropelado e dormiu, já sei. Não se preocupe. Aqui estará melhor do que lá.

- A propósito, Pedro; se acaso eu passar mal, pode me informar onde fica a Unidade de Pronto Atendimento aqui?

- Não precisará disso, meu filho, aqui é o paraíso e ninguém que está aqui se sente mal, tampouco fica doente. Aqui é o lugar onde só acontecem coisas boas.

- Ah! Que bom que é assim, fico mais tranquilo.

- Então, seja feliz e aproveite a eterna estadia. Mais alguma coisa filho?

- Só uma coisinha: peça ao anjo que passe em minha casa e traga a carteira do plano de saúde que está no bolso do paletó azul no guarda-roupa. Sinto que estou meio resfriado.

Pedro dá de ombros e sai como se não tivesse ouvido. Oh! Raça de incrédulos - pensa.

Algumas almas que ouviam a conversa do recém-chegado começaram a sentir dores que já haviam esquecido. Correram a São Pedro para reclamar da falta de serviço de saúde no céu. Este, já sem paciência, convocou uma reunião urgente para resolver o que prenunciava uma grande epidemia. Àquela altura, a desarmonia começava a reinar em lugar da paz e da alegria que eram próprios do ambiente celestial.

Na hora marcada, Jesus, que presidia a reunião, fez a abertura e anunciou a pauta, acrescentando que o fato apesar de grave e inusitado já era esperado e que tardara a acontecer. Lembrou-se de quando passara pela Terra onde muitos mesmo vendo não creram, por isso não foram curados. Diziam que profeta em sua terra não fazia milagres. Tomé, meio sem jeito assumiu que um dia também achou que só vendo para crer. Pedro, após uma conversa paralela com João sugeriu que fosse instituída uma quarentena para os hipocondríacos descobertos na chegada.

- Mas como percebê-los a tempo de prevenir o contágio? Indagou Abraão.

- Seguinte: faremos uma única pergunta a todos que aqui chegarem cuja a resposta revelará aquele que tem a capacidade de ficar doente até no paraíso, disse Moisés.

Depois de outras ideias expostas e igualmente consideradas, discutidas, chegou-se finalmente à solução. Democraticamente decidido, consenso obtido, no dia seguinte ao da reunião, todas as providências foram tomadas. Criou-se a quarentena, formulou-se a pergunta padrão e tudo foi posto em prática no acolhimento.

- Bem-vindo ao lugar onde cessam todas as dores, e toda lágrima é enxugada. Como te chamas, filho?

- Armando.

- Aspirina?

- Sim, obrigado.

- Quarentena!

- Bem-vindo ao lugar onde cessam todas as dores, e toda lágrima é enxugada. Qual é o seu nome?

- Sávio.

- Aspirina?

- Não, obrigado! Hahahah, essa é boa São Pedro, aspirina aqui no céu... Conta outra.

- Paraíso!