O conto do garçom do terraço do café na praça do fórum.
Nunca vi este lugar assim. Não estou reclamando. Essa calmaria me faz tão bem. Esta noite não poderia ser mais agradável.
- Boa noite cavalheiro. O que deseja?
- Dois especiais do dia, por favor.
- Pode deixar. Adiantando dois especiais!
Aqui é onde tudo acontece. Rapazes pedem as damas em casamento, as damas pedem o término, sabe, ontem mesmo veio um cidadão e parecia muito do elegante, pediu uns minutos de silêncio e nos contou que ia ser pai. Foi um alvoroço, todos contentes, até o pangaré relinchou na sua alegria. E como forma de compartilhar esta benção, ele pagou um drink para todos que estavam lá ontem.
- Amigo! Esse ... número 38, sai muito?
- Ah, com certeza mas, hoje, vou lhe indicar o 25. Receita do chefe.
- Vou confiar em você meu jovem.
- Claro, tem a minha confiança. Adiantando um 25 para agora.
O mais engraçado, se não cômico, eu me sinto em casa. Deve ser também porque eu moro no terraço. Não me importo, daqui as noites são eternas e os cafés jamais terminam. Nossa! A música? É sensacional. Sou suspeito em engrandecer todo esse amarelo da parede. Contrasta muito com as estrelas e dão um ar de sutileza no ambiente.
-Dois especiais para mesa 3 saindo!
De vez em quando, quando me mandam fazer umas entregas, aí que eu descubro por íntimo a cidade. Eu costumo dizer que a cidade é como uma dama a procura de quem a amar. Eu vou pelas ruas descobrindo seus segredos, nas vielas os medos até que lá no jardim da praça eu a encontro por completa e eu a amo e amo e amo. Volto pro café extasiado. É loucura da mocidade. Me perdoem. É que eu tinha um amor, na verdade, pensei que tinha. Se eu tinha a calmaria, ele me trazia a tempestade. Que mulher meus senhores! Que mulher! Os cachos dourados me entrelaçavam de longe. Os lábios. Eu tremo só por lembrar. Que doçura, que escarlate, que fluidez. Os olhos eram azuis. Não azul de tempo tranquilo,mas, aquele de céu que precede uma ventania. Eu logo me deixei levar pelos encantos. Fazia questão de servi-la. Não a cobrava nada. O chefe me chamava atenção. Falava para eu parar de ser tolo pois ela tinha condições. E se passaram uma semana, e ela, cliente fiel. Até que, pensei nunca mais vê-la. Numa noite como esta então, saí para uma entrega. Era um casarão dos grandes. Parecia de gente importante. Bati a porta. A porta abriu e contemplei o esplendor do paraíso.
Era de manhã e o sol já havia espantado a escuridão. A cama era macia, penas de ganso no travesseiro, essência de lavanda no quarto e batom de pistache e menta. Se não foi a melhor noite da minha vida, eu não sei o que é prazer. Aquela mulher me fez delirar. A lua se escondeu pelas nuvens em respeito a nossa noite de amor.
Claro que o Chefe me puxou a orelha. Ficou gritando e perguntando onde eu estava e que estava preocupado. Eu? Não parava de pensar nela.
- Número 25 saindo!
- Meu amigo, aqui está. Aproveite e boa noite.
- Rapaz!
- Sim?
- Toma. Você é simpático.
- Isso é muito.
- Pode ficar. Faça bom proveito
- Nossa. Obrigado. Com licensa
Se passaram cinco meses e não a vi mais. O chefe contratou um garoto para fazer as entregas. Eu sempre o perguntava sobre o casarão e ele me dizia que estava tudo apagado e abandonado. Abandonado e apagado está mesmo meu coração.
Teve uma noite, agitada, era dia de música ao vivo, que chegou uma carroça bem elegante, até o cavalo tinha penteado. A dama despontou uma das pernas para fora e eu logo reconheci aquela alvidez. Era ela.
Fui correndo me esbarrando nas mesas e pedindo perdão para recebe-la quando senti o rosto quente. Que gancho de direita. Estava acompanhada por um intelectualzinho metido a besta. Mas o homem era forte. Ela? Fingiu que nem me conheceu. Foi o pior. E eu ainda a servi, o rapaz, e fiquei com cara de tacho. A vi dançar. Que corpo. Que mulher meus senhores! Que mulher. O chefe andou preocupado e me chamou num canto
- Rapaz, não se mete com ela. Essa gente não é flor que se cheire.
- Mas ela dormiu comigo chefe. Quem aquele engomadinho pensa que é.
- Ele é aquele farmacêutico que conseguiu descobrir o remédio para a doença do século.
- Ah ta. Poxa. E eu ... mísero garçom. Nossa. To muito feliz.
- Esquece isso. Sirva a todos com a simpatia de sempre, sorriso no rosto e o trabalho não para.
Confesso que foi difícil esquecê-la. Mas logo passou. Logo uns 6 meses depois. Quando a vi entrar na carroça para ir embora, ainda me olhou e mandou um beijo no ar. O agarrei e guardei no bolso. Fui recolher as louças nas mesas e havia um envelope na mesa dela. Era muito dinheiro. E um bilhetinho:
Para o único homem que amei e me fez feliz. Seja um bom rapaz. E prazer. Charlott.
Charlott. A paixão era tão desenfreada que eu nunca a perguntei o nome. Amores se vão.
Bem cedo, quando estava a limpar a loja, o garoto do jornal veio me entregar o diário. Logo na primeira capa:
Barão Guliérm e sua noiva Charlott se casam.
Felicidade aos noivos.
Fora todas as ressalvas, desilusões e desencantos, eu sou feliz. Trabalho no melhor Café da cidade,se não, do mundo.
- Você e suas histórias.
- Mas é verdade Jhon
- Não acredite em tudo que este rapaz diz Jhon
- Pode deixar Chefe
- Não dá para conversar com vocês
- Para de lorotas meu jovem e traz logo meu café.
- Doce ou amargo?
- Do jeito que a vida manda
Bom, trabalhar aqui, tem seus encantos.