ENQUANTO A "LUZ" NÃO CHEGA
ENQUANTO A “LUZ” NÃO CHEGA
Autor: José Rodrigues Filho
Sem perspectivas de melhores dias, pois desde que fora jogado ao mundo somente fora presenteado com misérias, sofrimento e amarguras, o caboclo, ou melhor: o “boia fria” Chico Doroteu, foi um dia abordado por dois desconhecidos com aparência de suburbanos. – Boa-tarde Seu Chico! Fomos informados que “vosmescê” trabalha de peão no campo e, por isso, viemos propor-lhe um excelente serviço, já que por aqui os ganhos estão miúdos e o trabalho, também, anda escasso. Trata-se do seguinte: nosso patrão, o Dr. Delfino Neto Júnior, homem muito generoso e honrado, tem bastante trabalho em sua propriedade para um homem trabalhador e que saiba guardar um pouco do seu ganho enriquecer rapidamente ou, no mínimo, juntar o suficiente para adquirir um bom pedaço de terra.
Chico escutou o palavreado, atentamente, e demonstrou interesse imediato. – Pensou consigo mesmo: não dava mais para continuar ali, na periferia daquele povoado, esperando todos os anos que chegasse a época da colheita do café para poder arranjar algum trabalho. Trabalho sem compensação, pois a diária não dava nem para o que comia, diariamente, frio. Tinha que dar um jeito em sua vida; ter trabalho para o ano todo, ganhar melhor, economizar algum e, por fim, comprar o sonho de sua vida: umas vinte tarefas de terra para nelas produzir.
- Estou interessado, mas preciso de mais informações! Estou sem dinheiro para pagar a passagem e, também, estou devendo uns Cr$ 300,00, na venda de Nonô.
O mais alto dos dois homens riu e, prontamente, expôs ao Chico: - Ora não seja por isso, fazemos-lhe um adiantamento de Cr$ 500,00 que será descontado, juntamente com a passagem, do que você ganhar no trabalho! - Assim estava ótimo, era a oportunidade que Chico esperava a vida toda.
Dois dias depois, dessa conversa, Chico viajava juntamente com mais trinta peões os quais viviam nas mesmas condições que ele e que, também, estavam entusiasmados com a nova vida.
A viagem, em caminhão coberto por lona, foi interrompida poucas vezes, inclusive duas pela polícia rodoviária, mas depois de alguma conversa, em recanto afastado da peonada, prosseguiu sem mais delongas.
Após os dois primeiros meses de muito trabalho, Chico já estava um pouco assustado com a situação: tinha trabalhado como um animal de carga e ainda não ganhara o suficiente para saldar seu débito. Pior, ainda, é que fora obrigado a contrair outras dívidas, desta feita, no barracão da Fazenda onde se compravam mantimentos e outras coisas de necessidade.
Passados mais seis meses, Chico estava completamente desiludido: sua conta no barracão somente poderia ser paga com mais seis meses de trabalho e, para isso, ele teria que ficar devendo o dobro, pois teria que continuar comprando no barracão. Percebeu tudo... Tinha se tornado um escravo em pleno ano de 1979. Ele, e todos que viajaram consigo, e mais uma grande quantidade de peões que já se encontrava na Fazenda. Quando algum tentava fugir era capturado e, como ladrão, (pois estava fugindo sem pagar o débito) apanhava de fazer dó, servindo de exemplo para que outros engraçadinhos não tentassem a fuga.
Depois de dois anos de escravidão branca; dois anos de terríveis maus-tratos, vendo, por vezes, companheiros seus serem mortos pelos cachorros e vigias da Fazenda, Chico Doroteu –porque nasceu com a estrela da sorte- conseguiu escapar através da mata e chegar à capital de Mato Grosso (Cuiabá) acometido de algumas mazelas (malária, diversas verminoses, e tuberculose) que não lhe permitiram trabalhar imediatamente; teve que implorar a caridade pública e, hoje, dezembro de 1980, encontra-se parcialmente recuperado, fazendo biscates para juntar dinheiro e comprar passagem de volta para o povoado de Cafezal, terra onde nasceu e se criou.
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL KOMUNIKANDO DA REGIÃO DE FEIRA DE SANTANA-BA. EM DEZEMBRO DE 1980.
Amélia Rodrigues-Ba. Postagem em 24 de outubro de 2017.
TUDO CONTINUA COMO DANTES NO CONGRESSO DE ABRANTES.