Cada palavra escrita pra ela ou um conto Noir.

Cada palavra escrita pra ela ou um conto Noir.

Ela existe e tem umas pernas bem legais.

***

Estávamos sentados a mesa conversando sobre qualquer coisa. Vi Sarah entrando naquele bar.

- Olha quem está aqui – eu disse e todos olharam discretamente pra ela.

- Fui eu quem convidou – Andrew disse.

- O quê?

Ele se levantou e acenou pra ela. Que merda. Sarah logo nos viu ali e veio. Tentei não olhar enquanto ela se aproximava, mas foi impossível. Aquelas pernas... Que pernas. Já fazia quatro meses desde o termino de nosso caso ou romance ou como você quiser chamar. Fiquei tenso.

Olhei de baixo à cima daquele corpo. Que corpo... De baixo pra cima porque, como eu já disse, ela tinha umas pernas que me faziam suar frio. Que pernas... Vestia-se com uma blusa preta longa e um short bem curtinho. Os cabelos pareciam mais bem cuidados do que antes e os lábios estavam escondidos por um batom escuro, às vezes roxo, às vezes preto, dependia da iluminação. Usava óculos de lentes grandes e aquilo caiu muito bem. Deixou-a Sexy. Um mulherão da porra, como dizem.

Sentou-se na minha frente, ao lado de Andrew. Todos naquela mesa já se conheciam, amigos de longa data, então não houve constrangimento algum. Andrew chamou um garçom e ela quis um suco de qualquer coisa. Quem pede um suco num bar? Tudo bem. Quem liga pra isso?

- O que você está fazendo? – Andrew perguntou pra ela em determinado momento.

- Trabalhando... Faculdade... Essas coisas.

Tentei prestar atenção nas conversas e nas piadas que eram contadas, mas tava difícil. Tenho um Karma: quando as mulheres vão embora ficam dez vezes mais bonitas e vinte vezes mais sexys e cem vezes mais interessantes. Ela estava falando coisas diferentes de antes parecia mais alegre e feliz. Eu não sabia se devia ficar alegre ou não. Quem se importa? Continuei olhando pra ela e me convencendo de que ela não estava percebendo.

- Amando – ela disse ao terminar o suco – Vamos ao banheiro comigo?

Amanda era a menina ao meu lado. Elas foram.

- Cara – eu disse a Andrew quando elas já estavam longe – A Sarah ta demais!

Ele riu.

- É serio, poxa. Aquelas pernas...

- Vai tentar alguma coisa?

- Você acha que tenho alguma chance?

- Acho que ela não está namorando.

- Já é um começo.

Quando as duas saíram do banheiro tomei o resto da cerveja de uma vez. Levantei-me. Andei em direção a elas e nos encontramos, eu, ela e Amanda, no meio do bar. Amanda voltou pra mesa e nos deixou ali. Puxei-a e fomos pra calçada. Havia chovido mais cedo e estava meio frio lá fora. Ela se escorou na parede e abraçou-se e tremeu.

- O que você quer? – me perguntou.

- Bem, só planejei até aqui, na verdade.

Dei um sorriso torto e ela foi apática. Ainda tentando se aquecer olhou os carros passando como se esperasse alguém ou alguma coisa. Ninguém chegou. Nada apareceu.

- Estou com saudade – escolhi mal as palavras.

- Eu estou aqui.

- Saudade de te abraçar, beijar, conversar... Essas coisas.

- A gente não conversava.

- A gente sempre conversava sobre não conversar.

Sarah continuava se abraçando e tremendo. Fiquei desconfortável, talvez até mais do que ela.

- Vamos entrar – pediu – Estou com frio.

- Por que nós terminou? – ignorei o que ela disse. Escolhi mal as palavras.

- Por quê?

- Você nunca me falou. Só disse pra eu cair fora.

- Tudo bem eu te falo. A gente terminou porque tu é um idiota sem sentimentos. Só queria me levar pra cama e fazer coisas estranhas comigo. Quando a gente saia por aí queria me levar pros boxes ou pros provadores como se faz com uma qualquer.

- Contigo ia ser especial.

- Vai à merda – fez uma pausa e tremeu mais um pouco - E naquela vez que eu derramei coca-cola naquele teu livro de merda e tu quase me engoliu viva? Passamos mais de uma hora conversando sobre aquela merda.

- Eu disse que a gente conversava.

- Discutia é a palavra certa.

Calei-me. O que eu podia falar? Olhei pra rua procurando uma resposta, mas nada veio a mente. Talvez ela olhasse pra rua procurando uma resposta também, mas para outra pergunta.

- Tudo bem eu admito.

- Quê?

- Eu admito. Sou um boboca.

- Isso você é mesmo.

- Mas... – fiz um suspense e ela me olhou – Mas você gostava das coisas que fazíamos.

Ela procurou a resposta na rua. Tive vontade de dizer que a resposta não estava lá ou aqui, que na verdade não estava em canto algum, que não existia resposta, ou melhor, que nós fazemos as respostas. Não falei nada.

- Ta bem – ela disse finalmente – E o que você quer?

Pensei na melhor resposta possível, mas saiu:

- Você.

- Ta de brincadeira não é?! Meu irmão te detesta. Ele soube da tua basbaquice na primeira vez que te viu.

- E você?

- Eu demorei pra saca.

- Não estou falando disse. Quero saber o que você quer.

- Bem... – pensou – Eu não quero sofrer.

- A gente não precisa casar ou namorar, não precisa nem mesmo ser um casal. Vamos só...

Deixei a palavra no ar para que ela escolhesse uma apropriada. Tive medo dela dizer algo como: “vamos só te jogar da ponte”, ou coisa parecida.

- Vamos só o que? – me perguntou.

Coloquei o braço na parede atrás dela. E aproximei meu rosto devagar. Ela não saiu ou fez qualquer movimento. Nos beijamos. Um beijo quente, como dizem. Os corpos se colaram um no outro depois que os braços dela caíram como se estivesse com fraqueza ou coisa do tipo. Estávamos colados um no outro feito duas fatias de pão e manteiga. Espera, sem manteiga.

Os braços antes mortos e caídos aos poucos foram me abraçando e os meus fizeram o mesmo. Minhas mãos navegaram pelas costas dela feito um navio descobrindo os sete mares. Sim, descobrindo, afinal o corpo dela havia mudado naqueles míseros quatro meses.

Quando nossas línguas se encontraram senti o gosto de fruta misturando-se com gosto de batom, batom preto ou roxo, sei lá. Peguei nos cabelos dela com força, nada exagerado. Ela gostava daquilo.

A porta do bar deve ter se abrindo e se fechados umas três vezes e as pessoas devem ter olhado a gente se beijando na porta do bar. Havia um motel do lado e essas pessoas devem ter pensado: “por que eles não vão pro motel?”. Bem, elas não sabiam da situação.

Quando o beijo terminou Sarah abriu os olhos devagar como se quisesse aproveitá-lo até o ultimo segundo. Eu teria feito o mesmo, mas ia ficar com cara de bobo. Olhou-me por cima do óculo meio caído sobre o nariz. Ela estava com cara de boba, mas a cara de boba dela era linda. Sexy. Muito sexy. A minha cara de bobo era de quem havia lambido o sovaco de um mendigo. Se for pensar bem minha cara sorrindo também. Se pensar melhor ainda minha cara de triste também. Vamos parar de pensar.

- Diz alguma coisa – ela disse me lançando o primeiro sorriso em quatro meses.

- Isso foi ótimo.

- Foi mesmo.

Embora o beijo tivesse terminado a gente continuou como duas fatias de pão. Aquilo era bom devido o frio e porque era a Sarah. Sarah tinha a pele macia feito pelúcia.

- A gente vai voltar? – me perguntou.

- Vamos ver o que vai acontecer – aquela foi à primeira coisa certa que falei naquela noite - Vamos entrar.

Entramos no bar e quando olhei pra mesa onde estavam sentados nossos amigos vi Rafael, o irmão de Sarah, sentado na minha cadeira.

“Que merda” pensei.

- Que merda – falei.

- Fica de boa.

- Vou “ficar de boa”, mas se ele for dar um de espertinho...

- Ele não vai fazer nada – disse segurando minha mão.

Sarah gostava de segurar a minha mão e eu gostava quando ela fazia, admito. Parecia uma mão de pelúcia. Você entendeu... era macia.

Peguei uma cadeira de outra mesa e sentei ao lado de Sarah. Ele me cumprimentou de cara feia e olhou para a irmã com reprovação, pelo menos é o que me pareceu. Sarah fingiu que não viu e eu fiz o mesmo. Só vou atacar se ele atacar. Enquanto ele ficava falando um monte de besteira eu fiquei pegando nas pernas de Sarah. Eu tava com saudade poxa.

- Para de beber – Amanda disse pra namorada dela – Nada de escândalo hoje.

- Vou maneirar.

Aos poucos foram se formando casais distintos na mesa e só ficamos conversando de dois em dois. Andrew e Rafael, Amanda e a namorada, eu e Sarah.

- Quer um pouco de cerveja? – perguntei.

- Estou parando.

- Parando? Por que faria isso?

- Quero ser uma pessoa melhor.

- Legal.

- Você devia tentar.

- Mas eu gosto de cerveja.

- Devia tentar ser uma pessoa melhor – me corrigiu.

- Dá pra fazer isso com um copo de cerveja na mão?

Deu uma risada discreta. Acompanhei.

- Você não mudou em nada – me disse. Me beijou. Beijo no bar não é legal. Foda-se as pessoas. Beijo gostoso. Beijo no bar é legal.

Ela estava bem inclinada pra frente e aquilo era bom, significava que ela tava afim mesmo. Ajeitei a cadeira e fiquei lado a lado com ela. Passei meu braço sobre o ombro de Sarah e ela deitou a cabeça em mim. O cabelo estava cheiroso. Cheiro de fruta, morango talvez.

O irmão dela olhou a cena por um instante e Sarah deu um sorriso sínico pra ele. Rafael virou a cara. Pegou o celular.

- Já volto Andrew – disse e saiu digitando alguma coisa no celular.

Acompanhei os passos de Rafael até a porta do bar. Ele estava ligando pra alguém.

- Que idéia foi essa? – perguntei a Andrew.

- Quê?

Andrew tinha um sorriso fixo no rosto e aquilo era estranho se você ficasse tempo de mais olhando.

- Por que convidou o irmão dela?

- Bem – se explicou – Eu queria ele e Sarah queria você. Fizemos um trato.

- Você me queria é?! – perguntei pra Sarah.

Ela só sorriu.

- E ainda fez aquela cena toda lá fora.

- O que você queria que eu fizesse.

- Não estou reclamando. Gostei.

Rafael voltou e com um sorriso largo esbanjado naquele rosto liso. Olhou-me fixamente como um doido olha pra mocinha nos filmes antigos. Ficou assim por um longo período e eu fiquei encarando de volta.

- Qual foi? - perguntei.

- Nada não, mano.

Ele nunca tinha me chamado de mano, afinal eu não era mano dele. Desconfiei. Pra quem ele tinha ligado? Revistei os bolsos a procura de qualquer coisa ilegal. “Vai que ele ligou pra policia”, pensei. Não havia nada de ilegal conosco, ou melhor, o olhar dele não era legal, mas estava dentro da jurisdição então...

Andrew retomou a conversa e Rafael parou de me olhar feito um idiota. Voltei a conversar com Sarah. A namorada da Amanda não parava de beber.

- Preciso ir ao banheiro?

Fomos ao banheiro. Esperei-a do lado de fora, obviamente, e fiquei olhando pro bar e as pessoas que estavam ali. Outros casais se beijavam e ninguém ligava praquilo, as pessoas não estavam nem aí na verdade. Liguei o foda-se também.

Vi um cara entrando no bar e indo direto pra mesa e falando com o irmão de Sarah. Eles se cumprimentaram e o estranho sentou-se na minha cadeira. “Que filho da puta”, pensei “Essa já é a segunda cadeira”.

Sarah saiu do banheiro e me deu um beijo. Me deu a mão que estava gelada e seca.

- Ta passando um filme legal no cinema – me informou.

- Qual o filme?

- Sei lá. Quer assistir amanhã?

- Claro.

Andamos um pouco e quando ela percebeu o cara que havia se sentado na minha cadeira ela parou.

- Opa... – disse.

- Quê?

- Vamos pra outro canto.

Fiquei sem entender.

- Ir pra outro canto?! – perguntei com uma careta – Quem é aquele cara?

Rafael levantou-se apontou pra gente. O cara olhou e veio até nós. Encarou-me. Sarah ficou sem ação. Fiquei parado no maio daquele bar olhando o rosto daquele idiota. Tudo bem, eu sei que nem conheço o cara nem nada, mas ele tinha uma cara de idiota da porra, pode confiar.

Parou na minha frente. Éramos do mesmo tamanho, mas ele era mais forte. Foda-se.

- Qual foi, amigo? – disse com cara de bravo.

- Não sou seu amigo – minha cara era de bravo era naturalmente.

- Quê?

- Você entendeu.

- Fiquem quietos os dois – Sarah pediu, mas nenhum de nós moveu um único músculo. Ficamos ali encarando um ao outro. Estávamos prontos pra meter um soco na cara um do outro, na verdade.

- O Rafa disse que você está incomodando minha garota.

- Ele fala dele mesmo em terceira pessoa? Que curioso. Parece jogador de futebol.

- Quê?

Era um idiota burro. Que maravilha.

- Terceira pessoa é “ele”. Quando Andrew diz que eu estava irritando a tua garota ele na verdade estava falando dele mesmo. Entendeu?

O cara coçou a cabeça.

- Tanto faz – disse sem entender. Era um idiota burro da porra – Sarah é minha garota e tu vai cair fora.

- É mesmo?

- É.

Virei-me pra Sarah. Perguntei pra ela:

- Você é propriedade desse cara?

Sarah não falou nada. Só ficou ali parada de tremendo os lábios; prevendo o pior.

Virei-me pro idiota burro e dei um soco nele de uma vez. Um soco na cara. Eu não era forte, mas por ter sido de surpresa, com certeza foi por isso, o cara cambaleou pra trás e caiu em cima de uma menina. Ela segurava um drink e deixou cair na cabeça do idiota burro. Eu ri.

O cara se levantou de um salto. Ele tava com tanta raiva que se estivéssemos em um desenho animado a bebida na cabeça dele iria evaporar. As pessoas do bar abriram uma roda ao nosso redor e fizeram suas apostas. Ele era o favorito, sem duvida.

Veio pra cima de mim e eu tentei me defender de um soco, mas não fui feliz. Levei um soco do olho direito. Caí de uma vez no chão. Pergunto-me como não desmaiei.

Levar um murro faz a gente pensar em algumas coisas. Pensei no que havia pra comer quando eu chegasse em casas. Pão e manteiga era a resposta.

Já que eu era uma fatia de pão e Sarah era outra, talvez esse idiota burro fosse à manteiga. A questão é se eu ia ter uma refeição boa ou se um pedaço de pão com manteiga iria cair no chão e se estragar e o outro pedaço de pão ia ficar sozinho. Eu não queria ser um pedaço de pão com manteiga sozinho, ainda mais se o pedaço caído fosse Sarah.

O idiota burro jamais entenderia qual pecado era eu e qual pedaço era Sarah e não ia gostar de ser chamado de manteiga. Ele devia está pensando em... sei lá. Em nada, como sempre.

Fiquei ali no chão. Tava friozinho o piso. O fortão veio até mim e me pegou pela gola da camisa. Ele devia ter visto aquilo em algum filme ou o pai dele deve ter feito aquilo com ele. Quem vai saber?

Fez-me ficar em pé. Estragou minha blusa.

Mais furioso do que um touro depois de levar um choque e um idiota com roupas bobas subir em cima dele, disse:

- Olha aqui seu filho da puta de merda. Sarah é minha garota e...

A namorada de Amanda deu uma voadora de dois pés nas costas do otário e ele não conseguiu terminar a frase. Isso mesmo, UMA VOADORA DE DOIS PÉS!

Ele caiu numas mesas e eu fiquei ali de pé. Comecei a rir do idiota. Ele foi tentando se levantar e ficou parecendo uma vara de pescar, todo torto o bichinho. Deu até pena. As pessoas do bar apostaram no cavalo errado. O cavalo certo era o da Amanda, entenda isso como quiser.

Seguranças chegaram e viram a cena. Idiota burro, a namorada da Amanda e eu olhamos pros grandalhões. Fomos colocados pra fora.

- Agora vocês podem se matar – disse um dos seguranças ao nos jogar na calçada – Idiotas.

Pensei em dizer que o único idiota era o idiota burro, mas deixei quieto.

Ficamos ali nos olhando. Meu olho começou a inchar e se fechar. Eu precisava de gelo. Sarah saiu do bar. Olhou-me nos olhos, ou pelo menos em um deles, e foi ao encontro do idiota burro.

- Você está bem? – perguntou deixando de me olhar e se preocupando com ele. Devia ta difícil de me olhar mesmo.

- Vamos sair daqui – ele pediu e foi até uma moto legal que estava parado ali na frente do bar.

Montou na moto e Sarah ficou me olhando por debaixo daquele óculos. Devia ta pensando em como eu tava feio. Parecia um lutador de UFC no peso pena. Devia ta pensando na menina que perdeu o drink. Devia ta pensando no irmão e porque ele havia chamado o idiota burro, afinal se não fosse assim ela ia ter dois homens à disposição. Que mulher não quer dois homens? Devia ta pensando em como eu estava triste.

- Vamos logo, porra – o cara disse e ela subiu na moto. Foram embora.

Olhei com um olho só eles indo embora. Depois de dois quarteirões viraram a esquerda. “Tchau idiota burro, foi uma merda te conhecer” pensei “Tchau Sarah, o mesmo”.

- E agora? – a namorada da Amanda me perguntou.

- Preciso de gelo.

- Tenho uma cerveja aqui.

Tirou uma cerveja do bolso do casaco e me entregou.

- Valeu.

Bebi a cerveja.

JMichel
Enviado por JMichel em 08/10/2017
Código do texto: T6136778
Classificação de conteúdo: seguro