JÁ-FALEI
Ele, o cão, atendia pelo nome de Já-Falei.
A qualquer movimento suspeito ou barulho estranho, avisava o dono, Seu Juca.
Falava e falava e falava. Não sossegava, enquanto alguém não fosse verificar a causa de seus avisos.
_Cachorro danado! Esse sabe o que fala!
Nada lhe passava despercebido e Seu Juca agradecia, trazendo-lhe boas bocadas de bofes, que lhe eram reservados no açougue do lugar.
Já-Falei sempre falava verdades, merecia ser bem tratado.
Afundava o corredor de terra entre a casa e a cerca de balaústres de madeira, correndo de uma ponta à outra, quando os moleques arteiros ameaçavam entrar no quintal.
Corria feito um touro em desabalado ataque e falava, falava, falava. Livrou a casa de muitos inconvenientes.
A criançada, amedrontada, fugia do Já-Falei. Fuxiqueiro, o cachorro que tudo avisava. Cão policial preservava o amado dono das maldades do mundo. Falou... Falou... Falou...
Certo dia, ele amanheceu quieto, Já-Falei não falou. Nada disse, sequer anunciou o barulho dos passos rentes ao corredor de terra e balaústres. A casa estava desguarnecida. Já-Falei sequer murmurou. Os bofes já não o seduziam, as crianças não o irritavam. Queria silêncio. O momento exigia muito silêncio.
Apoiou a cabeça nas patas dianteiras, olhou ao longe e acenou levemente com o rabo, ao avistar Seu Juca, que vinha em sua direção. Nada disse o Já-Falei.
Placidamente, cerrou os olhos. Partiu, sem dizer o motivo.
Dalva Molina Mansano
23:10
04.08.2017