Maria Margarida

Havia uma mulher, encantadoramente linda, esperta e simpática, como todas as mulheres são, cada uma do seu jeito, infelizmente sem dar por isso. Era como todo ser humano, queria amar e ser amada. Mas tinha um medo terrível: sofrer. Podia, com seu medo diabólico, até ver a cena lastimável, de seu pequeno coração, dono de tantos mistérios e segredos, felicidades e amarguras totalmente expostas em carne viva ao pulsar, àquele amor que escarnecia do seu próprio amor, que sem nenhuma piedade, ferozmente rasgava e furava-o, ao sabê-lo tão seu.

Ela tinha defeitos. E já havia errado muito. Como todas as pessoas são. Mas aquele medo terrível há fazia errar muito com todos a sua volta, por causa do seu pior defeito: o orgulho.

Um dia, ela conheceu um homem, como já havia acontecido tantas vezes, e depois de um tempo começaram um relacionamento, como já havia feito com tantos outros homens especiais que passaram por sua vida. Apesar de fazer de conta que nada de importante estava lhe acontecendo, seu sentimento por aquele homem se igualava a um pequeno fio de água que vai crescendo e se aprofundando até desembocar no mar. Porém, seu grande medo e orgulho, não permitiam que ela admitisse que o amasse, mesmo depois de estar alguns anos do seu lado.

Ela lia algumas vezes em algumas histórias, que o verdadeiro amor era livre! Que o amor não sufoca nem mata, ele é como um bálsamo santo a toda alma ferida, curando, fortalecendo, e fazendo delas felizes.

Nessas horas ela ficava cada vez mais confusa nos seus sentimentos, e assim pensava: “Não entendo! Apesar de todo meu sentimento e os anos vividos lado a lado, não me sinto assim, livre e feliz! Será que então não vivo um amor real?!”.

Num dado momento, cansada de toda sua loucura, e confusão emocional, disse a ele claramente que não podia levar à frente uma farsa, que não o amava mais, e que o melhor era a separação.

Apesar de não admitir, seu coração sangrava tanto quanto ela temia. Os dias passaram e ela ficou dois dias e duas noites sem dormir um só instante, e sem comer. Não sabia como se mantia de pé. Estava exausta.

Enquanto passeava tentando se distrair, por um acaso do destino, encontrou um ex namorado, que um dia a traiu, levando ao fim do namoro. Começaram uma conversa calma, que não durou muito. Logo, os dois estavam discutindo sobre o namoro que tiveram. E até aquele instante ela não tinha percebido, que mesmo depois de tanto tempo, aquilo ainda não estava resolvido para ela.

Ela começou a ironizá-lo sobre sua antiga traição, coisa própria de seu orgulho ferido. Quando para sua surpresa, ele lhe responde que sim, cometeu um erro grave, mas também não havia sido nada fácil ouvir dela meses antes, que ela não o amava sinceramente, apesar de dizê-lo assim, mas queria que ele continuasse aquele relacionamento.

Nessa hora, um calafrio lhe percorreu. Sentiu seu coração parar de bater e o chão faltar aos seus pés. O que ela havia feito todo esse tempo com as pessoas à sua volta? Pode sentir o peso imenso do seu orgulho e da sua culpa nos seus ombros. Sentiu pena de si própria.

Perguntou-lhe, ao voltar o ar aos pulmões, o que ele havia sentido naquela hora. Não perguntou para escarnecê-lo nem ironiza-lo, mas para entender como ele havia se sentido com toda aquela sua frieza que ela própria desconhecia. E entender talvez, como também se sentiu o homem de sua vida que ela havia mandado embora em poucos dias.

Como pode se imaginar ele não quis responder de imediato. Devia estar sendo difícil para ele também. Depois de um tempo ele disse: “Me senti um lixo. Pensei: como fui bobo de achar que alguém me amaria!”.

Ela sentiu apenas suas lágrimas quentes correrem pela face. Como explicar aquele homem do seu passado que tinha feito tudo o que fez somente por causa do seu medo e do seu orgulho, e que nada do que havia falado naquela época era real?!

Ainda tentou se desculpar, pedir perdão, mas era tarde.

Pensou no que seu atual amor havia de ter sentido, e com toda a sua fraqueza física entrou em desespero. A soluçar disse ao homem à sua frente: “Preciso fazer uma ligação. Adeus.”.

Tentando controlar suas emoções, ligou para o recém ex marido, pedindo um encontro. Ele respondeu: “Estou no trabalho agora, ouve uma reunião de emergência, quando sair daqui irei a casa te ver”, sentindo sua ainda a casa que construíram juntos, da qual ela havia o feito levar todos seus pertences.

Sentindo o mundo e sua cabeça girar, colocou o gancho do telefone público no lugar. Foi só ai que percebeu que estava na frente de uma igreja. Não pensando duas vezes, entrou. A igreja estava vazia. Ela caminhava devagar e olhava tudo com calma. Não entrava em uma igreja desde sua Crisma, e desde ai já não acreditava mais em Deus, mais em nada.

Maria Margarida se ajoelhou no primeiro banco, deixando as mãos postas, sentindo suas lágrimas brotarem dos olhos vermelhos, levantou o olhar ao altar. Olhando Maria com o pequeno Jesus, disse baixinho com a voz embargada: “Perdão.”. Simplesmente ela sabia que não havia mais nada há dizer, e tudo o que mais dissesse seria desnecessário.

Depois de se sentir mais calma, voltou em casa o mais rápido que seu corpo permitiu.

Era um dia frio de inverno, e ela deitou na cama para se aquecer e descansar, e acabou adormecendo.

Acordou poucas horas depois com a voz longínqua do seu marido. Abrindo os olhos com grande esforço, viu aquele rosto bonito e familiar, embaçado por sua vista cansada e dolorida. Agarrou aquela mão amada enquanto lhe suplicava perdão e reiniciou a chorar. Ela estava fraca, debilitada, e ele percebeu. Sensivelmente, abatido também, ele pediu a Maria Margarida que se acalmasse. Mas ela não parava de repetir com um fio de voz a soluçar, que há perdoasse um dia se fosse possível. Então ele se aproximou ao ouvido dela e lhe disse, em tom firme: “E o que você diria se eu te perdoasse agora mesmo? Eu te perdôo.”. Só então ela se calou, voltando a se recostar na cama. Ele deitou ao seu lado e disse: “Eu te amo. E sei que você me ama também, não precisa dizer. Apenas descanse. Vou te trazer alguma coisa para comer.”. Ele lhe preparou um pequeno café, que pareceu ao paladar de Maria Margarida a melhor coisa que já havia comido. Nessa noite dormiu abraçada ao amor da sua vida, como nunca o havia sentido.

Ao acordar, sentia dores por todo corpo e o ar a lhe faltar dos pulmões, arregalou os olhos à falta do ar, e ouviu um grito estranho a lhe sair da boca, enquanto seu marido rapidamente acordou e olhou Maria Margarida com os olhos a saltar das órbitas, perguntou-lhe se havia tomado seu remédio da pressão enquanto ele estava fora. Ela sem conseguir lhe responder que não, pensou: “Morrerei”.

Derrepente num súbito instante, sentiu-se a cair e pode sentir a própria escuridão e nada mais.

Maria Margarida estava sentada em um banco de madeira de uma grande e arborizada praça. Olhou calmamente de um lado a outro. Não havia ninguém. Havia sim muitas flores coloridas, borboletas a voar aqui e ali, pássaros a cantar um canto jovial, e até mesmo um cachorro a dormir na grama exposto ao Sol que aquecia gostosamente no friozinho que se estabelecia.

“Onde estou?”. Pensou ela. Mas apesar de não saber absolutamente nada sobre como foi para ali estava se sentindo bem. Então esticou as pernas e dobrou um pé sobre outro.

Nesse instante percebeu alguém que vinha ao encontro do banco em que estava sentada. Era um senhor de idade, talvez uns 57 anos, mas aparentava jovialidade e bom humor. Usava uma calça jeans azul, tênis branco, uma jaqueta preta de couro fechada com uma manta laranja saindo de dentro dela a se enrolar no seu pescoço, e um boné verde sobre a cabeça. Tinha os cabelos brancos, e trazia um jornal debaixo do braço. E ela ficou feliz por ver alguém!

Ele se aproximou e antes de sentar no banco a sua esquerda, sorriu e disse em voz suave, mas firme ao mesmo tempo:

- Bom dia Maria!

Ela devolveu o sorriso, feliz! O senhor após se sentar tirou o jornal debaixo do braço, dobrou as pernas e começou a lê-lo.

Ela olhou a praça novamente. Ouvia-se apenas o cantar dos passarinhos. Ela olhou para ele e disse:

- Olha senhor eu estou meio confusa... Poderia-me dizer onde estamos?

- Onde todos querem estar.

Disse ele sem tirar os olhos do jornal. Parecia muito concentrado.

Ela se calou, sem antes levantar uma sobrancelha. Olhou a praça novamente. Não queria ser chata nem nada, mas não agüentou e perguntou-lhe:

- Me desculpe a pergunta... Mas quem é o senhor?

Ele então fechou o jornal, dobrando-o cuidadosamente, deitou-o sobre as pernas, cruzou as mãos, olhou para ela, e disse calmo e bem humorado, pausadamente e entre sorrisos:

- Não se preocupe! Todos me perguntam isso o tempo todo. Uns guerreiam em meu nome, outros me culpam por suas falhas e tem até quem não acredita que eu exista! Haha! Mas eu estou sempre aqui, esperando com calma por todos, esperando que eles entendam que os dei a liberdade, mas até é engraçado sabe, por que eles esperam que eu faça tudo por eles... Mas eu sei que um dia cada um no seu tempo vai entender.

- Eu estou sempre aqui, e ao mesmo tempo dentro de cada um. Ouvi seu lamento, vi suas lágrimas, e entendo a sua dor, mas foi você que decidiu alcançar um patamar mais alto até mim dessa forma, e a única coisa que eu poderia fazer e fiz foi te dar coragem para vir até aqui. Agora Maria Margarida você deve voltar, para ter mais uma vida feliz. Lembre-se, estou sempre aqui, dentro de você.

Ele sorriu um sorriso doce e branco. Tão branco que a cegou.

Maria Margarida abriu os olhos. Sabia onde estava. Ao lado da cama de hospital seu marido lia um pequeno livro. Maria sentiu-se feliz porque ele estava ao seu lado. E lhe disse um pequeno e feliz: “Oi!”.

Largando o livro depressa, ele lhe disse, tão feliz quanto ela:

- Oi meu amor! Como você está se sentindo? Está bem? Vou chamar um médico.

Apertou a campainha do hospital para chamar alguém. Ela continuava a sorrir, enquanto o via aflito e feliz. Esperou que ele lhe voltasse os olhos e disse:

- Eu te amo!

Passado todo o tempo de recuperação do ataque cardíaco que Maria Margarida teve, ela voltou para casa e para o casamento.

Sabia que estava mudada, diferente, e hoje agradecida por tudo.

Entendi agora, porque ela não tinha certeza de seu amor, e sentia-se tão sufocada e triste. Não era ele que faltava com ela e sim o contrário. Numa conversa que tiveram logo após sua melhora, ela disse:

- Meu amor, você é livre! Livre totalmente para fazer o que quiser! Você é como uma linda ave, livre para voar aonde quiser, mas eu confio plenamente no nosso amor e sei que você voltara até mim. Corro o risco de você me fazer sofrer, mesmo assim isso não vai fazer com que deixe de te amar. Apenas peço que se um dia achares que não me ama mais, vá embora. E que se em qualquer momento se arrepender e quiser voltar, volte. Pois estarei a sua espera sem nenhum ressentimento, porque sei que a vida é mesmo assim. E te amo tanto quanto a mim, e confio nesse amor. O verdadeiro amor é Divino!

Agora, Maria Margarida estava pronta para seguir em frente sem traumas, pois gravado na sua alma estava o sentimento de que Deus todo dia nos dá a chance de mudarmos e sermos felizes, mas é preciso o esforço próprio de cada um e a cega confiança na coragem que Ele nos dá, porque dessa forma nos tornaremos mais fortes e capazes.

Tainá Janaína da Rosa.

04/06/2007