Infeção urinária

Era mais uma tarde quente e seca em Ribeirão Preto. No mês de setembro o clima da cidade era o mais hostil para mim. Tudo piorava quando os usineiros resolviam tocar fogo nas plantações de cana de açúcar que cercavam a cidade. A prática era proibida, mas o agronegócio não se preocupava muito com a saúde das pessoas ou com os riscos de incêndios florestais. O que importava era o lucro no fim das contas.

Não era a cidade em que eu havia nascido e crescido. Eu morava só, longe de família e amigos. Eu estava terminando o primeiro ano do meu doutorado e me sentia perdido, sozinho e oprimido. Pra piorar tudo, tinha adoecido. Naquele dia eu sofria de mais uma infecção urinária, ocasionada por um problema de cálculos renais que vinha me atormentando nos últimos anos. Derrotado pela dor e pelo incômodo, eu resolvi ir ao médico. Passei quase uma hora na fila de espera, e quando consegui ser atendido o médico mal me olhou. Entrei na sala, sentindo uns calafrios e um pouco febril. O médico olhou minha ficha e me perguntou sobre os sintomas e ha quanto tempo eu os estava tendo. Respondi rapidamente e comecei a lhe falar sobre meu problema de cálculos. Ele não pareceu muito interessado e respondeu rispidamente.

- Ok, Ok. Vou passar dois antibióticos. Você toma um por via oral e o outro em injeção, na farmácia mesmo. Se os sintomas não desaparecerem em 3 ou 4 dias você retorna aqui e se for o caso eu lhe encaminho para um urologista.

Concordei com a cabeça e esperei que ele me desse a receita.

Saí da sala pensando em o quão mecânico e impessoal aquilo tinha sido. Mas tudo bem, eu não ia reclamar sobre nada. Só queria que a dor fosse embora.

Pedi um taxi e passei numa farmácia próxima à minha casa. Entrei e entreguei a receita para o farmacêutico. Ele leu o que para mim parecia ininteligível e se dirigiu para as estantes onde diversas caixas de remédios estavam organizadas de uma forma que eu não conseguia compreender muito bem. Ele trouxe os dois remédios e começou a me explicar que cada um atingia um tipo de bactéria. Como eu era formado em biologia, eu consegui me lembrar das aulas de microbiologia e vi que um era pra grã positivas e outro para grã negativas. Bem... o farmacêutico tinha sido mais explicativo do que o médico em relação ao que ia ser posto pra dentro de mim.

Então ele disse.

- O por via oral é R$11,90. Você toma em dose única. O em injeção é $18,00 e você toma aqui mesmo. Tem uma salinha ali e a gente aplica.

- Ok. eu respondi.

Me dirigi ao caixa e paguei pelos dois remédios. Depois, me levaram para a tal salinha, e uma moça de jaleco veio me atender. Reconheci o rosto dela... não lembrava de onde ao certo... mas percebi que ela havia me reconhecido.

- Oi, rapaz. Como você vai?

- Vou indo... Nem tão bem né? Esse negócio tá me matando.

- Já vai passar. Esse remédio é forte.

- que bom. Tô precisando de uma coisa forte mesmo.

Ela sorriu, abriu a caixa do remédio, pegou a ampola e foi em direção a um armário que havia na salinha. Voltou com uma seringa, pra onde sugou todo o conteúdo do vidrinho opaco do remédio.

- Vira de costas e baixa um pouco a calça.

Virei um pouco constrangido, e desafivelei meu cinto. Baixei a calça e simplesmente esperei.

Eu nunca tive uma boa relação com agulhas, injeções e etc e tal.

Sinceramente, ninguém que tenha o juízo no lugar gosta de levar uma injeção. Foi uma coisa que sempre me incomodou e de certa forma, ainda me apavorava. Contive a ansiedade pela agulhada e esperei que ela enfiasse a coisa na minha bunda.

Foi então que a moça falou.

- Você não lembra do meu nome, né?

- Na realidade, não... – Confessei. – Mas lembro do seu rosto.

- Vai doer um pouco. Ela disse... E então senti a agulha me espetando e um ardor à medida que o líquido entrava em contato com o músculo. Doeu pra caralho, e eu tenho certeza que ela pegou pesado de propósito.

- A gente ficou uma vez. No Vila Dionísio, Rômulo. – Sua voz parecia um pouco irritada.

Ai me veio a lembrança. Eu realmente tinha ficado com ela, quase um ano atrás. Nesse bar que eu tinha costume de frequentar. Eu bebia bastante e não infrequentemente, terminava com alguma pessoa no fim da festa, com quem logo perdia contato.

No caso, ela se chamava Laís, e eu tinha anotado seu telefone errado. Talvez ela tenha achado que eu simplesmente desapareci depois do que tinha sido uma noite até interessante.

- Desculpa, muita coisa me aconteceu nesse meio tempo. – Eu lhe disse. – Seu nome é Laís, não é?

- É... ela sorriu. Pensei que tinha esquecido completamente. Nem sequer me procurou depois.

- Não foi isso. Acho que anotei seu número errado. Não foi algo intencional.

- Foi uma pena, pois eu gostei muito de ter ficado com você.

- É. Uma pena.

- Engraçado que logo depois eu conheci meu noivo. – Disse-me mostrando um anel no dedo.

- Ah! Que bom moça. Fico feliz.

Ela sorriu e jogou a seringa no lixo.

Terminei de me recompor, peguei as caixas de remédios e me preparei para voltar pra casa.

- Até um dia. Espero que você fique bom. Foi legal te ver.

Concordei balançando com a cabeça e fui saindo da sala.

Fui surpreendido quando veio por trás e indiscretamente apalpou a minha bunda, do lado oposto aonde tinha aplicado a injeção.

Olhei para trás e ela me dirigiu um olhar claramente lascivo.

Não entendi muito bem no momento, e continuei a andar em direção à saída.

Fui para casa andando, ansioso para poder descansar.

Tomei o segundo remédio junto com um copo de água e fui até o meu quarto. Deitei de lado em minha cama e torci para que tudo fizesse efeito.

Cochilei pensando na apalpada de Laís e no olhar final que ela me deu. Tinha muita coisa que as mulheres faziam que eu não conseguia compreender. Aquela era só mais uma para a lista. Acordei meia hora depois com agonia terrível nas tripas. Corri para o banheiro e sentei no vaso. Um jorro de bosta cáustica saiu de mim e eu tive impressão que eu ia derreter de dentro para fora. Eu sentia meus intestinos se remexendo como se houvesse um bicho vivo dentro de mim. A cada jato, calafrios e suores escorriam do meu pescoço. Eu tremia e me arrepiava. Tinha algo muito errado comigo. Quando terminei, tentei me limpar com papel higiênico, mas tive a impressão que meu rabo estava em chamas. Me limpei com água e até o sabão parecia ser feito de brasas. Voltei para o quarto e peguei as bulas dos remédios para ler.

Na parte de reações adversas de ambas estava claramente escrito.

“Pode causar, náusea, vômito, diarreia, fezes amolecidas e desconforto abdominal”.

Me senti no lucro por não estar nauseado nem vomitando, mas tive um pouco de raiva por não mencionarem que eu poderia cagar pedaços de soda cáustica.

Conformado, me deitei de novo e esperei que tudo passasse. Percebi a bula do remédio ao meu lado e já ia amassá-la para jogar no lixo, tal a minha raiva, quando percebi que havia algo escrito nela em caneta rosa.

Havia um número de telefone e a seguinte mensagem

“Vê se me liga dessa vez. Laís.”

O mundo estava virado de cabeça para baixo mesmo, pensei.

Transformei a bula numa bola de papel e a arremessei em direção ao lixo.

A bola bateu na lateral da lixeira e caiu do lado de fora.

Eu não dava uma dentro mesmo...

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 23/10/2017
Código do texto: T6150683
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