"Apoiada, a coragem nasce até mesmo naqueles que são muito covardes."
- Homero
Nem Tudo Que Ouvimos
É Mentira
Amélia ouvia aqueles comentários sobre a mulher perfeita sem dar um piu. Maldita hora que seu pai escolheu seu nome por causa daquela canção do Mário Lago e Ataulfo Alves. Ficava calada enquanto o pessoal cantava e tirava sarro da cara dela. Como ela odiava essa canção.
Tantas outras canções com nomes femininos, como 'Rosa Morena' do Caymmi ou 'Tereza da Praia' de Jobim. Versos que cantam as mulheres desejadas e reais, não a mulher criada pela mente fantasiosa do homem.
Todo dia era a mesma ladainha: "Cadê minha comida, Amélia?!" Quantas vezes mais vai ter que ouvir, "Tá frio! Tu tá longe de ser aquela mulher de verdade! Sempre atrapalhada, sua preguiçosa!", e pensou: "Quem manda chegar tão tarde." Melhor agradar o desgraçado do que ouvir os xingamentos e desaforos. Haja ouvidos.
O nome do desgraçada: Homero. Esse com certeza tem nada a ver com o grande filósofo. Segundo Homero, o Pensador, poucos filhos são semelhantes ao pai; a maioria é inferior, poucos são melhores que ele.
Pois bem, Homero não puxou ao pai, Seu Vicente, um verdadeiro gentleman e romântico. Um amor de criatura que só ele. Amélia acha o Homero a versão masculina cuspida e escarrada da sogra, Dona Regina. Amélia tinha pavor de gerar um Homerinho ou uma Regininha. Como seria a vida dela se tivesse um filho? Cópia do marido ou da sogra? Melhor nem imaginar, apenas evitar.
Por que não separar? Ouvia as barbaridades daquele desgraçado: "Como? Separar a essa altura do campeonato, Amélia? Tá louca, mulher! Boto fogo em você e no filho da puta que tá botando minhoca onde não deve! Você tá entendendo mulher!? Tá lendo entre as linhas? Tá?" Amélia tinha muito, muito medo. Se pelo menos existisse um filho da puta qualquer. Mas não havia. Estava sozinha e a mercê do Homero.
Aquela manhã parecia infinita lá no SUS. Mês de outubro é mês de prevenção do câncer de mama e estava cheio de mulheres de todas as idades. Melhor não vacilar. A longa espera valia a pena. Enquanto sua vez não chegava, Amélia fechou seus olhos, mas os ouvidos estavam atentos a tudo, principalmente à conversa sobre os mais variados diagnósticos que duas enfermeiras comentavam. Era cada um. Começou a pensar, mas logo foi interrompida com a atendente chamando seu nome. Finalmente, chegou a sua vez. Durante a consulta, aquela conversinha entre as enfermeiras ecoou em sua cabeça.
A médica fez o exame do toque, deu uma olhada geral na Amélia, solicitou exames e lhe informou que todos os resultados estariam na unidade entre duas a três semanas. Do jeito que a saúde anda nesse país, melhor sentar e esperar um mês e olhe lá.
No caminho para casa, Amélia parou no mercado. Estava tão alegre que resolveu fazer algo especial para seu marido, e ainda paparica-lo com sua cerveja predileta. Ele merecia. Como merecia.
Veja só! Promoção de cerveja! Justamente a marca predileta do Homero e na latinha como ele adora. Nossa! Fala em conspiração das estrelas! Amélia foi logo botando dez fardos no carrinho. Cada um continha seis latinhas, portanto, sessenta cervejas. Na certa, Homero ficaria doidinho ao ver aqueles fardos.
Ao passar no caixa da sua amiga Lourdes, a compra não passou despercebida. Ela notou o capricho todo da Amélia e sussurrou: "Vai fazer uma comidinha gostosinha para alguém especial, amiga?" Lourdes sabia que Homero não merecia nada especial. Aliás, todos sabiam que o Homero não valia nada. Será que ...
"Sim, amiga! Vou fazer um jantarzinho romântico para o meu marido. Estamos comemorando trinta e dois anos de casados. Preciso caprichar, né?" Lourdes foi logo passando a compra, toda escolhida a dedo: palmito, salmão, azeitonas pretas, aspargus, molho à madeira, leite condensado, leite de coco ...
e os dez fardos de cerveja em lata. Quando Lourdes tocou na tecla fechando a compra, o valor que apareceu na tela nem chocou a Amélia: R$469,96. Ela apenas sorriu e pagou a conta com o maior prazer do mundo. Antes de se despedir da amiga, Amélia perguntou: "Lurdinha, você consegue essa cerveja em lata que tá em promoção por um precinho ainda mais em conta?" A amiga a fitou e respondeu: "Deu pra sustentar a bebedeira daquele demônio, Mé? Tá louca?" Amélia não perdeu o rebolado, estava animada além da conta e perguntou: "Consegue ou não, Lurdinha? Diga logo por que tô com pressa." A amiga fez que sim com a cabeça. "Então, compre trinta fardos para mim. Pode ser? Levo o dinheiro amanhã na sua casa. E pode pedir para entregar no meu endereço?" Mais uma vez, Lurdinha fez sim com sua cabeça e Amélia se despediu e saiu daquele mercado radiando toda luz e alegria que ocultou por mais de três decadas.
Homero desconfiou das gentilezas e bom humor da esposa, mas e daí? Tinha cerveja à vontade e da marca que ele gostava, e ainda na latinha. A comida estava uma delícia, sem contar sua apresentação fabulosa no prato. Amélia era perfeita com detalhes, mas só quando queria.
Depois da sexta cerveja, a mulher que não fazia nenhuma exigência, nunca pediu luxo nem riqueza, ofereceu um 'momento spa' ao marido.
"Homero, que tal eu cuidar dos seus pés? Dou uma boa lixada e faço aquela massagem gostosa. Você passa muito tempo em pé. Seus pés precisam de um carinho. Não acha?" Amélia pegou o marido desprevinido de palavras. Seu rosto revelou um certo espanto, mas a idéia não era nada mau.
Homero não ganhou apenas uma massagem, mas também teve suas unhas cortadas, lixadas e pintadas com um esmalte especial para unhas masculinas. Amélia ainda passou um óleo especial para secar mais rápido.
Ao terminar, Amélia chegou bem pertinho do marido, pegou nas suas mãos e disse bem baixinho: "Que tal eu cuidar dessas mãos também?" Homero sorriu debochadamente e sussurrou ao pé do ouvido da Amélia: "Cuida das minhas mãos, mulher. E pode cuidar de todo resto também." Amélia entendeu. Ela sempre entendeu as necessidades do Homero. Ajoelhou, mas não foi para rezar.
Alguns dias depois, Amélia comentou que precisava de panelas novas e que o mercado perto de casa estava em promoção. Bom mesmo era o brinde: uma forma de pudim, tipo banho maria de alumínio antiaderente. Homero sorriu e disse: "Toma aqui o meu cartão de crédito, mulher. Vá comprar as panelas e quando for na Marisa, vê se compra uma calcinha bem sexy. Calcinha de mulher sem vergonha, Amélia. Tá bom? E preta. Traga logo uma vermelha também."
Amélia agradeceu fazendo biquinho, depois sorriu como garota safada e saiu cantarolando bem baixinho num tom incrivelmente sexy. A canção era aquela que sempre odiou desde que se entendeu por gente: 'Ai! Que Saudades Da Amélia'.
Enquanto aguardava o resultado da sua mamografia na sala do SUS, Amélia começou a pensar. Seria impressão dela? As gentilezas todas deixaram o Homero mais carinhoso? Ou será que o plano já estava fazendo efeito? Ela não sabia. Nem pretendia fazer perguntas. Nem googular ou surfar pela internet. Vai lá saber se algum xereta visse algo no seu lap top ou celular, alguma prova da sua culpa. Melhor confiar no que ouviu naquele dia ali no SUS. A médica lhe entregou sua mamografia com um sorrisão estampado na cara e disse: "Seus seios estão bem, Dona Amélia. Parabéns! E até o ano que vem."
Homero andava muito bonzinho ultimamente, sem contar os hábitos saudáveis que começou a praticar. Escovava os dentes mais de cinco vezes ao dia, sem contar os bochechos com enxaguatório bucal. Fazer as unhas e os pés toda semana virou ritual, mas só com a sua amada Amélia e mais ninguém. O bom mesmo era que o danado andava cheiroso demais. Na hora de passar seu desodorante roll on, ele caprichava mesmo. Gastava um por semana. Vez ou outra ele se oferecia para fazer alguma tarefa doméstica. Quem te viu, quem te vê Homero! Frequentemente, a Amélia pedia que fosse ao mercado e lhe entregava uma lista. Comprava tudo e ainda um pouco mais. Além das latarias, biscoitos, petiscos e os hortfrutigranjeiros, não faltava a sagrada cerveja. Certa vez, Homero trouxe sua cerveja predileta em garrafa e Amélia brigou feio com ele, afinal seu maridinho merecia tudo de bom, do melhor e se cerveja geladinha era sua preferência, era essa cerveja que ele tomaria, nem se ela tivesse que pagar por esse pequeno luxo do seu homem. Homero se apaixonou pela nova, obediente e dedicada Amélia e seus dons culinários que desconhecia.
O peixe no papelote da Amélia devia nada ao da Ana Maria Braga. Todos os dias ele comia que nem um rei ou como se fosse o homem mais rico do mundo. Que empenho dessa sua mulher para agradá-lo. Que bom que comprou aquele jogo de panelas de alumínio! Veio com a forma de pudim e agora saboreava sua sobremesa predileta todos os dias: pudim de leite com muito caramelo.
O primeiro sinal que seu plano estava dando certo foi quatro meses depois daquele jantar especial. Homero teve uma crise renal no trabalho que quase o matou de tanta dor. Homero era mais forte que um touro. Nunca faltou ao trabalho. Era um exemplo de funcionário em todos os sentidos, por isso o Sr. Medeiros achou melhor que Homero tirasse férias. Quem sabe, duas semanas. Era muita dor abdominal e sua pele começou a ficar coberta por pequenas manchinhas. Lá foi a Amélia levar o marido ao SUS.
O médico deu uma olhada naquele senhor de quase cinquenta e sete anos e foi logo perguntando se gostava de beber. Homero respondeu: "Homem que é homem tem que beber. Concorda doutor?" O médico, na verdade um residente, foi logo lendo o bê a bá para o paciente: "Nada de bebida alcoólica, ok? Vamos cortar toda gordura e entrar numa dieta rigorosa. Se você bobear, Sr. Homero, vai conversar com Papai do Céu antes da hora."
Homero ficou bem preocupado e foi logo dando um basta na sua cervejinha e passou a tomar suquinho. Comprava sucos prontos em lata para deixar na geladeira para quando a Amélia não estivesse em casa para fazer seus sucos. Assistia aos seus jogos de futebol e tomava duas latinhas: uma no primeiro tempo e outra no segundo. Muitas vezes preferia tomar suco pronto para não incomodar sua santa esposa. Quanta mudança em sua vida. De seis latinhas de cerveja para duas de suco em questão de dias e sem sua calabresa frita para petiscar. Só Deus sabia como Homero sofria a cada anúncia de cerveja que passava na telinha durante os jogos. Até sentar na sua poltrona ficou complicado por causa da hemorroida. Homero desconhecia esse desconforto até então. Que maré de azar! Mesmo não sentindo melhora significativa, resolveu não fazer mais nenhuma consulta com o médico frangote que nem soube diagnosticar direito o seu problema. Se voltasse, o cretino cortaria sua carne de vez e passaria uma dieta vegana. Deus o livre!
Uma semana passou e mais uma vez Homero perguntou pela mãe. Amélia fez um carão e disse bem sério: "Sem graça, Homero. Pára com isso, por favor." Mas ele insistia em saber onde estava a sua mãezinha querida que faleceu sete anos atrás. A cada semana um novo problema surgia e Amélia sentia mais e mais culpada, mas não havia volta.
Seis meses depois daquele primeiro jantarzinho que foi o ponta pé inicial para dar cabo no marido, o inevitavel aconteceu: Homero morreu e Amélia, pela primeira vez na vida, procurou ser aquela Amélia da canção do Mário Lago e Ataulfo Alves.
Segundo o atestado de óbito, Homero morreu por insuficiência renal crônica.
Amélia fez questão de vestir o Homero pela última vez. Reparou como o abdômen do falecido estava inchado e sua pele coberta por feridas. Tadinho do Homero. Sofreu que nem o pão que o diabo amassou nos últimos meses. O funcionário do IML que lhe auxiliava até comentou que nunca tinha visto unhas tão bem feitas num cadáver masculino. Amélia apenas agradeceu.
No ano seguinte, durante sua visita à medica do SUS, Amélia esbarrou com o jovem médico que cuidou do Homero. Ele acenou e falou: "Depois da sua consulta, pode dar uma passadinha no meu consultório?" Amélia balançou a cabeça que sim.
"Bom dia, Dr. Gustavo. Tudo bem com o senhor?"
"Bom dia, senhora. Queira sentar, por favor. Tenho algo para lhe comunicar."
"Obrigada, doutor. Mas o quê tem para me dizer?"
"Sabe, ano passado eu era residente aqui e estava aprendendo o ofício. Experiência não tinha, mas estava conseguindo aprender com as mãos na massa. Estudei bem o caso do seu marido e guardei a pasta dele aqui na minha gaveta. Fiquei de olho para o retorno dele, mas ele nunca voltou."
"Pois é, doutor. Homero era muito teimoso e ..."
"Como assim ... era!?"
"Ele faleceu."
"Não me diga."
"Tadinho. Sofreu muito no finalzinho. Nem imagina, doutor."
"Imagino sim. O organismo do seu marido absorveu aluminio demais. Os exames mostram uma taxa absurda desse metal. É um verdadeiro veneno, minha senhora. Excesso de alumínio desencadeia doenças auto-imunes, sem contar que acelera a degeneração do sistema nervoso e provoca falta de memória. Lamentávelmente, o Sr, Homero nunca veio buscar os exames, nem a senhora. E pensar que poderíamos ter evitado essa tragédia toda."
Para você ver que nem tudo que ouvimos na sala de espera do SUS, nem em qualquer clínica e hospital é mentira.
OBS: Acordamos de manhã e já estamos ingerindo alumínio cada vez que respiramos, comemos ou bebemos. Mas, dessa forma, só um tiquinho é absorvido, porque os pulmões, estômago e rins trabalham em conjunto para eliminar mais de 95% do alumínio ingerido. Entretanto, alumínio aplicado sobre a pele ou mesmo ingerido em excesso, pode alcançar níveis tóxicos. Alumínio é encontrado nos seguintes produtos relacionados: pasta de dentes, cosméticos (blush, sombra de olhos, batom, base, rímel hidratante para o corpo ...), esmaltes, sabonetes líquidos e em barra, medicamentos (antiácidos, em cerca de 25 vacinas, em certos produtos de dessensibilização - no caso de alergia), utensilos de cozinha (passam alumínio para os alimentos cozidos), embalagens de alimentos (latas de bebidas são perigosos, principalmente se o produto for ácido), papel de alumínio, embalagens 'tetrapack' (podem conter alumínio em contato com o líquido), aditivos alimentares (alguns são solúveis e podem atravessar a parede intestinal), água potável (produtos utilizados no tratamento da água contêm alumínio e, às vezes, a água da torneira também pode conter o metal). Por isso, procure ler os rótulos dos produtos que você consome. Você pode estar levando um inimigo para casa.
- Homero
Nem Tudo Que Ouvimos
É Mentira
Amélia ouvia aqueles comentários sobre a mulher perfeita sem dar um piu. Maldita hora que seu pai escolheu seu nome por causa daquela canção do Mário Lago e Ataulfo Alves. Ficava calada enquanto o pessoal cantava e tirava sarro da cara dela. Como ela odiava essa canção.
Tantas outras canções com nomes femininos, como 'Rosa Morena' do Caymmi ou 'Tereza da Praia' de Jobim. Versos que cantam as mulheres desejadas e reais, não a mulher criada pela mente fantasiosa do homem.
Todo dia era a mesma ladainha: "Cadê minha comida, Amélia?!" Quantas vezes mais vai ter que ouvir, "Tá frio! Tu tá longe de ser aquela mulher de verdade! Sempre atrapalhada, sua preguiçosa!", e pensou: "Quem manda chegar tão tarde." Melhor agradar o desgraçado do que ouvir os xingamentos e desaforos. Haja ouvidos.
O nome do desgraçada: Homero. Esse com certeza tem nada a ver com o grande filósofo. Segundo Homero, o Pensador, poucos filhos são semelhantes ao pai; a maioria é inferior, poucos são melhores que ele.
Pois bem, Homero não puxou ao pai, Seu Vicente, um verdadeiro gentleman e romântico. Um amor de criatura que só ele. Amélia acha o Homero a versão masculina cuspida e escarrada da sogra, Dona Regina. Amélia tinha pavor de gerar um Homerinho ou uma Regininha. Como seria a vida dela se tivesse um filho? Cópia do marido ou da sogra? Melhor nem imaginar, apenas evitar.
Por que não separar? Ouvia as barbaridades daquele desgraçado: "Como? Separar a essa altura do campeonato, Amélia? Tá louca, mulher! Boto fogo em você e no filho da puta que tá botando minhoca onde não deve! Você tá entendendo mulher!? Tá lendo entre as linhas? Tá?" Amélia tinha muito, muito medo. Se pelo menos existisse um filho da puta qualquer. Mas não havia. Estava sozinha e a mercê do Homero.
Aquela manhã parecia infinita lá no SUS. Mês de outubro é mês de prevenção do câncer de mama e estava cheio de mulheres de todas as idades. Melhor não vacilar. A longa espera valia a pena. Enquanto sua vez não chegava, Amélia fechou seus olhos, mas os ouvidos estavam atentos a tudo, principalmente à conversa sobre os mais variados diagnósticos que duas enfermeiras comentavam. Era cada um. Começou a pensar, mas logo foi interrompida com a atendente chamando seu nome. Finalmente, chegou a sua vez. Durante a consulta, aquela conversinha entre as enfermeiras ecoou em sua cabeça.
A médica fez o exame do toque, deu uma olhada geral na Amélia, solicitou exames e lhe informou que todos os resultados estariam na unidade entre duas a três semanas. Do jeito que a saúde anda nesse país, melhor sentar e esperar um mês e olhe lá.
No caminho para casa, Amélia parou no mercado. Estava tão alegre que resolveu fazer algo especial para seu marido, e ainda paparica-lo com sua cerveja predileta. Ele merecia. Como merecia.
Veja só! Promoção de cerveja! Justamente a marca predileta do Homero e na latinha como ele adora. Nossa! Fala em conspiração das estrelas! Amélia foi logo botando dez fardos no carrinho. Cada um continha seis latinhas, portanto, sessenta cervejas. Na certa, Homero ficaria doidinho ao ver aqueles fardos.
Ao passar no caixa da sua amiga Lourdes, a compra não passou despercebida. Ela notou o capricho todo da Amélia e sussurrou: "Vai fazer uma comidinha gostosinha para alguém especial, amiga?" Lourdes sabia que Homero não merecia nada especial. Aliás, todos sabiam que o Homero não valia nada. Será que ...
"Sim, amiga! Vou fazer um jantarzinho romântico para o meu marido. Estamos comemorando trinta e dois anos de casados. Preciso caprichar, né?" Lourdes foi logo passando a compra, toda escolhida a dedo: palmito, salmão, azeitonas pretas, aspargus, molho à madeira, leite condensado, leite de coco ...
e os dez fardos de cerveja em lata. Quando Lourdes tocou na tecla fechando a compra, o valor que apareceu na tela nem chocou a Amélia: R$469,96. Ela apenas sorriu e pagou a conta com o maior prazer do mundo. Antes de se despedir da amiga, Amélia perguntou: "Lurdinha, você consegue essa cerveja em lata que tá em promoção por um precinho ainda mais em conta?" A amiga a fitou e respondeu: "Deu pra sustentar a bebedeira daquele demônio, Mé? Tá louca?" Amélia não perdeu o rebolado, estava animada além da conta e perguntou: "Consegue ou não, Lurdinha? Diga logo por que tô com pressa." A amiga fez que sim com a cabeça. "Então, compre trinta fardos para mim. Pode ser? Levo o dinheiro amanhã na sua casa. E pode pedir para entregar no meu endereço?" Mais uma vez, Lurdinha fez sim com sua cabeça e Amélia se despediu e saiu daquele mercado radiando toda luz e alegria que ocultou por mais de três decadas.
Homero desconfiou das gentilezas e bom humor da esposa, mas e daí? Tinha cerveja à vontade e da marca que ele gostava, e ainda na latinha. A comida estava uma delícia, sem contar sua apresentação fabulosa no prato. Amélia era perfeita com detalhes, mas só quando queria.
Depois da sexta cerveja, a mulher que não fazia nenhuma exigência, nunca pediu luxo nem riqueza, ofereceu um 'momento spa' ao marido.
"Homero, que tal eu cuidar dos seus pés? Dou uma boa lixada e faço aquela massagem gostosa. Você passa muito tempo em pé. Seus pés precisam de um carinho. Não acha?" Amélia pegou o marido desprevinido de palavras. Seu rosto revelou um certo espanto, mas a idéia não era nada mau.
Homero não ganhou apenas uma massagem, mas também teve suas unhas cortadas, lixadas e pintadas com um esmalte especial para unhas masculinas. Amélia ainda passou um óleo especial para secar mais rápido.
Ao terminar, Amélia chegou bem pertinho do marido, pegou nas suas mãos e disse bem baixinho: "Que tal eu cuidar dessas mãos também?" Homero sorriu debochadamente e sussurrou ao pé do ouvido da Amélia: "Cuida das minhas mãos, mulher. E pode cuidar de todo resto também." Amélia entendeu. Ela sempre entendeu as necessidades do Homero. Ajoelhou, mas não foi para rezar.
Alguns dias depois, Amélia comentou que precisava de panelas novas e que o mercado perto de casa estava em promoção. Bom mesmo era o brinde: uma forma de pudim, tipo banho maria de alumínio antiaderente. Homero sorriu e disse: "Toma aqui o meu cartão de crédito, mulher. Vá comprar as panelas e quando for na Marisa, vê se compra uma calcinha bem sexy. Calcinha de mulher sem vergonha, Amélia. Tá bom? E preta. Traga logo uma vermelha também."
Amélia agradeceu fazendo biquinho, depois sorriu como garota safada e saiu cantarolando bem baixinho num tom incrivelmente sexy. A canção era aquela que sempre odiou desde que se entendeu por gente: 'Ai! Que Saudades Da Amélia'.
Enquanto aguardava o resultado da sua mamografia na sala do SUS, Amélia começou a pensar. Seria impressão dela? As gentilezas todas deixaram o Homero mais carinhoso? Ou será que o plano já estava fazendo efeito? Ela não sabia. Nem pretendia fazer perguntas. Nem googular ou surfar pela internet. Vai lá saber se algum xereta visse algo no seu lap top ou celular, alguma prova da sua culpa. Melhor confiar no que ouviu naquele dia ali no SUS. A médica lhe entregou sua mamografia com um sorrisão estampado na cara e disse: "Seus seios estão bem, Dona Amélia. Parabéns! E até o ano que vem."
Homero andava muito bonzinho ultimamente, sem contar os hábitos saudáveis que começou a praticar. Escovava os dentes mais de cinco vezes ao dia, sem contar os bochechos com enxaguatório bucal. Fazer as unhas e os pés toda semana virou ritual, mas só com a sua amada Amélia e mais ninguém. O bom mesmo era que o danado andava cheiroso demais. Na hora de passar seu desodorante roll on, ele caprichava mesmo. Gastava um por semana. Vez ou outra ele se oferecia para fazer alguma tarefa doméstica. Quem te viu, quem te vê Homero! Frequentemente, a Amélia pedia que fosse ao mercado e lhe entregava uma lista. Comprava tudo e ainda um pouco mais. Além das latarias, biscoitos, petiscos e os hortfrutigranjeiros, não faltava a sagrada cerveja. Certa vez, Homero trouxe sua cerveja predileta em garrafa e Amélia brigou feio com ele, afinal seu maridinho merecia tudo de bom, do melhor e se cerveja geladinha era sua preferência, era essa cerveja que ele tomaria, nem se ela tivesse que pagar por esse pequeno luxo do seu homem. Homero se apaixonou pela nova, obediente e dedicada Amélia e seus dons culinários que desconhecia.
O peixe no papelote da Amélia devia nada ao da Ana Maria Braga. Todos os dias ele comia que nem um rei ou como se fosse o homem mais rico do mundo. Que empenho dessa sua mulher para agradá-lo. Que bom que comprou aquele jogo de panelas de alumínio! Veio com a forma de pudim e agora saboreava sua sobremesa predileta todos os dias: pudim de leite com muito caramelo.
O primeiro sinal que seu plano estava dando certo foi quatro meses depois daquele jantar especial. Homero teve uma crise renal no trabalho que quase o matou de tanta dor. Homero era mais forte que um touro. Nunca faltou ao trabalho. Era um exemplo de funcionário em todos os sentidos, por isso o Sr. Medeiros achou melhor que Homero tirasse férias. Quem sabe, duas semanas. Era muita dor abdominal e sua pele começou a ficar coberta por pequenas manchinhas. Lá foi a Amélia levar o marido ao SUS.
O médico deu uma olhada naquele senhor de quase cinquenta e sete anos e foi logo perguntando se gostava de beber. Homero respondeu: "Homem que é homem tem que beber. Concorda doutor?" O médico, na verdade um residente, foi logo lendo o bê a bá para o paciente: "Nada de bebida alcoólica, ok? Vamos cortar toda gordura e entrar numa dieta rigorosa. Se você bobear, Sr. Homero, vai conversar com Papai do Céu antes da hora."
Homero ficou bem preocupado e foi logo dando um basta na sua cervejinha e passou a tomar suquinho. Comprava sucos prontos em lata para deixar na geladeira para quando a Amélia não estivesse em casa para fazer seus sucos. Assistia aos seus jogos de futebol e tomava duas latinhas: uma no primeiro tempo e outra no segundo. Muitas vezes preferia tomar suco pronto para não incomodar sua santa esposa. Quanta mudança em sua vida. De seis latinhas de cerveja para duas de suco em questão de dias e sem sua calabresa frita para petiscar. Só Deus sabia como Homero sofria a cada anúncia de cerveja que passava na telinha durante os jogos. Até sentar na sua poltrona ficou complicado por causa da hemorroida. Homero desconhecia esse desconforto até então. Que maré de azar! Mesmo não sentindo melhora significativa, resolveu não fazer mais nenhuma consulta com o médico frangote que nem soube diagnosticar direito o seu problema. Se voltasse, o cretino cortaria sua carne de vez e passaria uma dieta vegana. Deus o livre!
Uma semana passou e mais uma vez Homero perguntou pela mãe. Amélia fez um carão e disse bem sério: "Sem graça, Homero. Pára com isso, por favor." Mas ele insistia em saber onde estava a sua mãezinha querida que faleceu sete anos atrás. A cada semana um novo problema surgia e Amélia sentia mais e mais culpada, mas não havia volta.
Seis meses depois daquele primeiro jantarzinho que foi o ponta pé inicial para dar cabo no marido, o inevitavel aconteceu: Homero morreu e Amélia, pela primeira vez na vida, procurou ser aquela Amélia da canção do Mário Lago e Ataulfo Alves.
Segundo o atestado de óbito, Homero morreu por insuficiência renal crônica.
Amélia fez questão de vestir o Homero pela última vez. Reparou como o abdômen do falecido estava inchado e sua pele coberta por feridas. Tadinho do Homero. Sofreu que nem o pão que o diabo amassou nos últimos meses. O funcionário do IML que lhe auxiliava até comentou que nunca tinha visto unhas tão bem feitas num cadáver masculino. Amélia apenas agradeceu.
No ano seguinte, durante sua visita à medica do SUS, Amélia esbarrou com o jovem médico que cuidou do Homero. Ele acenou e falou: "Depois da sua consulta, pode dar uma passadinha no meu consultório?" Amélia balançou a cabeça que sim.
"Bom dia, Dr. Gustavo. Tudo bem com o senhor?"
"Bom dia, senhora. Queira sentar, por favor. Tenho algo para lhe comunicar."
"Obrigada, doutor. Mas o quê tem para me dizer?"
"Sabe, ano passado eu era residente aqui e estava aprendendo o ofício. Experiência não tinha, mas estava conseguindo aprender com as mãos na massa. Estudei bem o caso do seu marido e guardei a pasta dele aqui na minha gaveta. Fiquei de olho para o retorno dele, mas ele nunca voltou."
"Pois é, doutor. Homero era muito teimoso e ..."
"Como assim ... era!?"
"Ele faleceu."
"Não me diga."
"Tadinho. Sofreu muito no finalzinho. Nem imagina, doutor."
"Imagino sim. O organismo do seu marido absorveu aluminio demais. Os exames mostram uma taxa absurda desse metal. É um verdadeiro veneno, minha senhora. Excesso de alumínio desencadeia doenças auto-imunes, sem contar que acelera a degeneração do sistema nervoso e provoca falta de memória. Lamentávelmente, o Sr, Homero nunca veio buscar os exames, nem a senhora. E pensar que poderíamos ter evitado essa tragédia toda."
Para você ver que nem tudo que ouvimos na sala de espera do SUS, nem em qualquer clínica e hospital é mentira.
OBS: Acordamos de manhã e já estamos ingerindo alumínio cada vez que respiramos, comemos ou bebemos. Mas, dessa forma, só um tiquinho é absorvido, porque os pulmões, estômago e rins trabalham em conjunto para eliminar mais de 95% do alumínio ingerido. Entretanto, alumínio aplicado sobre a pele ou mesmo ingerido em excesso, pode alcançar níveis tóxicos. Alumínio é encontrado nos seguintes produtos relacionados: pasta de dentes, cosméticos (blush, sombra de olhos, batom, base, rímel hidratante para o corpo ...), esmaltes, sabonetes líquidos e em barra, medicamentos (antiácidos, em cerca de 25 vacinas, em certos produtos de dessensibilização - no caso de alergia), utensilos de cozinha (passam alumínio para os alimentos cozidos), embalagens de alimentos (latas de bebidas são perigosos, principalmente se o produto for ácido), papel de alumínio, embalagens 'tetrapack' (podem conter alumínio em contato com o líquido), aditivos alimentares (alguns são solúveis e podem atravessar a parede intestinal), água potável (produtos utilizados no tratamento da água contêm alumínio e, às vezes, a água da torneira também pode conter o metal). Por isso, procure ler os rótulos dos produtos que você consome. Você pode estar levando um inimigo para casa.