Cassandra
Toda vez que eu conto essa história me causa ânsia de vomito, e como tenho uma memória muito boa, ela é sempre nova, é como se tivesse acontecido ontem, mas mesmo assim, já que minha memória quase não falha, eu burlo um pouco seus detalhes, não é por maldade, mas para que eu me engane achando que posso me livrar dela. Prometo que dessa vez vou me esforçar o mais possível para ser fiel ao corrido, mesmo que minhas tripas se esfolem de torpor e de estranheza.
Eu era um adolescente e como todo adolescente tinha mais vento que cérebro na cabeça, espero não ofender nenhuma adolescente, mas é só um jeito de dizer que eu não tinha juízo nenhum. Não que eu fosse irresponsável, porém não tinha em mim as preocupações do mundo adulto. Eu Morava ainda com meus pais, eles ainda eram casados, e a casa gozava de uma certa harmonia, ninguém perturbava ninguém e eu tinha meu quarto.
Gosto dessa historia porque ela é de uma época de muita fartura, tanto de amigos, como de mulheres, quanto de sonhos. Vivíamos numa atmosfera mágica. Viver era uma elevação diária, o mundo adulto que só pipocaria nas minha cara alguns meses depois não nos pertencia, estava além da margem que habitávamos.
Então aconteceu uma dessas festas, foi logo depois do aniversário de meus dezessete anos. Minha vida estava á flor da pele e tudo que eu olhava tinha um ar de erotismo e vadiagem. Pensava nas meninas, principalmente as que eu ainda não tinha saído, e claro, no futebol e nas festas. Nesse dia estava eu, o Edu, a Flávia, a Simone, e uma moça nova da rua, o nome dela não me lembro, mas vou chamá-la de Cassandra, outras vezes chamei de Sílvia, Marlene, ou de a menina nova da rua. Bom,bebemos muito, estávamos tão afetados pelo álcool que mal conseguíamos conversar, mas a vontade de continuar ali era grande, por causa da liberdade do momento, e claro, por causa de Cassandra que sua presença deixava todos nós exibidos e excitados.
Eu nunca havia visto uma moça tão sexy, e seu jeito calado, passava uma elegância incrível e seus olhos de tão misteriosos me fazia sentir embriagado e perdido . Como a Flávia estava com a gente, eu fazia tudo pra esconder meu interesse, e a mesma coisa fazia Edu, que só um cego não percebia sua inquietação.
Estava claro que toda aquela movimentação era coisa nova pra ela, não parecia dessas meninas chegada em coisas modernas, era mais do tipo caseira, só que seu rosto revelava não sua condição, mas seu desejo de fazer coisas diferentes. Essa análise não é minha, Edu que me chamou na varanda e me disse: “Ela está com vontade de se divertir”. E quando Edu falava algo a gente prestava atenção. Entre nós ele era o mais sacador, o cara que mãe era psicologa e que cresceu ouvindo essas questões dentro de casa. Além do mais, o Edu era o mais adulto, o que mais se dava bem com as meninas, simplesmente porque sabia conversar coisas que ninguém dos outros meninos se interessava, mas as mulheres adoravam, coisas como a vida, o sexo, a idade, as frustrações, os desencontro amorosos, e ainda embasava tudo em termos de filosofia, era um cara muito sacador e diferente da gente, uma maturidade que não parece com a dos nossos pais. Ele se preocupava com aquilo que os homens definitivamente não estavam nem ai.
A noite estava clara, o céu muito estrelado e ar fresco soprava nossos rostos. Então tivemos a ideia de acender uma fogueira no quintal. Minha casa era muito grande, o quintal ia até atrás do quarteirão, um lugar cheio de mangueiras e com muros muito altos que nenhuma casa da vizinhança poderia ver o que acontecia do nosso lado. Fizemos a fogueira, o Edu foi comprar mais bebida. A Flávia providenciou uns lençóis que estendemos no chão e Simone foi até a cozinha trouxe uns queijos que havia esquentado na chapa.
Passou alguns instantes o Edu voltou com duas vodkas, refrigerantes e alguns limões. A festa estava armada. Todos muito animados, com exceção de Cassandra que não falava nada, apesar de não expressar descontentamento. Ela nos olhava com curiosidade, que nos deixavam um tanto envergonhado. Ela bebeu um pouco de vodka e foi se soltando, e logo passou a interagir mais, e quanto mais ela bebia mais solta ela ficava, solta de um jeito lânguido, e falava como se na verdade quisesse gemer, excitante, mas que nos dava uma angustia esquisita, a final, aquilo não era comum entre a gente, e nem entre as meninas. Depois de uns trinta minutos ela era toda o centro do encontro, quase não nos deixava falar de tanta coisa que ela contava, e quanto mais ela bebia, mais revelava a inclinação dela em relação as meninas, não dava muita bola pra gente. Fato que tanto eu como Edu sacamos ao mesmo tempo.
Então nos olhou de um jeito comprido e faiscante e perguntou se podia contar uma história que aconteceu com ela. Evidentemente, dissemos que sim, e mesmo com nossa assertiva ela perguntou de novo: tem certeza? essa fala dela nos trouxe imediatamente para os nossos corpos, uma tensão tomou conta do grupo, então ela começou a falar, primeiro rodeando assunto, mas pondo virgas na sua história do que propriamente contando-a.
Cassandra tomou um longo trago de coca cola com vodka olhou pra céu escuro, respirou como se já estivesse aliviada e nos narrou o seguinte acontecimento. Ah, já ia me esquecendo, disse que só nos contaria o que estava em sua garganta porque no dia seguinte ela iria partir e não haveria olhares atravessados em sua direção nos próximos dias.
Ela começou assim: "uma vez eu matei um cara", como assim matou um cara? perguntamos quase em coro. Ela continuou nos olhando fixo, e logo retrucou, calma... deixa eu contar a história. Nesse ponto eu dou a palavra a ela, porque como ainda está na minha cabeça sua narrativa, será melhor para não nos perdermos.
(A fala de Cassandra)
"A primeira vez que fugi de casa, eu tinha doze anos, nunca parei de fugir, as vezes voltava quando não dava certo, outra hora meu pai me achava, ou simplesmente porque queria, porque a direção escolhida não era a melhor. E de tanto fugir me tornei boa nisso, até que chegou uma hora que fugir definitivamente. Isso já faz três anos, creio que meu pai já desistiu, de certo, isso me entristeceu, mas serviu como resposta, eu não era mesmo bem vinda naquela casa.
Olha só, esse caso que vou contar nunca contei, guardei a vida inteira comigo, portanto não pense que estou aproveitando a ocasião que estou sendo acolhida, pense mais que estão me ajudando. Como já deve ter imaginado, se são minimamente, a pessoa que mora comigo na casa aqui da rua não é meu pai, é um homem que conheci numa dessas viagens, ele se apaixonou e calhou dele cuidar de mim. Ele não sabe, amanhã vou embora e nunca mais vou olhar na sua cara, e vou simplesmente porque sou assim, me canso de tudo e de todos, então parto, fujo, como queira chamar.
Numa dessas fugas consegui carona com um homem, que riu durante toda viagem, dizia não acreditar que eu estava fugindo, que pensava que essas coisas aconteciam apenas em livros, foi legal conhecê-lo, me deu algum dinheiro e me deixou numa cidade chamada Canto da Serra. Foi a primeira vez que estive fora de casa e sem saber o que fazer comigo. Fiquei nesse lugar alguns meses, na beira da estrada era onde mais ficava, prestando favores para alguns caminhoneiros, e outras profissões da estrada. Então voltei pra casa, mas nada ali era pra mim. Não suportava minha mãe, meu pai e toda a aquela gente da rua querendo saber o que aconteceu comigo. E logo depois, já estava com catorze anos, talvez treze, nunca sei mesmo. e como deve saber uma menina de treze tem muita facilidade na vida, principalmente se for bonita e não ter vergonha dos homens. Os homens são muito generosos sabia? eles me ajudaram muito nessas viagens e claro que são ótimos cobradores também, é nesse ponto que começo a odiá-los, se faz alguma coisa pra você, tenha certeza que querem algo em troca. Isso não os torna menos generosos. Eu não era mais virgem, apesar de nunca ter transado de verdade, é que tive muitos momentos de brincadeiras com algumas pessoas da minha cidade, uma vez um senhor que se dizia meu tio, só que era apenas amigo do meu pai, me encurralou na casa dele, abaixou minha calcinha e afundou a língua dentro de mim, nunca havia sentido algo tão assustador e gostoso ao mesmo tempo. Toda vez que queria de novo ia na casa dele, eu nunca contei pra ninguém e ele me abastecia de tudo que eu queria, roupa, sapado, dinheiro pra passear. Além de outras brincadeiras com alguns rapazes da cidade, teve um que me fotografou a noite toda, mas não me tocou, tirava fotos sem parar e suava muito, se masturbava e jogava a porra no copo de cerveja, um coisa coisa louca e vazia, esse cara era mesmo muito perturbado, vocês não acham?
Numa fuga fiquei numa cidade muito perto da minha, entrei no bar e contei uma história para o dono da venda, disse coisas horríveis sobre meu pai, que ele me abusava, que eu não sabia a quem recorrer, e que eu tinha muito medo de falar pra alguém, ele ouvia com uma atenção que ninguém havia me dado na vida. Claro que me convidou pra ficar um tempo morando nos fundos, bastava que eu limpasse o local pra ele a noite, e que ainda me daria um dinheiro que eu poderia juntar e pagar alguma coisa somente pra mim. Aceitei, só que como falei, quase nada é de graça pra mim, a noite ele esfrega o pau dele em todo meu corpo e me fazia chupar ele até engasgar, passou uns meses e tive que fugir, sabe porque? porque eles sempre querem mais, nunca estão contente o que que damos, nunca estão satisfeitos, e acham que se tornaram nossos donos, que não podemos olhar pra ninguém, ficam ciumentos e temerosos. Por isso que os odeio depois de um tempo, toda vez que começa, sem onde vai terminar. "
Então ela ficou em silêncio, disse que estava com muito frio e se a gente se importava se ela fosse rapidamente na casa dela pegar uma roupa mais quente, e que gostaria muito que a gente a esperasse, pois a história ia tomar um rumo que eia fazer sentido. Evidentemente, estávamos todos numa especie de transe, quase sem respirar, uma nuvem de perguntas em nossas cabeças, e qurendo saber quem ela matou e porquê.
Evidentemente, concordamos com a interrupção. Levei ela ate a porta, disse que não demoraria e que pudesse encher novamente o corpo dela e que seria bom umas azeitonas. De um jeito frio e já sem tanto interesse disse que faria isso. Voltei para os meus amigos, ninguém comentava nada, uma coisa tensa abateu em todos, aquele rosto belo, aqueles olhares sedutores, aquela pele bronzeada e firme, o vapor da sua fala, toda aquela emanação de desejo não rimava como tudo que ela havia dito, a inocência desmascarada .
Esperamos um monte ela não voltou, depois de mais de uma hora resolvemos levar as meninas pra casa. Todas estava retraídas, e nós homens também, mas ainda se fazendo de tranquilo. No caminho de volta conversando com o Edu, ele disse que era tudo mentira, tem meninas que mentem pra se destacar no grupo, ela é só uma menina compulsiva que quer chamar atenção. De todo modo, eu emendei: não quero ela na minha casa. Ele como sempre falava coisas muito inteligentes sobre o comportamento das pessoas, principalmente das meninas que faziam tudo pra deixar as outras pra traz numa competição. E que esse comportamento fatalmente se esbarra na falta de amor e compreensão e que se pudesse conversaria com o pai dela, pois isso poderia lhe trazer problemas na vida.
Edu, continuou dizendo que se ela não matou ninguém, pareceu mais que a história ficou exagerada e ela perdeu a mão e deu pra traz. Despedimos e fomos cada um pra sua casa.
Os próximos dias foram diferentes, ficamos mesmo tocados por tudo aquilo, não somente pela história, mas pela convicção que Cassandra passava. A vida volta aos trilhos, minha mãe descobriu algo que se passava com meu pai, algo secreto deles, anunciaram a separação. Estava uma barra. Então teve um dia que estava um grande movimento na frente da casa que Cassandra morava. A polícia foi chamada, um cheiro insuportável de coisa morta estava saindo de lá. A porta foi arrebentada. No sofá, um homem dormia com uma faca no pescoço. Cassandra veio a minha mente, Edu apareceu e fez cara de quem estava errado. Logo a vida se tornaria muito difererente.