CADÊ O RÁDIO, SOLDADO?

Em alguma noite do ano de 1996, após um cumprimento militar, o soldado Lauro assume o serviço no posto 05 do quartel. Em seguida, o colega substituído ajeita o boné camuflado e ruma em direção ao alojamento do Corpo da Guarda. O descanso pelas três horas de plantão era aguardado com ansiedade.

Ora dentro da guarita, ora rodeando-a. Em sua ronda, há intervalos de breves paradas. Nesses momentos, Lauro bate o calcanhar no chão, preferencialmente sobre alguma pedra fincada no solo. Nesse ato, acomoda os dedos no interior do coturno.

Leve brisa fria lhe refresca o rosto.

Há uma pista de aeromodelos próxima ao local, além de hangares da aviação civil. À direita, um longo campo verde. À esquerda, algumas árvores. Seguindo em uma via interna, chega-se ao clube dos Cabos e Soldados. A escuridão reina, e em frente à entrada sem porta da guarita, outro campo gramado termina no muro do quartel. Extramuros, o som rasgado de uma motoneta sem descarga ecoa na madrugada. O rapaz contrai os lábios em sinal de desaprovação.

Passam-se 50 minutos.

Grilos cricrilam intermitentemente e a coruja pia no alto de alguma árvore. Da lanchonete, à margem da rodovia, origina-se o cheiro de pastel instigando a sensação de fome no jovem militar. Convite tentador para que ele dê um rápido “pulão” do posto de serviço para comprá-lo, sob risco de punição disciplinar. Porém, passar o final de semana em casa, ao invés de ficar no quartel, demove o soldado da ideia, o qual aperta o fuzil HK-47 junto ao tórax, seu companheiro de vigília. De súbito, aproxima-se um jipe conduzido por um soldado, acompanhado por outro soldado, um cabo e um terceiro sargento. A viatura militar estaciona com o motor ligado. Lauro se aproxima, junta os pés, segura a arma com mãos firmes e permanece em posição de sentido.

- Soldado Lauro, 2ª/95. Serviço sem alteração!

- Cadê o rádio? Indaga-lhe o comandante da patrulha.

- Rádio? Que rádio?

- O rádio, soldado! Cadê?

Ele treme.

Enfia as mãos na farda, afasta a gola e retira dois fios de fones, até então, ocultos e diz: - Está aqui! Ô sargento como é que o senhor descobriu?

- Esse rádio não, enrolado! O rádio móvel de comunicação com o posto de comando!

Lauro se dirige ao interior da guarita sob os risos dos colegas de serviço e encontra o rádio próximo ao telefone. Havia esquecido que a partir do dia anterior o posto contava com aquele novo equipamento de comunicação, além do telefone.

Mostra-o ao fiscal do serviço que de imediato apreende o walkman com uma fita cassete dentro. A viatura parte, restando-lhe os chistes de deboche de seus companheiros de caserna. As horas se arrastam até a troca das sentinelas, às 06h da manhã.

O objeto causador do embaraço é lhe devolvido ao final do serviço, após rígida admoestação verbal de seu superior hierárquico.

Não houve punição, embora houvesse previsão regulamentar para tal. Contudo, o fato ficou gravado na memória de quem o presenciou. Em quartel, para qualquer fato ocorrido é necessário apenas, o lapso temporal de uma refeição para a sua ciência em todos os batalhões. Assim, todos souberam.

E por vários dias, sob tom de algazarra, era comum naquela organização militar se escutar a frase:

- Cadê o rádio, soldado?

Ilton Paiva

Ilton Paiva
Enviado por Ilton Paiva em 03/08/2017
Reeditado em 23/03/2020
Código do texto: T6073561
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