INFERNO

Thaís estacionou o carro debaixo de uma árvore, sentindo-se segura entre as sombras dos galhos. Era noite, passado das 22 horas e o fato de estar sujeita a assaltos ou a qualquer outro tipo de violência não a amedrontava. Seu corpo todo tremia de raiva.

Fazia somente vinte dias que Estevão havia rompido o relacionamento. Entre namoro e noivado haviam sido três anos. Ele alegara excesso de trabalho e falta de tempo para manter uma relação. Mesmo que tudo parecesse morno entre os dois, Thaís não esperava que ele fosse pôr um fim ao relacionamento. Pelo contrário, tinha plena certeza que iriam casar. Por mais que ela alegasse que falta de tempo não era problema, Estevão juntou suas coisas que estavam no apartamento de Thaís e foi embora para nunca mais aparecer. Muito menos ligar para dizer que estava arrependido e queria voltar.

Thaís só foi ter notícias dele naquele dia pela manhã. Laura, a melhor amiga, mandara uma mensagem por WhatsApp com uma foto que dilacerou o coração de Thaís. Por acaso do destino Laura flagrara Estevão e uma loura bonita aos amassos em plena rua. Depois, sempre seguidos por Laura, o casal entrou em um edifício elegante que era justamente onde Thaís se encontrava. Ela queria ver com seus próprios olhos a cretinice do Estevão. Só não subiria até o apartamento da vadia por não saber qual era.

Não foi preciso esperar muito tempo. Quarenta e cinco minutos depois de ter chegado, Thaís percebeu que o casal atravessava o jardim em direção à porta do prédio. As mãos de Thaís se fecharam sobre o volante. Com o coração disparado e os olhos mais frios do que nunca, ela flagrou o exato momento em que Estevão e a loura trocaram um ardente beijo de despedida. Thaís deu partida no motor. Eles que aproveitassem bem o beijo, pois seria o último da vida deles.

Um véu vermelho cobriu os olhos de Thaís quando ela arrancou em alta velocidade com o carro em direção ao casal. Em um primeiro momento ambos não se deram conta que havia um carro vindo para cima deles. Estevão teve sua visão atraída pelo farol forte do automóvel. Um motorista desgovernado vinha sobre a calçada em alta velocidade. A única coisa que ele atinou fazer foi empurrar a namorada por sobre alguns arbustos segundos antes de ser arremessado para longe. Não teve tempo sequer de saber quem o atropelara. Caiu morto no chão frio ao mesmo tempo em que a vizinhança chegava às janelas, assustada com os gritos.

Thaís, atordoada, torceu o volante para o lado esquerdo pisando o pé com força no freio e foi parar na outra calçada. O carro por pouco não capotou e ela ficou por alguns segundos que pareceram uma eternidade presa ao cinto de segurança, o airbag no seu rosto, quase sem ar. Atropelara a pessoa errada. Será mesmo? Talvez estivesse enganada. Ou não? Queria matar a loura, mas Estevão apareceu de repente na frente do carro. E agora?

Alguém abriu a porta do carro e a puxou pela gola da blusa. Era a loura. Desfigurada, com sangue nos braços, a mulher a estapeou antes que Thaís conseguisse se soltar do cinto de segurança. Quando se deu conta estava atirada no asfalto, com a outra por cima, levando uma surra da namorada de Estevão.

Mãos fortes levantaram a loura de cima de Thaís. Ela, por sua vez, deixou-se ficar deitada no chão, sentindo o gosto do sangue na boca. Com a língua percebeu que havia quebrado um dente. O nariz doía, talvez estivesse quebrado. Um olho fechava de tão inchado, mas aquilo não parecia tão importante agora. Estevão tinha morrido, o que fazia dela uma assassina. Não sabia se estava arrependida. Talvez. Mas pelo menos ele não era de ninguém agora.

Quem sabe um dia o encontrasse novamente. No inferno.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 26/08/2017
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