Sobre a existência de Deus e outros casos
Era uma noite qualquer. Vi o vento alisar ferozmente os coqueiros, arrancando ruídos e um cheiro delicioso de chuva. Não tive medo, apenas receei que toda aquela cena idílica se transformasse em pesadelo de repente, assim como nos filmes de terror em que tudo começa numa praia paradisíaca e termina com cadáveres no mar. Sentei de frente para a janela e, apesar do frio, não me preocupei com agasalhos. Tudo que eu mais queria era avistá-lo chegando na curva da esquina, com mochila surrada nas costas e o boné meio virado para o lado. Mas ele não virá. Mas até que isso se transforme em concreto no meu peito, terei muito que espreitar a noite em busca do seu vulto saudoso. Essa dor nunca cessa por inteiro. A cicatriz ainda sangra, ainda arde, lateja, inflama minha alma dorida e fraca. Acendo o que talvez seja o decimo ou centésimo cigarro da noite e penso o quanto é injusto ter que viver para ver os que amamos partirem. Essa vingança divina contra minha insubordinação me provou que sim, há lá no céu algo que é mais do que a minha humilde desgraça de ser. Há algo lá que pode me esmagar com um sopro e atropelar as minhas esperanças, assim como fizera.