QUANDO JULIETA ABANDONOU ROMEU

Eu e Julieta estávamos juntos a alguns anos. Mas nos últimos tempos enfrentamos um período de crise. Acho que todo casal passa por isso. Afinal, não é fácil dividir o teto com outra pessoa sem viver desacordos e pequenos impasses cotidianos. Chega sempre uma hora em que o relacionamento desanda. Mas o pior já tinha passado e estávamos nos reaproximando e tentando superar aquele momento difícil. Foi neste contexto que saímos para jantar e depois tomar uma cerveja.

Julieta comeu pouco. Apenas beliscou o frango com fritas e se pôs a beber. Lá pelo quinto copo de cerveja, após falarmos apenas amenidades ficamos em silêncio por algum tempo e evitando olhar diretamente um para o outro. Havia chegado o momento de colocar as cartas na mesa. Eu sabia disso, mas tentava fugir da situação. Julieta, ao contrário, estava disposta a ir as últimas consequências daquele delicado jantar de conciliação. Logo quebrou o silêncio e começamos um diálogo espinhoso:

- Bom, Romeu, uma coisa que me ocorreu agora. Você acha que algum dia viveremos algo próximo da felicidade?

Eu fi uma pausa antes de responder aquela pergunta que me parecia totalmente fora da realidade:

- Olha. Eu não sei. Acho que felicidade não existe. A gente vive os momentos. Alguns bons e outros ruins.

- Pode ser. Mas a vida também é feita de períodos. Cada um deles tem um significado pra gente. Os momentos não são despidos de sensações. Quero saber se as sensações que compõe nossos momentos hoje em dia ainda te causam bem estar e significam alguma coisa boa.

-Bem. Você fala de um modo como se já tivesse uma resposta pra isso. Eu só acho que vivemos um período ruim. Mas isso não significa que não podemos concertar as coisas e seguir em frente juntos.

- Você fala como se tudo fosse fácil. Como se bastasse esquecer o passado e viver o futuro. Mas o passado determina nosso futuro. O futuro que podemos ter depende do passado que acumulamos.

-Nosso passado foi assim ao ruim para você?

- Nós fiemos algumas escolhas. A questão agora é se elas continuam valendo a pena.

- Acho que cometi alguns erros. Você também...

- Pera ai! Não se trata aqui de certo ou errado. A questão é outra. Tive que sacrificar algumas coisas na vida pra ficar com você. Eu não sei se por acaso não é o momento de viver mais pra mim e não para os seus problemas.

- Olha só Julieta, acho que eu também fiz meus sacrifícios.

- Você? Você não passa de um homem que só sabe esperar da mulher. Você nunca se preocupou realmente com o que eu quero ou deixo de querer.

-Mas do que você esta falando?

- eu estou falando de uma vida em comum que caiba dentro de nós dois.

- Você me cobra e me culpa por coisas sem sentido.

-Talvez eu não seja exatamente o tipo de mulher que você pensou...

Romeu é definitivamente um pulha narcisista como a maior parte dos homens. Fico me perguntando como pude viver tantos anos ao lado dele. E este jantar idiota para o qual ele me convidou em um boteco qualquer querendo acertar as coisas quando é mais do que óbvio que a gente não tem mais jeito.

Aceitei vir aqui porque queria ouvi-lo. Ter certeza de que não estava enganada sobre ele. Mas no fundo ele não tem nada a dizer. Só quer que as coisas continuem como estão. Nenhuma autocrítica, nenhum questionamento. Para ele tudo não passa de um mal entendido que precisamos esquecer. Mas o verdadeiro mal entendido é nosso relacionamento. Claro que isso é demais pra cabecinha dele. Definitivamente chegamos ao fim. Isso não tem futuro!

Romeu ficou olhando para mim sem saber o que dizer. Depois cuspiu qualquer resposta tentando dominar a situação:

-Olha Julieta, a gente é um casal como qualquer outro. Temos nossos altos e baixos. Se você esperava viver um conto de fadas, sinto muito. Contos de fadas não existem.

-E quem falou em contos de fada?! É você quem não se entende muito bem com a realidade, quem não consegue enxergar nada além do próprio umbigo.

Não havia futuro naquele diálogo. Tanto Romeu quanto Julieta já tinham percebido isso.

Julieta foi ficando cada vez mais exaltada diante das respostas e argumentações evasivas de Romeu. Chegou uma hora em que a discussão chamou a atenção das pessoas das outras mesas do restaurante. Uma senhora passou a olhar fixamente para o casal. Queria tomar partido de Julieta. Havia vivido a vida toda para o seu homem e, faz alguns poucos anos, quando içou viúva, percebeu o quanto tinha deixado de lado sua própria vida. A pensão que recebia não pagava seu sacrifício.

Enquanto isso um jovem que jantava com a namorada já pensando em leva-la para o motel depois dali, tinha pena de Romeu. Não entendia como uma mulher podia tratar um cara tão mal. Aquilo não lhe parecia certo. Ai de sua namorada se algum dia fizesse coisa parecida com ele.

O garçom que servia Romeu e Julieta, um senhorzinho careca e sem muitas imaginações queria mais ver o circo pegar fogo. Para ele importava o espetáculo. Não torcia para nenhum dos dois.

Roubarei do leitor o prazer de uma conclusão. Não direi como terminou esta briga e qual foram suas consequências. Cabe a cada um imaginar aquilo que lhe parecer mais provável. Afinal temos aqui um cenário mais ou menos previsível....

Afinal, não acho que seja possível um ponto final. Na verdade estamos lidando com o inicio de uma situação, com um novo momento para Romeu e Julieta. Não faz diferença se juntos ou separados. Nada mais seria como antes em suas vidas.

Já era quase véspera de ano novo . .. Mas se querem saber minha posição, sinceramente torço por Julieta. Imagino que neste exato momento muitas Julietas estão por ai brigando com seus Romeus. Talvez em condições mais dramáticas e absurdas. Gostaria de poder ter aqui o depoimento de cada uma delas...