Julio

E daí que ele não gostasse de sentar à mesa? Não havia necessidade de aproximação, já que era assim tão... fora de si. Não havia o porquê de estar próximo dos outros, como se a realizar um ato canônico, presente em toda história da humanidade: compartilhar.

Julio resolveu ficar na cama. E daí que fossem ao parque e ele não gostasse de rolar sobre a grama, brincar no balanço, pular n'água. Via naqueles instantes momentos únicos, mas não definitivos. Eram areia de ampulheta, menos que um segundo.

" Depois viria o banho e a cama: fim do dia".

Ele não sabia era se deslocar. Seu mundo livresco não lhe permitia dar um passo. Por mais que tentasse o abismo era grande demais. Uma vez dentro e ele se desesperaria.

- Mas você não se enturma! Você é chato!

Como se a sua presença fizesse nascer as flores. Julio só pensava em se compreender. Que se danassem as flores. Para ele, ser homem era cada vez mais morrer. O mundo era grande demais!

Então vieram os primos; todos iguais; da mesma família.

- Julio, por que não vem pra fora?

"Vem pra fora Lázaro!"

Lembrou das aulas de catequese. Do enfadonho decorar de regras. Da falsa liberdade de Deus. Lembrou de como odiava decorar as regras. Para ele. Deus não era um sonho, mas uma prisão. Olhava o céu pela suja janela e a odiava. Quando sua Filomena, sua catequista, foi ao banheiro, não exitou: cuspiu raivosamente no chão.

- O Julio cuspiu no chão!

Gritavam as crianças.

Diante de Filomena não negou. Ofegante, como se precisasse de uma libertação, chorou. Era a sua primeira rebeldia.

Com os primos pensava ser atrevido. Todos deveriam saber que a sua posição diante do mundo era a de um "não". Um "não" positivo; de aprofundamento. Por isso, sempre admirou o mar...

- Julio , vem!

E as vozes o perturbavam. Desejava o mar. Um "não" enorme; uma imensidão impossível de estar aqui, estar ali. Uma liberdade inegável.

Estava decidido: não brincaria naquela tarde. Outra vez.

Passaria o resto da vida em seu quarto. Fora da história do mundo; dentro de si mesmo. Seus 13 anos lhe permitia isto: dizer que era um extraterrestre. Sim, começaria pelo seu quarto. Logo entraria em contato com a lua. Sentia a noite se aproximar.

E ele viu que ela veio.

Da sua janela podia ver a lua. E a admirava alta. Colossal como os guerreiros das histórias noturnas; histórias sem nome, surgidas das profundezas das horas noturnas.

- Julio, apague a luz! É hora de dormir!

A voz maternal soava longe. Voz de quem contava as suas histórias antes de dormir. Voz dum passado não tão distante, mas que já lhe causava saudade.

Também podia ouvir o mar. Mesmo a kilômetros de distância ouvia a liberdade. Entre uma e outra voz ele próximo à janela aberta. Indeciso a qual voz se prostrar, gemia timidamente.

Entretanto, ao observar a lua sentiu-se impelido à liberdade. Como um comandante a ditar-lhe um segredo ela se aproximava mais. E Julio, aberto para a grande novidade, de mão abertas, sentia a brisa costeira avolumando-se e o acobertando.

" Sim".

Num salto, Julio sentiu o abraço do mundo. Um "não" sonoro estatelado no chão, no mar, soou longe; atravessou a vasta área terrena e atingiu os céus.

WAMOURA
Enviado por WAMOURA em 26/08/2017
Código do texto: T6095699
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