CICLO INVERSO

Era sexta-feira, 14 de julho, no dia seguinte teria uma festa em minha cidade, e eu me preparava para viajar para lá e festejar. Passei a semana me preparando pra essa viagem, sabia que seria cansativo, mas aguardava ansiosamente por aquela sexta. Ainda na quinta, peguei minha mala, meu melhor sapato, minhas melhores roupas, meu quite feminino de maquiagem completo, arrumei meus cabelos, cuidei da pele, e como se me preparasse para uma ocasião especial, me certifiquei de que estava tudo nos conformes. Ainda naquuela noite, separei uma roupa bem confortável para usar durante a viagem, levando em conta o calor excessivo e a longa distância a ser percorrida.

Na manhã da sexta, me levantei cedo, peguei uma condução e fui para onde pegaria o ônibus certo para viajar. Até então era uma sexta-feira normal, como tantas outras em que viajei para lá. Antes de chegar ao destino final, onde eu planejava festejar com meus filhos e amigos, eu passaria por duas cidades. Em uma delas paramos para lanchar, mas como de costume pedi apenas um café. A parada ali foi curta e logo seguimos viagem, cerca de 1 hora e meia depois, parávamos na cidade seguinte, onde teríamos uma parada de meia hora para almoço. Mais algumas pessoas entraram naquele ônibus, e algum tempo depois saímos.

Um de meus filhos estava naquela cidade, e também faria o mesmo trajeto do ônibus, porém ele estava de moto. Foi onde eu estava, me pediu a bênção de mãe, lhe abençoei, e parti. Ele sairia algum tempo depois, tempo suficiente para chegar antes do anoitecer. Meu filho era acostumado a fazer aquele trajeto, tanto sozinho, quanto com amigos, mas naquela sexta, ele iria sozinho. Somente ele, e meu Deus.

O tempo foi passando, e diante da ansiedade pelo reencontro com a família e os amigos, o anseio pela festa que abriria mais uma temporada de praia naquela cidadela que amo de paixão, nem notei o caminho já percorrido. Alguns carros e motos passaram pelo ônibus que eu estava, alguns iam, outros vinham, mas nenhum parava.

Chegando em minha cidade, notei que algum acidente havia tido ali, era uma moto e um carro. Mas o ônibus precisava seguir viagem, e apenas olhamos, enquanto passávamos.

Comentamos sobre uma possível gravidade, mas seguimos.

Ao chegar na cidade, pedi ao motorista que me deixasse na parada mais próxima à casa de minha mãe, isso era por volta das 17 horas. Desci, peguei a mala, minha bolsa de mão e segui, já avistava minha casa e mais alguns passos eu estaria em casa.

Só que algo estava diferente, tinha mais pessoas do que o normal, tinham amigos, e minha mãe era consolada. Ao invés de questionar sobre a viagem, logo me trouxeram água com açúcar, me pediram calma, e foi então que descobri, que por ironia do destino talvez, ou por saber que eu não suportaria a dor de pegar aquela estrada, de passar pelo local daquele acidente, e que eu jamais conseguiria fazer minhas malas, sabendo que seria pra isto, descobri que havia escolhido a melhor roupa e o melhor sapato, que naquela altura do campeonato eu nem usaria mais, pra velar e enterrar meu filho.

Não importa quem estava certo, se era ele ou o motorista daquele carro com quem ele bateu, naquele momento eu havia perdido uma parte de mim, uma parte que jamais poderia vir a ser recomposta novamente, um filho é um pedaço exclusivo. Está doendo lembrar que aquela noite que imaginei que seria de festa e de sorrisos, ao lado dele, na verdade se tranformou em um final de semana de dor, de angústia e de perda. Está me faltando um pedaço. Eu não podia impedir, nada que eu fizesse evitaria aquele acontecido. Dizem que a pessoa que a gente mais ama na vida, são nossos pais, até que tenhamos um filho. E a dor mais doída, é a de perder os pais, até que se perca um filho. Hoje posso confirmar essa dor.

Está doendo, e meu coração de mãe nunca vai aceitar a partida dele tão cedo, porque ele tinha que ir tão cedo? Não, não me conformo com a sua partida, não da forma que foi, eu deveria ter ido, eu era a mãe dele. O ciclo da vida foi invertido, e eu tive que enterrar meu filho.