O PADRE E A MORENA
Jacob, numa noite de verão enluarada resolve caminhar pela cidade em busca de um ar fresco, já que o seu dia havia sido cansativo por conta de uma solução para um problema ligado a sua vida profissional. Passando em frente a um barzinho na zona do cais eis que uma morena linda, esbelta de cabelos longos e cacheados, corpo de violão o cumprimenta com um aceno convidando-o a sentar-se junto à mesa para uma conversa a princípio sem compromisso. Diante de tal convite Jacob resolve aceitar iniciando-se um longo papo a noite a fora.
- Olá tudo bem? Eu sou Madalena, mas me pode chamar de Mada como sou conhecida por estas bandas. E você como se chama?
- ah... Eu me chamo Jacob, tudo bem com você?
- Agora estou melhor. Até então estava muito baixo astral. Sozinha sem ninguém para conversar. Você passou por aqui e não sei por que me deu vontade de chama-lo para conversar um pouco ou talvez a gente emendar a noite, afinal está muito bonita a noite. Olha que lua linda está no céu olhando para a gente, percebeu isto?
- Claro, claro... Realmente está muito bonita, deve ser lua cheia, não é mesmo?
- Pra falar a verdade não entendo nada disso. Não sei distinguir quando é lua nova, cheia, crescente... Essa baboseira que as pessoas tanto falam. Uns dizem que nossa vida é regida pela lua, outros falam que é pelo sol. Penso serem umas pessoas que viajam na maionese legal. E você acredita nestas baboseiras?
- Não saberia te responder de uma forma convincente, pois penso que cada um tem uma maneira de entender a vida. Suas crenças, seus conceitos são muito individuais, desta forma imagino que ninguém tem o direito de interferir na caminhada de cada pessoa. Veja só neste recinto aquele grupo de pessoas fala alto demais, gesticulam demais. Percebe-se que alguns já estão alterados devido o efeito do álcool com certeza. Naquele lado outro grupo de pessoas conversando de uma maneira mais comportada sem muito alarde. Eles não estão atrapalhando os outros clientes que fazem parte deste contexto etílico. Nós mesmos estamos conversando num tom agradável, onde cada palavra que ouvimos penetra em nossos ouvidos de uma forma cadenciada e assim conseguimos processar todas as informações que estamos trocando neste momento. Podemos dizer que cada um tem e leva a vida conforme sua compreensão, desta forma vamos brindar a vida. Percebes?
- Você é psicólogo, filósofo, intelectual ou o que? Pois da forma que você fala me parece ter conhecimento de causa. Esta sua forma mansa de falar, já percebi que nossa conversa vai longe.
- Eu sou um pouco de tudo isto e mais, escritor. Quanto à forma de eu falar, realmente sou calmo, desde menino. Sempre procurei falar pausadamente, numa tonalidade onde se possa ouvir sem atrapalhar quem está ao meu redor. Eu não me incomodo quando alguém chama minha atenção a respeito de minha forma de falar, me sinto bem assim. Mas como é mesmo seu nome?
- Meu nome é Madalena, mas todos me chamam de Mada. É para não esquecer, de agora em diante me trate apenas de Mada e não precisa usar o tratamento você, use tu, fica mais próximo, entendeu? Quer dizer que escreves também?
- Sim, sim, claro. Mada o que faz estares sozinha neste local? Não tens amigos? Afinal qual a tua atividade profissional? Seria uma professora? Uma doutora? Uma secretária? Uma personal trainer ou algo parecido?
- Ainda não percebeste qual a razão de eu estar aqui sozinha? Tu és um cara ingênuo ou queres zoar de mim?
- Não entendi.
- Como não? Porque uma mulher bonita, gostosa feito eu estaria sozinha neste barzinho? Filosofando a vida é que não é. Aliás, me deves uma resposta. Pensas que eu esqueci, evidente que não. Minha memória é muito boa.
- Que resposta te devo?
- Quem tu és?
- Eu sou Jacob, já me apresentei.
- Espertinho tu és. Quero saber a tua vida profissional, já que perguntaste sobre mim. O que fazes da vida afinal? És bandido, banqueiro, artista, maloqueiro?
- Garçom mais um chope, por favor.
- Também quero um... Estou esperando Jacob, quem tu és?
- Vamos fazer o seguinte tu falas quem realmente és em seguida abro o jogo contigo certo?
-É difícil de acreditar que ainda não entendeste o que eu faço da vida. Eu sou uma mulher da vida, faço programas entendeste agora cara?
- Ok, ok era isto que desejava ouvir com todas as letras.
- Certo, agora me diz quem tu és.
- Não vá te assustar, eu sou um padre.
- Um padre? Estás gozando de mim, né? O que um padre estaria fazendo nesta hora, neste lugar? Caçando alguém? Se era isto, já conseguiste euzinha aqui. Olha este corpão não te satisfaz? Não acredito, é demais para uma noite só. Quem vai acreditar nesta história se eu contasse para alguém?
- Calma Mada, não é nada disso que estás pensando. Meu dia hoje foi muito atribulado em razão de uns problemas na minha paróquia. Como hoje não tenho compromisso com meus fiéis resolvi caminhar um pouco, colocar meus pensamentos em dia e conhecer a vizinhança. Estou a pouco tempo neste bairro, conheço poucas pessoas. Então na minha caminhada me chamaste e resolvi atender teu pedido, assim conheço mais uma paroquiana.
- Que paroquiana que nada, eu não vou à igreja desde a minha adolescência. Não acredito em mais nada, depois do que me aconteceu, me revoltei. Hoje faço o que minha cabeça manda e nada mais. Não dou mais ouvido a padres, freiras, pastores e tudo que tenha ligação com religião. Deus morreu para mim. Já estou com vontade de ir embora, se eu adivinhasse que fosse um padre jamais teria chamado. A como me arrependo.
- Porque esta mudança temperamental tão brusca? Parece que visse o capeta na tua frente. Calma precisamos conversar. Penso que não foi por acaso teres me chamado para uma conversa e tomarmos um chope. Penso estar necessitando de abrir o coração para alguém. Sinto-te muito angustiada, vamos conversar mais sério quem sabe eu possa te ajudar? Se quiseres me ver como um padre tudo bem, do contrário podemos conversar como bons amigos onde te sinta liberta de conceitos e preconceitos. Uma coisa é certa e creio que já percebestes minha intensão não é fazer programa contigo, pelo contrário te ajudar se possível.
- Agora já não sei mais como te tratar, se de senhor padre, Jacob.
- Da mesma forma até então me tratavas. Nada muda o nosso tratamento. Queres partilhar comigo tuas angustias? Limpar um pouco este coração endurecido?
- Como sabes o que passa dentro de mim?
- Acabastes de falar a pouco quando me identifiquei sendo um padre. Tuas revoltas vieram à tona, isto eu percebi com clareza. Mas fique a vontade. Se não quiseres tocar no assunto a gente muda o foco da conversa.
- Se estás esperando de mim uma confissão pode ficar tranquilo que daqui não sai nada.
- Ok ok. Mudamos o foco da conversa então. Vou falar um pouco da minha vida. Eu desde garoto sempre tive uma fascinação pela igreja. Participava das solenidades especiais, ajudava o vigário da minha paróquia, fui coroinha, fazia teatrinho nas datas natalinas e pascais. Cada vez mais me inteirava do dia a dia da igreja, até que um dia eu decidi ser padre para o espanto de meus familiares. A bem da verdade meus pais não eram assíduos frequentadores dos serviços religiosos, não que eles negassem, mas tinham uma visão um pouco além dos dogmas estabelecidos pelo catecismo católico. Penso que herdei um pouco desta visão de meus pais. Não que eu descredite na minha igreja, mas vejo um pouco além assim como alguns confrades e até algumas autoridades eclesiásticas. Mas paralelo aos meus estudos de seminário, sempre escrevia alguns rabiscos em folhas soltas. Um dia resolvi juntar tudo isto e escrever um livro, pois este era a minha vontade. Meus colegas e superiores se espantaram com minha decisão e procuraram me desviar deste intento. Persisti até o final chegando o grande dia da publicação, muitos convidados, então resolvi discursar a respeito da minha vida. Minhas escolhas, minhas ilusões e desilusões, minha intensão de escrever meu primeiro livro com um propósito de lançar outros num futuro próximo, pois a escrita é minha segunda paixão.
- E a primeira paixão qual é?
- A primeira é meu sacerdócio, disto não abro mão.
- O conteúdo deste livro aborda qual assunto? Amor? Paixão? Sedução?
- Um pouco de cada, podemos assim falar. Principalmente o amor fraternal, paixão pela vida e sedução por um sonho a realizar.
- Hum... Deve ser interessante ler este livro.
- Posso te ofertar um, pois ainda tenho em minha biblioteca alguns exemplares. Passa um dia na casa paroquial que lá estarei a te esperar.
- Sei não. Recebe na tua casa uma pecadora, feito eu?
- Pecadora? Quem sou eu para julgar a ti ou outra pessoa seja lá quem for? Quando Madalena foi apresentada a Cristo, sendo julgada pelos seus por adultério, Cristo mandou que quem não tivesse pecado atirassem a primeira pedra. E o que aconteceu? Todos saíram em debandada sem jogar uma pedra sequer. Esta parábola explica bem que não devemos julgar ninguém, pois nós todos sem exceção somos passíveis de erros. Então como podemos julgar os deslizes do outro se amanhã pode acontecer conosco, talvez pior? Não Mada, não estou aqui para julgar ninguém e sim orientar aqueles que se sentem perdidos em seu caminhar, nada mais. A vida é feita de escolhas que por sua vez nós determinamos estas escolhas sejam elas quais forem, no entanto somos responsáveis pelas consequências. É necessário estarmos preparados para tal, do contrário o sofrimento vem a nos acompanhar. Este sofrimento pode significar uma perturbação emocional, sentimento de culpa ou outro mal qualquer. A nossa mente deve estar sempre arejada com bons pensamentos, sentimentos e principalmente aberta para recebermos informações várias, ideias novas, enfim estarmos de bem com a vida.
- Falando assim estás quase me convencendo a voltar à igreja e me confessar.
- Vamos fazer o seguinte: vá para tua casa reflita sobre nossa conversa sem estresses, se decidires ser a melhor escolha, o convite continua de pé. Passa na minha casa para pegar o livro que te ofertei, toma um café gostoso feito por mim mesmo e podemos continuar nossa conversa aqui iniciada. Lembre, não será uma confissão e sim uma conversação ok. Está um pouco tarde preciso voltar para casa, amanhã acordo as 05h30min para minhas orações matinais.
- Moro próximo à igreja, posso te acompanhar? Resolvi que devo ir para casa também e descansar. Gostei muito de nossa conversa, durante a semana te confirmo se passo por lá, ok.
- Então vamos caminhando. A noite está ótima para caminhar
- Realmente está ótima, a noite é uma criança.
Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 05/08/17