AMORES, AMORES...
ESTÓRIA 1
AMOR...MAS ERA REBATE FALSO
Um AMIGO me mostrou um suplemento bissemanal dentro de famoso jornal diário onde a parte feminina era basicamente... feminina: receitas culinárias, ensinamentos e segredinhos úteis (lar & família), moda, maquilagem e cabelo, artesanato, bonecos e bichos de pano, recadinhos de uma associada a outra, isto é, pedidos ou perguntas e respostas. Só que um marido entusiasmado, excelente cozinheiro em casa (marido ideal sob esse ponto de vista?!) escreveu e pediu para ser colaborador - sabia fazer massas maravilhosas. Foi aceito sob o pseudônimo de “ALEGRIERI”, isto mesmo! Alegrinho eterno que cozinhava cantarolando ou assobiando cançonetas. Em seguida, enviou receitas de doces. Acontece que todas as ‘pastas’ italianas dele e as sobremesas tinham nomes de obras famosas - A MANDRÁGORA (ravióli com ervas), EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (cabrito assado), PORTO DOS MILAGRES (prato com bacalhau “estrangeiro”), ROMEU E JULIETA (torta de queijo ricota e goiabada) e muitos outros. // Aí, um segundo marido, professor de Português e Literatura, sugeriu, sem prejudicar o jornal-clube, uma única página de criatividade onde alguém pudesse publicar contos e crônicas. Ideia magnificamente aceita. (EU, inocente, ‘herdei’ as sobras, tadinho de mim, pobre amigo.........) Empolgado, meu AMIGO (ou “in-“?) se inscreveu também sob pseudônimo, só que não escrevia era nada de nada nunquinha. Tinha lábia, enganou na conversa a diretora do tal jornalzinho que o imaginou super literato e encomendou uma crônica para o próximo domingo. Saiu da redação com um sorriso por fora e grande interrogação por dentro, enlouquecido. Tarde da noite veio me “visitar” (ah, estranhei, “aqui-tem-coisa-lá-vem-bomba!”) - tentou se justificar... ainda se a loura de olhos esmeralda ao menos tivesse falado CONTO... mas CRÔNICA? Repetidamente expliquei a diferença “CONTO X CRÔNICA”. Tão simples... Desisti e mandei que abrisse o ‘jogo de cartas’: o que pretendia de mim. // Repetiu minhas palavras. “Tão simples...” Pediu logo de cara que EU escrevesse uma crônica em nome dele e entregasse em mãos, na hora. Vacilei, inspiração em cinco minutos?! Em todo caso, lembrei uma tagarelice na hora do almoço desse dia, escrevi ANÔNIMA... (mini conto?) e salvei o fulano em um mínimo. Publicaram, enlouqueceu, emoldurou o recorte de jornal e colocou na parede da sala. Dias depois pediu uma segunda crônica, já é abusar! Desta vez “assim maiorzinha, dois parágrafos um pouquinho mais extensos”. Grudou na minha casa, ligo a tevê, visitou geladeira, lanchou, deitou no sofá e dormiu. Bom, aí fui praticamente obrigado a escrever pois só assim me livraria dele. Crônica UM VELHO TEMA. Acontece que por descuido, pelo hábito mesmo, no lugar do autor coloquei meu próprio nome. ELE devia estar fingindo pois se levantou quando fechei o notebook. Levou o papel, imaginei estar livre. // Publicaram com o meu nome, embora EU não constando do cadastro do tal clube feminino-masculino, pode? ELE ficou furioso, telefonou quase aos berros e que agora até a deusa grega de olhos verdes queria me conhecer... Relutei, mas sou admirador das enigmáticas mulheres em geral, verdadeiros teoremas indecifráveis, fui ao jornal, conversamos, ditei pausadamente para ELA os algarismos do meu telefone, “se algum dia precisar de um (nada modesto) escritor amador... blá, blá, blá...” - esclareci bem esclarecido: “..mas sem compromisso de continuidade”. Notei a um canto uma moça que segurava CONTOS DOS IRMÃOS GRIMM, ainda bem longe dos trinta anos, rosto vagamente conhecido (teorizei no cérebro e idealização de um próximo conto: quem? fazendo o quê? quando? onde?), levantou os olhos para mim, sorriu com ar de tristeza, retribuí em cumprimento desinteressado - fui embora. // Céus! Lembrei o vexame há cerca de um mês. Num botequim pé-sujo, EU no balcão do cafezinho! Virei de lado bruscamente e derramei respingos de café quente na blusa dela. E agora na redação do jornal, o mesmo sorriso que novamente me pareceu triste. // Meio da semana. Por incrível que pareça, ELA telefonou para mim Identificou-se como a moça do café, depois EU ”escrevera para ELA” e nos encontramos (?) no jornal. Sim (a moça dos dois sorrisos tristes pensei) - aceitei marcar um encontro. Na mão, uma página de jornal um tanto amassada, por intuição calculei ‘talvez’ a minha crônica. Era! Mostrou-me, disse que se emocionara muito e chorara três dias seguidos sem saber como fazer contato direto. Perguntou se EU a amava desde o primeiro minuto e se o café derramado fora pretexto de aproximação. Entendendo, sinceramente, EU não estava. Em minutos, observei uma certa palidez, o lábio vagamente trêmulo e do lado esquerdo lágrima querendo cair. Mãos geladas. Disse e ao ler a crônica sentiu que EU me dirigira timidamente a ELA, mas que era solteira e poderíamos casar. Se houvesse um buraco no chão, palavra, EU me jogaria dentro ou me deixaria engolir por um leão. Amo ser sozinho. Sim, confirmei tê-la visto. Expliquei ter escrito aleatoriamente a primeira parte da crônica e a segunda EU dediquei a uma moça imaginária por quem o autor seria secretamente apaixonado. ELA entendeu. // Aí, sorriu triste pela terceira vez e falou séria: “EU tenho nove anos.” Mostrou nove dedinhos. Tomei um susto muito grande e só então entendi estar diante de uma pessoa doente. Senti um cheque emocional, fiquei sem ação, mas me controlei, ELA pediu um sorvete, escolhemos o mesmo sabor e ofereci para levá-la em casa. // A mãe me revelou a intrigante estória. Fora uma criança normal até certa manhã em que acordou um tanto febril, ‘talvez’ de emoção. Sobre o sofá um traje branco de Primeira Comunhão - vestido de tecido entremeado com rendas e coroa de flores miúdas segurando pequeno véu: anjo ou pequena FADA? Entraram na igreja católica do bairro, meninas de vestido longo de um lado, meninos de terninho e gravata do outro. A febre aumentou de repente. ELA balbuciou algo como “Meu Deus, quantas noivas juntas!” Segurou a mão do pai e perguntou: “Meu noivo ainda não veio?” Desmaiou. Alguns dias em coma, a febre passou, mas estacionara entre ‘ter’ nove anos de idade e ao mesmo tempo noiva abandonada no altar. Cérebro apenas parcialmente danificado, inclusão numa escola pública onde respeitavam seus limites, concluindo por conta própria o fundamental sem nunca repetir série alguma. ELA, sim, enigmática e indecifrável até para o neurologista DAVI que a trata desde o primeiro dia, quando ainda era um bastante jovem acadêmico, e um vislumbre para o setor de psiquiatria - ELA, grande digitadora e arquivista. Daria uma esposa um tanto limitada, médico sabe e a aceitará quando a moça não mais o vir como ‘meu amado tio doutor”. Terapia ocupacional? “Trabalha fora” (refeições no emprego, vale-transporte e ‘mini’ salário... por conta do departamento de ação social) - voluntária na ala infantil do hospital israelita: conta as estórias tradicionais e depois textualiza remontagem de CONTOS DE FADAS com a garotada. Sonha casar e ter filhos. Possibilidades ‘mil’ por cento - nenhum desnível físico. Fiquei pasmo! Insanos somos todos nós, os outros? // Garanto que estes, PRÍNCIPE Doutor e PRINCESA Paciente, será felizes para sempre.
ESTÓRIA 2
AMOR NASCEU DA... “TEORIA LITERÁRIA”
1---Num sótão (mal assombrado?), achei um velho caderno com aulas de literatura. Levei comigo. Ensino médio. “Protagonista - sofre o conflito, isto é, o problema a ser resolvido; antagonista - cria angústia e expectativa para o personagem principal; narrador-personagem - primeira pessoa narra a estória que também viveu; nível do ser - o que realmente é X nível do parecer - será que é?” // Não localizei o *conto, não sei título, autor. No baú da memória, através de algumas anotações soltas, palavras sublinhadas como rascunho de algum estudo, me surgiu apenas a figura talvez imaginária de personagem estrangeiro, um rei-mendigo, “pinta de GARY COOPER” - havia descrição de “quase dois metros de altura”, descrito num casaco em xadrez roto, barba crescida, cabelo em desalinho, olhos em azul claro, “na certa um estrangeiro passando apertos fora de casa”. “Com aquele jeito encabulado, ele lembrava os bons tempos de GARY COOPER em pape de mendigo.” (Qual o filme?) ----- Última frase não explicada: “Preciso dos dois dólares (...) cama.” ----- Sobre o narrador, somente isto: “Não sei como (...) eu estava feliz da vida (..) Olhei de baixo para cima............” --- Aí, /EU, atual narrador; fantasiei: alguém pintoso, mais alto que EU, ‘me’ (ao narrador dentro do conto) pedindo um dinheiro para a hospedagem noturna... Pode ser. Continuei arrumando a estante e rasgando papéis velhos de aulas antigas. Na minha cabeça, porém, duas expressões fundas: nível do ser nível do parecer.
2---Era uma tarde de sábado, EU livre para... para... para qualquer coisa. Bom, em casa me computador antigo, na linha de doação, e o novo, recém-instalado. Aprendi com uma AMIGA a “teoria literária do 1-2-3” esquema dos contos de fada, vi em bate-papo o nick COLOMBINA: protagonista? Triângulo amoroso, conflito, arrisquei ser ao mesmo tempo ARLEQUIM e PIERRÕ, dois antagonistas perturbadores entre si, num golpe baixo, assumo o ‘mea culpa’, mas-porém-contudo-todavia num tempo recorde consegui atrair ‘minha’ senhorita. EU parecia um pouco alucinado, conversando com ELA, correndo de um canto a outro do quarto, deslizando em cadeira de rodinhas, assumindo personalidade peralta, personalidade triste. Conheço muito bem a cidade em que ELA reside e rapidamente seria fácil ir ao encontro. Ora, nível do ser - acreditei-a uma pessoa sincera (mulher sincera?!) porque falava para “um” e “outro” sempre a mesma descrição, opinava igualzinho, questionava idem. Nível do parecer - o insincero, falso, mascarado era EU. Descendente de italianos, la signorina sabia tudo sobre commedia dell’arte a partir do século XV e “nos” (a mim, duplamente) deu fartas lições. Se usei palavras repetidas, não sei, se ELA desconfiou, não sei, mas de repente ELA denunciou para ARLEQUIM o assédio discreto de PIERRÕ e para este o assédio nada sutil de ARLEQUIM. Danadinha, ELA! Assim, EU saí de reservadamente , mudei para diálogo em aberto e descaradamente passei a ‘discutir’ comigo mesmo, ou seja, as minhas duas personalidades se degladiaram com palavras ali, na telinha, à vista dela e de todos. Os demais internautas se envolveram: não foi desgastante, foi muito divertido. Voltamos (Voltei) ao reservadamente e exigimos (exigi) um encontro. Para minha surpresa, ELA escolheu o lacrimoso PIERRÕ. Tudo bem porque era EU do mesmo jeito. Imediatamente refleti ambíguo: sou muito ocupado (desculpa esfarrapada!), não interessado em compromisso sério (ELA doidinha para casar e ter dois filhos: comunicou rapidinho e “nos” (me) encostou na parede), nada que me atrapalhe o sonhado curso superior de Direito (embora precisando quase ao desespero de uma namorada-secretária). Marquei. No dia seguinte COLOMBINA e PIERRÔ iriam se conhecer. // Campainha. Um companheiro da faculdade surgiu em visita inesperada. Conversamos e expus a ELE a teia de aranha em que, mosca “inocente”, EU estava quase enredado. O cara caiu de gargalhada......... Tive um minuto de fúria silenciosa, mas acabei rindo também. ELE se ofereceu para ir no meu lugar. Não somos gêmeos, porém tipos físicos parecidos, o que falei de “nós” (de mim), cabia a ELE também. Ensaiei os assuntos conversados, os insultos artificiais trocados entre os “dois homens”, e só o encontrei novamente na noite de segunda-feira. Encantado, deslumbrado, apaixonado. Não me falou se ELA era bonita ou não, loura-morena, alta-baixa, gorda-magra, mas explanou sobre uma cabeça muito culta e que ELE ganhara de mim o presente mais maravilhoso do mundo. E após a última aula ainda se despediu com um “arrivederci, caro mio”... EU, hein? Ainda arrisquei outras vezes, não mais vi o nick COLOMBINA. Num tempo rápido, casamento com todo aquele exagero italiano e vieram parentes até da Europa. Comprei um presente, Não compareci. // ELE trocou de faculdade, trocou de cidade, foi trabalhar no restaurante do sogro. Não conheci a moça até o dia em que vieram me visitar. Conversa daqui e dali, a mulher, barriga enorme de gêmeos, futuros CARLO e PIETRO, acabou contando, entre risos, que a prima conversara ao computador com dois rapazes ao mesmo tempo, mas que era muito ocupada (verdade?), não interessada em compromisso sério (ELA, sim, doidinha para casar e ter dois filhos), nada que lhe atrapalhasse o sonhado curso superior de Direito... Assim, ensaiou-a sobre os assuntos conversados e acabou encantada, deslumbrada, apaixonada pelo PIERRÔ. “Perdão, amore mio! Falei!” Beijaram-se com ardor. // Troquei um olhar muito significativo com o agora italianado. // Mulher sincera?!
NOTAS DO AUTOR:
*Casualíssima localização e identificação posteriores: “MEU ENCONTRO COM GARY COOPER”, crônica de FERNANDO PINTO, 16/5/13 - republicação em Brasília Capital (jornal ou blog?), 8/10/17.
GARY COOPER - Ator anglo-estadunidense, altura 1.90 - carreira iniciada em 1920, atuou em mais de 100 filmes, em especial estilo ‘western’, duas vezes vencedor do prêmio Oscar de melhor ator.
F I M