um conto de horror

Eu estava de passagem por uma cidade pequena, bem menor que imagina , e muito tranquila, uma dessas cidades que existem mais no imaginário que na vida real, eu fui pra lá quando houve um rompimento amoroso e precisava de tempo, confesso que foi mais para fugir do que para pensar. Aluguei uma casa no centro da cidade, de frente a uma praça com árvores gigantes, onde acima delas desabrochava com frequência um céu profundo que parecia que ia me engolir quando olhava fixamente, uma cidade deveras bucólica, não sei em que momento eu escrevi esse texto e não sei como esse texto foi cair em suas mãos. Espero que compreenda a incompletude dessa história. Saberá que ela foi escrita nalgum momento que ainda estava sob seu labirinto. Por tanto não me obrigue a contar de um jeito que faça sentido, mesmo porque nem eu ainda encontrei.

Nesse lugar mantive meu temperamento, que é mais arredio e distante, nunca fui de conversar com desconhecidos ou de ter muitos amigos. Creio que nessa questão puxei muito meu pai, ele era assim, arredio e distante, e de tanto critica-lo, fiquei como ele.

Nesse lugar pude ser eu mesmo o mais possível, pude exercer com afinco minha indiferença pelos outros seres humanos, minha lealdade a solidão e a forma peculiar de viver a vida, coisa que causou algumas indelicadezas, e se terei uma vida depois desses acontecimentos, continuará causando complicações com as pessoas que convivo.

Nos primeiros meses foram dificeis porque quando chegamos numa cidade nova todos querem nos conhecer, saber de nosso segredo, ou do passado que arrastamos. Mas como não me deixei levar por esses desejos, aos poucos os moradores foram me deixando de lado, de modo que naquele período experimentei uma liberdade que poucas vezes experimentei na vida.

Minha casa não era muito grande, também não era pequena, tinha dois quartos, um quintal grande, uma sala e uma varanda coberta que dava pra praça de onde eu exercia meu hábito de olhar os acontecimentos. Com o tempo fui percebendo que conhecia quase todos na cidade, não pelo nome, conhecia sua condição social, seu grau de liberdade, se eram ansiosos, medrosos, ou se eram pessoas assustadas, ou se eram genuinamente alegres, se eram felizes. Com o passar dos meses fui percebendo que o essencial das pessoas aparecem diretamente em suas posturas, na voz, não nas palavras mas na voz, esse som que vem do espírito, que disseca qualquer um que abre a boca. . Ficava horas nessa brincadeira de observar, de pensar sobre, de imaginar como seria aquele tipo na vida, com a esposa, os filhos, os amigos, e assim os dias foram passando, cada caso daria um outra história, coisa que não quero me prender muito.

Já estava bem recuperado de minha perda amorosa, de novo sentia sensações agradáveis, sentimento d estar novamente em conta comigo mesmo. Apesar de tudo não houve mudanças no meu temperamento, continuei sem muita vontade de me inteirar com as pessoas, o que pra mim foi bom porque usava o tempo que me sobrava pra escrever um livro que há muitos anos me instigava a vontade, um livro que as primeiras páginas demoram a sair, mas que com as minha observações algo de minha alma se abriu e pude expressar intuições que me eram óbvias mas que eram difíceis de porem em palavras. Isso me deu uma tremenda satisfação e alegria.

Então houve uma coisa que me deixou intrigado, no meio da noite ouvi um grito ensurdecedor que vinha do corredor, acordei muito assutado, acendi as luzes e não vi nada, abri a porta da rua e a praça estava lá, imóvel dentro da noite, minha espinha esfriou, demorei muito pra dormir, e quando meu corpo ia se perdendo na escuridão do sono, algo me trazia de volta e meu coração disparava. No dia seguinte fiquei intrigado com aquilo, poderia ser um sonho? Essa possibilidade me aliviou um pouco, sim, talvez tenha sido um sonho e acordei durante o estado onírico. Pela manhã estava cansado, não havia dormindo direito e o pouco que dormir foi um sono superficial, e isso me deixou bastante irritado. Preparei meu café com um sentimento de pesar, pensei em sair e dar uma volta, na saída da casa havia uma carta. O estranho porque nunca dei meu endereço pra ninguém, e fazia muitos anos que não me correspondia com qualquer pessoa, no entanto meu nome estava na carta, o endereço corretamente no envelope, tive medo de abrir, sentei no banco da praça. O dia como todos os dias nesse lugar estava arrebatador, um sol claro como um coração de criança. Abri o envelope, ah, não tinha remetente, e lá estava uma frase instigante: “não será desse lugar o seu encontro”.

Durante meu passeio estranhamente sentia que as pessoas me olhavam com mais vontade, com mais interesse o que me assustava terrivelmente, pois na minha cabeça eu já havia vencido essa etapa, eu não era mais nenhuma novidade naquela cidade, e parece que todos sabiam que acontecia algo comigo, algo novo e em certo sentido isso me deixava mais evidente para as pessoas.

No caminho de volta pra casa, toda aquela sensação de serenidade e conforto que estava vivendo sumiu, o que restou foi uma medo gelado que não se justificava apenas pelo acontecimentos, que não era tão grave assim, e esse enervamento ficou como uma trava no meu corpo durante o resto do dia, quando sentei pra escrever estava completamente sem inspiração e aquela solidão que eu gostava se tornava angustiosa e infinita.

Sentei na varada como fazia toda a tarde, a noite já se esgueirava e as poucas tufas rosas do céu já se alinhava em retirada, um vento frio anunciava uma noite medrosa. Foi que não sei o que aconteceu, de repente dormi, uma dormida rápida dessas que acordamos de repente numa sensação de esquecimento e abandono, e quando abri os olhos eu não estava na minha casa, meu corpo flutuava numa atmosfera verde e gosmenta, longe aparecia a silhueta de criaturas sem sentido, de formas grotescas com olhos que eram como planetas negros no centro de uma órbita desabitada, e meu corpo desfalecido tentava gritar, queria sair daquele lugar, minhas forças se extenuaram, algo me prendia e logo meu corpo foi arremessado para um buraco profundo e negro que se mostrava sem fim e um zumbido se misturava aos diferentes níveis de densidade. Gritei, mas minha voz era oca e redonda e não comunicava nada. No dia seguinte , acordei na minha casa no meu no quarto como se alguém tivesse me levado pra lá, a casa estava arejada, abri a janela e o dia pousava nas árvores, o dia estava belo e úmido e uma beleza amena pairava pelas árvores.

Agradeci por aquilo ter sido apenas um sonho, fiz tranquilamente o café da manhã, comi com vontade, estava realmente faminto. Fiz algumas anotações como fazia sempre para o livro, discorri algo do pesadelo e da carta, queria elaborar no pensamento uma forma mais compreensível pra mim mesmo, como se eu quisesse mais que uma certeza que tudo não passou de um sono perturbador, fruto possivelmente das elaborações do meu inconsciente.

Depois muito aliviado resolvi dar meu passeio diário. A praça era como uma jogo de luz e marfim, pássaros gritando numa felicidade de dar gosto, a natureza era mesmo encantadora. Respirei fundo, de um certo modo estava agradecido por aquela vida, principalmente depois daquele pesadelo. O contraste nos ajuda realmente a perceber o outro lado das coisas, e ao contrário do que acontecia diariamente a praça estava vazia, nem as crianças, o bar da esquina, o correio, o posto bancário, ninguém nesses lugares, peguei a rua lateral em direção á entrada da cidade, e ninguém, as portas todas fechadas, os carros fechados e todos limpos, os jardins das casas bem cuidado e florido, mas ninguém, no posto de gasolina a mesma coisa, meu coração disparou, não havia pensamento em mim que explicasse a sensação, e auto estrada que margeava a cidade também estava vazia, e um desespero surdo e profundo subiu no meu corpo e uma imensidade de pensamentos rodava minha cabeça, e uma especie de loucura foi me possuindo, que raio estava acontecendo, perguntava desvairadamente sem ter um resposta e toda aquela beleza brilhante do céu e dos jardins perderam o impacto, pois naquele instante em diante fui tomado por um medo que me engolia que fazia com que apenas minha cabeça ficasse pra fora e o resto era essa sensação de horror que me tomava a consciência, e no ápice mais triste da minha experiência eu acordei em casa.

Corri para fora queria saber se aquilo era real e uma outra carta estava na entrada, de novo sem remetente, abri e lá estava outro texto: “foi além do que queria” olhei a rua, com os passantes de sempre, não tinha mais aquele olhar arrogante de quem conhece o mundo pelo olhar, pelo contrário, sabia que eu não sabia de nada, aquela distancia que me agraciava não mais me explicava, tudo que eu queria era voltar pra casa, ver pessoas que tinha a afinidade, que eu pudesse falar o que estava acontecendo, arrumei todas as coisas e fui pra rodoviária, um menino me abordou e pediu dinheiro, mal consegui olhar seu rosto , no guiché pedi uma passagem de volta para minha cidade, o menino ria sem parar com uma beleza que mais se aproximava de uma risada maléfica, no ônibus fechei a cortina da janela e enquanto tentava montar o quebra-cabeça, o ônibus se transformava num grande pássaro de aspecto tenebroso, que só mais tarde eu ia me dar conta. Por tanto não me peça para explicar quando escrevi essa história , apenas posso dizer que essa história continua e desde então não sei quando verei os rosto que conhecia e que me davam a sensação de terra firme.

Andrade de Campos
Enviado por Andrade de Campos em 26/08/2017
Reeditado em 26/08/2017
Código do texto: T6095187
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