O homem que conversa com as árvores

Alguns acham que sou louco, outros tem certeza. Mas para mim, não. Não me acho louco, pelo contrário, estou em plena consciência. E não me importo se os outros acham que sou louco, o que importa é o que sei sobre mim mesmo. Enquanto eles não compreenderem, continuarão achando isso.

Deixe me apresentar: meu nome é Janin e tenho 80 anos, moro em uma chácara cercada de uma imensa floresta. Desde jovem converso com as árvores, com todas elas tenho ótimos diálogos, acho-as muito inteligentes e humildes. Por isso, a minha fama de louco. Mas vou explicar para você como tudo aconteceu, como comecei a entender e conversar elas.

Cresci no interior do Pará, e desde pequeno ajudava meu pai na roça. Todos os anos tínhamos que fazer derrubada, roçar como diziam naqueles tempos. Éramos agricultores de subsistência, o que conseguíamos plantar na roça mal dava para comer. Naquele tempo a vila era cercada por floresta, então para plantar a roça tinha que derrubá-la, depois queimava, limpava o solo e aí plantávamos o que dava: mandioca, macaxeira, jerimum, maxixe, quiabo, melancia comum, etc.

Era uma sexta-feira, tinha passado a semana inteira brocando, — fazendo derrubada, roçando — estava que não suportava mais as minhas mãos devido o cabo da foice. Estava em um verdadeiro estado de cansaço, só almejava chegar a noite para poder dormir e ter descanso, ou melhor, primeiro tinha que ir para a escola, pois estudava a noite em Ourém, cidade próxima. Mas naquela noite aconteceu algo extraordinário, lembro que cheguei e me atirei dentro da minha rede, atada atrás de casa em uma casa de forno. Antes de pegar no sono, ouvi de longe o canto da saracura. Quando de repente me vi em um lugar diferente de tudo o que havia visto e estado. O lugar era seco, a relva estava cinza, qualquer sinal de fumaça pegaria fogo. O sol estava quente, sentia-me atordoado, com sede, estava descalço e a terra estava quente. Olhei para o lado para ver se via alguém, mas não vi. Estava só. Quis chorar, uma lágrima rolou.

Caí ajoelhado e encostei minha cabeça sobre eles. De repente ouvi uma voz:

— venha, saia daí, é perigoso ficar exposto assim.

Ergui a cabeça depressa para ver quem era, mas não era ninguém. Novamente a voz falou, e era uma voz feminina:

— Não estás me vendo aqui?

— Aqui onde e quem é você? — perguntei assustado.

— Olhe para frente.

Olhei e para minha maior surpresa, era uma árvore. Era estranho porque: primeiro uma árvore falando e eu entendendo; e segundo, tudo ao redor era seco, parecia deserto e aquela árvore estava ali: verde, cheia de frutos, e parecia não sofrer com o ambiente ao seu redor. Perguntei:

— Você?

— Qual o problema, nunca viu uma árvore?

— Ver já vi e derrubei várias, mas nenhuma que falasse.

— Pois é, eu falo. Não queria, mas repito, venha para junto de mim, fique aqui na minha sombra, saia daí, pois o sol vai acabar te trazendo problemas.

Realmente estava muito quente, o calor do sol penetrava a minha pele e ardia muito. Fui. Chegando debaixo, falou novamente:

— Se quiseres pode comer um dos meus frutos. A muito tempo ninguém os come. Eles caem, não apodrecem, secam; as sementes não germinam por falta d’água.

— Que triste é a sua vida — Falei.

— É triste, derrubaram todas as minhas companheiras....

A árvore chorou.

— Quem? — Quis saber.

— Eles vieram e levaram tudo. Destruíram felizes dizendo que iriam ficar ricos. Foram os da sua espécie, os humanos.

— E o que aconteceu com eles?

— Quando destruíram tudo, os rios secaram. Ali onde você estava passava um rio. Acharam que ficariam ricos com tanto dinheiro. Ganharam muito dinheiro é verdade. Mas minhas companheiras fizeram um protesto, greve de fome. Não davam mais frutos, deixavam as folhas caírem, e aí não tinham mais sombras. Depois, elas entraram em um tristeza profunda, isso tudo somado a falta de água, pois os rios e igarapés secaram. Minhas companheiras não resistiram. Foram morrendo uma a uma. Com a morte delas, o rio que lutava para ficar vivo, também morreu. Mas prometeu que com a sua morte, ficaria me saciando das profundezas da terra. Por isso, consegui resisti, estou verde e dou fruto. Pois ainda, alguns animais que não tem culpa me procuram em busca de abrigo e alimento. Vi que você é diferente dos outros humanos, aliás faz décadas que por aqui não passa nenhum. Grande parte dos humanos morreram. Morreram de sede, pois dinheiro não produz água, a vegetação sim; morreram de fome, dinheiro não dá comida, árvores sim. Outros ainda o sol os torrou.

— Que lamentável desgraça! — Falei depois de ficar pensando sobre como devia ser aquele lugar.

A árvore ficou em silêncio por alguns minutos. Percebi a profunda tristeza que ela estava. Peguei um fruto dela, na verdade não conhecia aquela árvore. Não sei se era uma mangueira, castanheira, jaqueira. Não lembro. Mas tinha um fruto saboroso. Depois de comer, fiquei com sede. Ela percebeu:

— Fure bem aí onde está a sua mão. Devagar para não doer. Depois sugue.

Eu estava apoiando minha mão nela. Como estava com muita sede, não duvidei. Peguei um graveto que deveria ser até dela mesma. Furei. Coloquei a boca e chupei. Saiu um aguá fresca, uma delícia.

— Você não ficará aqui para sempre, precisa partir. Vá.

— Para onde, se é tudo deserto e nem sei onde estou.

— Sabe sim. Você está onde sempre esteve. No seu lugar.

Quando ela disse isso senti uma coisa gelada tocando em mim. Apertava a minha barriga e me sacudia. Era meu irmão me chamando para ir para a roça.

E partir daquele dia comecei a ouvir o gemido das árvores quando lhe aplicava um golpe de foice. Disse a meu pai que não queria mais ir trabalhar na roça, pois causava sofrimento as árvores. Bem, o resultado você deve saber. Fui chamado de preguiçoso, doido e levava uma surra quando não ia fazer a derrubada. O que esse povo que diz que sou louco não entende é que eu converso com as árvores, não elas comigo. Mas não precisa que elas falem comigo, se alguém me corta sinto dor, assim como elas.

Depois de adulto fiz uma promessa a todas as árvores: fazer um santuário só para elas. Consegui essas terras onde tenho minha chácara, aliás, minha não, nossa. Todos os lugares são delas. Quando preciso de uma, sempre converso antes e explico o motivo e o que preciso e somente com o aval delas é que a utiliza. Sinto muito não poder informar onde fica a chácara, sinto-me mais protegido aqui e assim no anonimato.