Morte e Vida na Favela

MORTE E VIDA NA FAVELA

O sol estava quente e Carolina subia aquela ladeira para chegar à sua casa, que ficava no meio da favela. Tinha vinte e cinco anos, casada, dois filhos e odiava a sua vida. Seu marido, Fernando, era usuário de cocaína e por mais que tentasse separar-se dele, não conseguia.

Trabalhava como vendedora nas Casas Bahia, em um bairro próximo à favela e naquela hora sentia que seus pés estavam falhando por tanta dor que sentia.

Morava em um pequeno barraco de madeira à beira de um córrego que estava contaminado pelo esgoto de uma pequena fábrica ali perto, trazendo todo o mau cheiro até sua mísera casa. Amava seus filhos, nada mais. Sua casa não tinha sofá, sentava-se em um tapete velho; apenas uma antiga televisão que havia ganhado de uma vizinha. O que ela ganhava dava apenas para comer, nada podia comprar de novo, pois Fernando trocava tudo na boca de fumo.

Carolina chegou em casa e sentou-se, tomando um pouco de água que Vera, sua filha, lhe entregou. Vera era uma criança de apenas dez anos, mas parecia já ser uma "mocinha"; via todos os dias a luta de sua mãe, que levantava ainda de madrugada para fazer café, ir à padaria em que comprava pão fiado, arrumar Igor que tinha sete anos para ir à escola. Em seguida, ela seguia para o trabalho.

Trabalhava o dia inteiro, chegando em casa somente às dezoito horas, quando tomava um banho e ficava um pouco com seus filhos, indo para a cozinha, seguida por Vera que sempre a ajudava.

Fernando nunca estava em casa, pois sempre estava na boca de fumo ou bebendo com os amigos.

Terminada a janta, Carolina apenas deitava-se após agasalhar os meninos, dando um beijo em cada um e dizendo o quanto os amava. Quando começou a pegar no sono, ouviu a porta abrir, seu coração acelerou, pois sabia que Fernando estava drogado e isso a fazia sentir vontade de matar aquele que um dia amava.

Ele entra e segue direto para a cama, com cheiro de álcool, abraçando Carolina que não suporta e diz:

– Por favor, Fernando, já te pedi para não tocarem mim quando estiver bêbado e usado, sinto-me muito mal.

– Sou seu marido, princesa; quero transar com você. Vem cá, me beija.

– Me deixa em paz! Não quero transar com você.O que quero é dormir,pois estou cansada.

– Não quer transar comigo? Deve estar com outro, sua vadia. Agora, acha que porque está trabalhando pode me dispensar? Sou teu marido. Vem cá que estou louco de tesão.

– Tire essa mão de cima de mim ou ligo agora para a polícia, e tu sabe onde vai dormir.

Fernando tirou a mão e foi para a sala levando um colchão que ela havia separado para esses dias.

O dia amanheceu e Carolina seguiu para a loja depois de toda a sua rotina. Era uma jovem esforçada e apesar de toda a sua dificuldade, vinha estudando por correspondência para terminar o nível médio e domingo era a sua última prova. Era o horário do almoço e ela depois de fazer rapidamente sua refeição foi para um canto do refeitório estudar. Sempre estudava no intervalo de seu almoço ou lia algum livro interessante; era uma excelente vendedora, mas seu dinheiro quase sempre era roubado por Fernando ou pago na boca para que ele continuasse vivendo.

Severo era o gerente da loja e sempre observava o desempenho de Carolina. Sabia que ela era inteligente, educada, jamais levava seus problemas pessoais para a loja e estava sempre atenta a novos conhecimentos.

O dia acabou e ela retornava para casa, quando de repente, ouve um barulho de tiro. Em seguida, corre e esconde-se no bar de Pedrão, um senhor amigo que a coloca em segurança fechando as portas. Rapidamente,Carolina começa a chorar pensando em seus filhos.

– Meu Deus,proteja meus filhos. O que está acontecendo, senhor Pedrão? Alguma invasão aqui na favela?

– Acho que são duas gangues se pegando, como é de costume. Mas tenha fé que seus filhos estão bem, Carolina, Deus está no comando das pessoas de bem.

– Que assim seja, meu Pai.

O tiroteio durou mais de meia hora e somente acabou quando a polícia chegou à favela. Carolina foi para casa correndo e ao entrar abraçou seus filhos que estavam encolhidos no canto da sala.

– Mãe, graças a Deus a senhora chegou. Nós estávamos morrendo de medo.

– Eu também, meus amores, eu também, mas graças a Deus agora está tudo bem.

Carolina tomou banho e fez a janta quando Fernando entra em casa bêbado e fala:

– Porque tu demorou hoje, sua vadia? Tava com teu macho?

– Não admito que fale comigo desse jeito!Muito menos na frente dos meus filhos.

Ele deu uma gargalhada e disse:

– Nossos filhos ou tu me traiu e não sou o pai deles?

– Pai, o senhor não pode falar assim com a minha mãe.

– Cala a boca, sua pirralha. - Falou Fernando caminhando em direção à Vera para batê-la, quando Carolina entrou na frente.Parecia uma leoa naquele momento e isso o que fez sentir medo.

– Encoste nela e eu te mando para o inferno somente com a passagem de ida.

Os gritos se fizeram ouvir de fora, era um dos comparsas de Fernando que o chamava.Após ouvir o que o amigo dizia, entrou em casa, pegou algumas roupas e disse:

– Vou viajar por uns dias.

– Viajar ou fugir? O que você andou aprontando de novo? Se algo acontecer aos meninos por sua culpa, é melhor que não volte aqui.

Ele saiu dizendo que ia demorar uns quinze dias, que se alguém viesse atrás de dinheiro, ela deveria pagar.

Carolina olhava para seus filhos tão assustados quanto ela. Sentiu raiva de si,olhava para Vera que ainda era uma criança, mas tão amadurecida por conta de tanto sofrimento. Morava naquele barraco que estava sempre fedendo, que não tinha nem ao menos um sofá. Tudo o que ela comprava, seu marido entregava na boca para obter a maldita cocaína.

Carolina havia conhecido Fernando na cidade em que moravam, no Piauí. Eram muito jovens e se apaixonaram. Os pais de Carolina não queriam que ela namorasse com ele, achavam que não era rapaz para ela, que era tão linda e inteligente. Mas ela estava apaixonada e decidiu fugir com ele para São Paulo, onde ele nada conseguiu de bom e então começou a beber e usar drogas. Começou com um cigarro de maconha, alegando que dava paz, que ficava de boa.

Com o passar do tempo, Fernando parou de trabalhar enunca quis estudar.Entregou-se às drogas, aos pequenos furtos e esqueceu-sede sua família. Ficou pensando em como faria para sumir dali, queria deixar aquele homem, seguir com seus filhos, mas não tinha coragem, sentia pena, medo de que algo acontecesse a ele e ia ficando cada dia mais sofrida, fazendo seus filhos também sofrerem. A droga também tinha adoecido a ela, era co-dependente e precisava procurar ajuda.

O frio era intenso e ali onde moravam era ainda mais pelo fato de ficar próximo a um rio. Foi deitar com os filhos e sempre que Fernando sumia os três deitavam na mesma cama e aquilo era uma festa apesar de toda a miséria.

– Mamãe, você podia se separar do meu pai e a gente ir embora daqui. Meu pai só faz mal para a gente.

Carolina calou-se e seus olhos encheram de lágrimas, pois sabia que sua filha tinha razão. Tudo o que Fernando fazia era destruir o que ela construía. Nada mais restava;não tinha mais amor; quando ele a procurava, sentia tristeza; ele era a decadência de um homem, pois não tinha respeito por ela e nem por seus filhos. Nesse instante, alguém bate à porta e os meninos a abraçam.Uma voz se faz ouvir lá de fora.

– Carol, quero falar com você.

Ela sabia que era Carlão, conhecia sua voz. Decidiu levantar-se e ir à porta. Apesar do carinho que ele tinha por ela, nunca perdoava dívidas de droga.

– Fiquem aqui. Está tudo bem, é o Carlão.Vou lá falar com ele e já volto.

Carolina tremia e sabia que boa coisa não era, quanto deveria desembolsar agora?

– O que houve, Carlão?

– Chega aqui, quero falar com você. Olha, o Fernando deixou uma dívida grande comigo e o Ferreira. A minha tu pode pagar porque é menor e divido para você que é sangue bom. Mas fica ligada, o Ferreira virá na tua cola e disse que vai pegar alguma coisa.

– Meu Deus, eu não tenho mais nada, nem sofá tem nessa casa. O que vou fazer? Quanto ele te deve?

– Comigo é mixaria, trezentos conto.Divido pra tu em até três vezes.Porém,não posso deixar passar, tu sabe como a parada é feia: usou, pagou ou vai pagar.

– Meu Deus! Até quando eu vou viver assim?

– Olha, Carol, tu é uma mulher bonita, inteligente; eu sou malandro, se eu fosse homem de bem, te roubava pra mim, tu sabe que sou ligado em tu, mas também sou teu amigo e vou te bater uma real. Vaza daqui, sai fora da favela porque quando o Ferreira souber que o Fernando fugiu ele vai matar ou tu ou os meninos.

Carolina começou a chorar. Seu corpo inteiro tremia. Não sabia o que fazer, não tinha dinheiro, não tinha para onde ir ,voltar para o Piauí nem pensar, seu pai tinha abolido-a como filha.

Ficou na porta sentindo frio e tremendo mais de medo do que do frio, chorou muito. Carlão amava aquela mulher, mas também era bandido e sabia que Carol precisava de um homem bom, pois que ela merecia ser feliz.

– Carlão, vou entrar, pois os meninos estão com medo. Vou ver o que faço e pode ter certeza de que vou te pagar, mas essa será a última dívida de droga que eu pago na minha vida.

Carlão abriu os olhos e viu ao redor de Carol uma luz, parecia que uma mulher vestida de índia a envolvia, o que fez ele se benzer:

– O que foi, homem, porque se benzeu?

– Tem uma mulher índia perto de você com uma luz azul muito grande. Cruz credo.

– Carlão, cruz credo é o que tem perto de você. Mas não quero falar disso, cada um escolhe as suas companhias e de hoje em diante, Fernando não será mais companhia na minha vida.

– Boto fé em você, Carol, tu merece coisa melhor, está ligada?

– Boa noite, agradeço por ter vindo aqui. Mas quanto Fernando está devendo para o Ferreira?

– Quase mil conto. Carol, vaza daqui tá ligada? Tô te batendo a real. O Ferreira comanda muito maluco aqui que por vinte prata, apaga um, ta ligada?

– Tô ligada. Pode deixar que eu não anoiteço aqui amanhã.

Carolina sentia também aquela presença ao seu lado, o perfume daquela cabocla era inconfundível, a calma e confiança que ela trazia quando estava por perto, não tin ha como não sentir.

– Mamãe, o que houve? O que o Carlão queria?

– Filha, está tudo bem. Amanhã vou organizar algumas coisas em nossas vidas. Agora vamos rezar, vamos receber o amor e a proteção de Deus.

Os três sentaram e Carolina começou:

– Senhor Deus, sei que nunca nos falha, sei que cada um só tem o que merece e o que quer.Eu quero ter uma vida em paz, Senhor, e vou fazer os movimentos para que isso aconteça. Agradeço a tua proteção, o cuidado da cabocla e de todos os que nos amam. Amém, Senhor!

A sua voz adquiriu um tom diferente. Sentia algo forte e sabia que aquela índia estava ali.

A noite terminou e Carolina acordou mais cedo, tomou um banho imaginando que estava embaixo de uma cachoeira, pedindo que a água levasse tudo o que não servia para ela, que levasse o medo, que tirasse dela a culpa e rezou. Vestiu-se e saiu. Passou na casa de uma amiga que morava mais afastado da favela.

– Oi, Carol. Entre. Nossa,o que houve?Tão cedo e você já está aqui...

As duas se abraçaram. Virgínia era grande amiga de Carolina, madrinha de Ygor e ela fazia tudo para que sua amiga abandonasse Fernando.

– Virgínia, minha amiga querida, sabe que não gosto de incomodar.

– Carol, nós duas somos amigas há anos e isso a í, de não querer incomodar, você sabe muito bem que é orgulho. Já falamos sobre isso e você está lutando contra, lembra?

– Sim, comadre, você tem razão. Olha, eu preciso muito da sua ajuda. Fernando se meteu em uma cilada e mais uma vez vou ter de pagar a dívida dele, mas essa vai ser a última.

Virginia olhou para sua comadre e sentiu algo diferente, sentia decisão naquela fala que nunca tinha sido dita. Ela estava ali para ajudar no que fosse preciso.

– Preciso ficar aqui por uns dias, até eu encontrar uma casinha. Vou separar- me definitivamente de Fernando. Eu e meus filhos estamos em risco de novo e sempre vamos estar ao lado dele. Vou pedir um adiantamento na loja e...

– Outra vez, Carol? Até quando vai viver assim? Olhe para você.

– Virgínia...

Falou Carol pegando as duas mãos de sua amiga, que estremeceu sentindo uma energia forte e a fala modificada.

– Minha querida, agora é hora de apoiar. Tudo caminha para o melhor e cabe a cada um fazer a sua parte. Deus está conosco sempre e nos impulsiona quando decidimos o melhor.

Carolina parou um pouco,olhou para Virgínia que tinha os olhos cheios de lágrimas e disse:

– Era a cabocla, não vou pedir desculpas. Preciso mais do que nunca dela por perto.

– Oh,minha amiga, me desculpe. Não quero julgar você e sim dizer que pode ficar aqui os dias que precisar. A casa tem três quartos e ficaremos bem. Você pode contar comigo no que precisar.

– Virgínia, preciso que busque os meninos na porta da escola e os traga para cá. Quando eu sair da loja, vou buscar as minhas coisas. Farei isso ao anoitecer porque o Carlão estará por lá e vai me ajudar.

– Vou pagar o que Fernando deve a ele e tentarei pagar o Ferreira também, mas deixarei bem claro que é a última vez. Agora preciso ir.

– Sim, minha amiga, vá com Deus. Tudo vai dar certo.

Na favela

Esmeralda era uma mulher que contava quarenta anos, tinha ficado viúva aos vinte e cinco anos e nunca mais quis casar. Havia vivido quinze anos com Marcus Júnior, um homem que a fez amar e por esse amor fazer loucuras. Tudo em sua vida era tranquilo até o dia em que ele se envolveu com a droga. Vivia com seu único filho João Pedro, que tinha quinze anos e que agora estava também envolvido no mundo das drogas. Não sabia o que fazer para libertar seu filho e naquele dia estava muito triste. Revivia os momentos em que sua vida tinha paz. Quando seu filho nasceu, apesar de tudo o que vivia com Marcus Júnior, sentiu em seu coração que a vinda de João Pedro poderia fazer com que ele deixasse de usar as drogas e voltasse a ser o homem que um dia tinha sido, mas os dias passaram e nenhuma diferença tinha ocorrido na vida de seu marido, que logo foi assassinado por dever tanto aos traficantes.

Lágrimas desciam de seus olhos, amava seu filho mais do que a si mesma e tudo fazia para que sua vida continuasse, porém, as coisas ficavam mais difíceis a cada dia e não tinha mais de onde tirar dinheiro para pagar a droga que ele consumia. Olhava sua casa agora tão vazia. Mas nada era mais vazio do que o seu coração.

Nesse instante, João Pedro entra em casa apavorado em direção ao quarto para pegar uma mochila e jogar suas roupas dentro. Ela o segue.

– O que aconteceu, meu filho? Pra que essa mochila?Para onde vai?

– Mãe, olha para mim, preciso vazar daqui. Me dá dinheiro, preciso ficar uns dias longe. O Ferreira vai me pegar, vai fazer um limpa na favela, o Fernando vazou e eu não vou ficar esperando aqui.

– João Pedro, meu filho, até quando vai viver assim? Você é tão jovem, um menino ainda. Pode se libertar disso eu te ajudo.

Dos olhos dela desciam lágrimas.Ele olhava para sua mãe, amava aquela mulher e ver o sofrimento dela o fazia se sentir a pior pessoa.

João Pedro era um menino de quinze anos e desde os onze havia começado a usar maconha. Esmeralda era a sua mãe amorosa, mas não tinha percebido e somente descobriu quando ele já estava usando cocaína. Fez o que podia, mas João Pedro achava que podia parar quando quisesse e cada dia mais ia se afundando, devendo e roubando o dinheiro de sua mãe.

Ao lado de sua mãe, ele percebia uma senhora de cabelos grisalhos, negra, de feição amorosa e olhar sereno. João Pedro sempre a via perto de sua mãe, era a sua protetora, segundo ela. Porém, ela estava diferente; de seus olhos desciam grossas lágrimas e ele perguntava o porque. Ela nada dizia, apenas mantinha o olhar fixo no dele. Em seguida, João Pedro começou a chora r. Sua mãe o abraçou e ele ficou petrificado, não era somente o abraço de sua mãe, mas também o daquela negra velha que tanto os amava. Após um instante, sua mãe o afasta e sua feição muda, ele via nitidamente a preta velha que começou a falar por meio de Esmeralda.

– Você, meu filho, não é mais tão novo como pensa que é. Mais uma vez venho lembrar-te que aquele que muito recebe, muito deve. Você assumiu um compromisso com o alto para cuidar dessa que o aceitou em seu ventre, tem um compromisso de amor. Meu filho sabe e sente que não está sozinho, que existe algo que vai além do que os olhos da carne podem ver e meu filho enxerga. Mas Deus respeita o livre arbítrio de cada um, cada um pode plantar o que quiser, mas lembre-se, meu filho, que a colheita é obrigatória. O plantio é livre, mas a colheita é obrigatória. Deus permitiu-me mais uma vez vir falar com você e sabe que sou quem falo, que a negra velha que você vê. Somos passageiros de longa data nesse trem da vida; meu filho já desceu muitas vezes na parada errada e tive que segui-lo, pedindo a Deus para que entrasse outra vez no trem em que meu filho estava, mas fomos mudando de estações e hoje não sigo mais nesse trem da Terra. Mas meu coração continua ligado ao amor que sinto por vocês. Acorde para a vida, meu filho, é tempo de novos plantios, essa plantação sua já está queimada pelo sol do sofrimento, use a água da chuva benfazeja e plante novas sementes. Pedistes muito a Deus, meu filho, por essa oportunidade da reencarnação, prometendo a Ele que iria resistir e que iria ser arrimo dessa, que agora eu uso para falar. Não esperes que o arrependimento seja mais uma vez a causa da sua dor.

João Pedro chorava copiosamente. Sabia no íntimo mais profundo do ser que aquela preta era muito conhecida, que era muito amiga e que tudo o que ela falava era. Amava sua mãe mais que tudo em sua vida, ela era a única pessoa que o amava também ali na terra e somente tinham um ao outro. Sentia seu corpo doer e sua alma dilacerada por a vergonha que sentia.

– Não basta sentir vergonha, meu filho, é preciso pegar a charrua e não olhar para trás. Are o campo da sua vida e semeie o amor, tenha a coragem, pois que ela está latente dentro de você. Não voltarei mais por um bom tempo, Deus assim o quer e eu sei que já é tempo de ir, mas estarei por perto para quando meu filho chamar a nega velha.

João Pedro soluçava e pedia:

– Vó, não vá, por favor. Preciso da senhora.

Mas a sua mãe já estava de volta e ficou no ar apenas o cheiro de fumo do cachimbo da velha. Esmeralda chorava, seu corpo tremia e ela desmaiou. Enlouquecido, João Pedro saiu correndo pedindo ajuda e ela foi levada para o hospital.

Aquele menino de quinze anos sentia a solidão que nunca havia sentido até aquele instante. O que seria dele se ela morresse? Sentiu um arrepio no corpo e a presença de uma sombra negra se achegando. João Pedro podia ouvir as gargalhadas de deboche. Seus ouvidos começaram a ouvir o que ele dizia:

– Ela vai morrer e nós vamos te pegar, seu moleque. A negra velha já se cansou de você, sua mãe vai também partir e você não terá mais ninguém para te proteger. Vamos pegar você e então acertaremos as nossas contas.

João Pedro ajoelhou-se ao lado da cama de sua mãe e rezou em voz alta ali no quarto juntamente com duas senhoras.

– Senhor, eu te imploro só mais essa chance, não leve minha mãe, por favor. Eu prometo, meu Deus, que paro de usar droga, voltarei a estudar e serei um homem de bem como prometi antes de reencarnar. Vó, por favor, estou implorando, me perdoa. Tenho dado muito trabalho à senhora, mas eu te peço: venha me socorrer.

As palavras de João Pedro faziam aquelas senhoras chorarem e uma luz desceu sobre ele, o cheiro doce do fumo invadiu o ar e uma das senhoras que estavam ali levantou-se da cama, tomou a mão dele, levantou-o e disse:

– Nesse momento, seu coração é só luz, meu filho.A velha não teve como não vir. Encontraste de novo o caminho, levanta como homem forte e corajoso que meu filho é e segue; encontrarás a ajuda necessária para retornar ao caminho da luz.

Para aquela outra senhora que também tinha o dom de ver, era claro, vários filhos das trevas batendo em retirada . Porém, aquele que falava ao ouvido de João Pedro estava ali como se estivesse preso por uma corrente, seu corpo astral se retorcia, de sua boca saia uma espuma mal cheirosa, seus olhos vermelhos e arregalados pareciam sair de órbita. E aquela senhora rezava, enviando luz àquele espírito, pedindo que ele percebesse o quanto também sofria. A oração chegava a ele como um jato de água limpa e azulada, que ia amenizando o seu sofrimento e acalmando-o, fazendo com que ele respirasse mais suave.Seus olhos serenavam e a boca ia recebendo assepsia, conforme ia tomando o líquido que era oferecido a ele por uma moça de vestido verde. Essa moça começava a aplicar nele um passe e de suas mãos saíam raios de várias cores e ele foi adormecendo. João Pedro chorava muito ouvindo aquela voz, que mesmo não sendo por meios da sua mãe, era muito familiar, era a Vó que veio em seu socorro mais uma vez.

– Pegue sua enxada, meu filho, arranque do seu jardim as ervas daninhas, arranque-as com propriedade, pois que meu filho é o dono desse jardim e pode arrancar. A velha trouxe umas sementes para meu filho, são de crisântemo, a flor preferida de meu filho, trouxe também de lírio branco, e tantas outras.Meu filho pode plantar porque as sementes estão aqui. A senhora leva a mão ao coração de João Pedro, que a toma entre as suas e deposita um beijo demorado, respeitoso e cheio de amor.

Ali na favela estava morrendo mais um. Mais um que era usado como instrumento das trevas, ali na favela morria mais homem velho, cansado dos erros, das recaídas, cansado de ser morada do anticristo. E ali na favela nascia mais um;mais um homem;mais um guerreiro.

Nesse instante, a senhora volta a si e abraça João Pedro, que sente um enorme bem-estar ao seu lado. Ele estava emocionado demais, de seus olhos as lágrimas pareciam queda d’água. Ela pediu que ele respirasse fundo, que fizesse isso várias vezes, e ele obedeceu conseguindo acalmar os seus batimentos cardíacos.

– Senhora, eu lhe sou muito grato. Era a Vó, notei pela fala, pelo seu amor, pelo o cheiro bom do fumo que ela deixa no ar quando chega. O que sentiu, o que a fez vir falar comigo?

– Ela aproximou-se de mim, disse que conhecia você e sua mãe de outra época.Fiquei emocionada demais com a sua oração, então ela aproveitou e veio falar contigo. Você é um garoto bom, volte para o seu caminho que é o da luz, as trevas não combinam contigo.

– Hoje, mais do que nunca, eu vi isso. Mas, por favor,

qual o seu nome? Quero lembrar o nome da minha benfeitora.

– Sou Matilde. Moro em Brasília e estou aqui em

tratamento. Essa é minha amiga e também veio para tratar-se. Mas graças a Deus estamos bem e logo estaremos de volta.

– Muito prazer em conhecê-las, senhoras, sou muito grato por ter me socorrido, por ter permitido a presença da Vó para ajudar- me.

A conversa fluiu amena entre aquelas três pessoas. Era claríssima a afinidade que os unia. João Pedro não mais lembrava aquele menino que usava gíria e drogas.

Dias passaram e João Pedro fazia sempre a leitura do evangelho com Matilde e Clara.

Esmeralda recuperava-se bem. Não tinha nenhuma explicação para o que tinha ocorrido. Segundo o médico, havia sofrido uma sincope. Acreditava ele que por conta de tudo o que havia passado,seu corpo explodira, pois não conseguia aguentar o seu emocional.

Uma semana depois, as senhoras seguem para casa e deixam João Pedro fortalecido na fé, garantindo que um dia ele fosse a Brasília para visitar o templo com elas. Abraçaram-se fortemente trocando os números dos telefones e cada um seguiu.

Ao chegar à favela, João Pedro vai à boca. Sua mãe

diz:

– Vou com você, meu filho.

– Mãe, confie no seu filho. Vou lá, vou pagar o Ferreira e volto para nunca mais por meus pés lá. Olhe para mim, eu te amo minha, linda. Vou cuidar de nós.

Algo em Esmeralda disse que podia confiar e ele seguiu. Quando Ferreira o viu chegando, sacou a arma e apontou para ele.

- Tu vai morrer, meu irmão.

– Vim te pagar. Olha o que devo e o juro desses dias. Minha mãe estava internada e foi muito sofrido.

– Aí meu irmão, boto fé. O que tu vai querer? Já tem crédito de novo na parada.

– Vou querer nada não, Ferreira, nem hoje e nem dia nenhum.

Ferreira deu uma risada, olhou para João Pedro e viu uma luz que o cobria por inteiro, c omo se fosse uma bolha, disse alguma coisa e virou as costas, quando João Pedro ia saindo ele o chamou.

– Aí meu irmão, boto fé em tu moleque. Tu é da luz e não veio pra curtir essa parada não. Vai na paz, irmão e se tu precisar de mim, estou junto, companheiro.

– Boto fé, irmão.

Disse João Pedro, estendendo a mão àquele que era seu grande companheiro de outras paragens. E que agora, no trem da vida, João Pedro descia ali naquela estação e Ferreira iria continuar até o dia em que sua alma estivesse madura.

Ao caminhar para casa, João Pedro vê o anúncio: “Precisa-se de ajudante de padeiro”. Entrou e saiu alegre, o emprego era seu e ia começar no dia seguinte.

Abriu a porta de casa e Esmeralda estava na cozinha fazendo pão, ele a toma pelos ombros e abraça-a como há muito tempo não fazia.

Ela chora e o beija.

– Mamãe, minha amada, agora seremos nós dois. Nascia ali na favela um grande homem.

Esmeralda estava em paz, estava grata a Deus, à Vó e àquelas senhoras que jamais esqueceriam.

No dia seguinte levantou-se transformada, tomou banho, viu seu filho entrando no banheiro e saindo limpo e cheiroso. João Pedro vestiu-se e tomou café. Saíram juntos para trabalhar. Esmeralda era gerente de vendas nas casas Bahia.

O dia era de muito movimento e Carolina, por mais que tentasse, não conseguira falar com Estênio, o novo gerente financeiro. Esmeralda sentia que algo estava estranho com Carol, que embora sempre muito calada, hoje dava sinais de angústia, o que não era comum. Então, chamou-a para conversar em uma sala particular.

– Sente-se, Carolina.

Carol não imaginava o que ela queria falar, era gerente de uma área diferente e quase nunca se falavam.

– Pois não, senhora.

– Carolina, sei que deve estar estranhando o fato de eu tê-la chamado, mas vou direto ao assunto. Sinto que está angustiada e então resolvi tentar conversar, não para dar bronca, longe disso. Sou mulher, sou mãe e sei quando a dor

é de mãe. Abra-se comigo e se eu puder, vou ajudá-la, se não puder, vamos atrás de quem pode.

Carolina sentia amorosidade na quela fala e não suportando mais ser tão forte, deixou que as lágrimas caíssem,falando tudo o que estava passando.

– Por isso preciso do dinheiro para pagar esses dois traficantes. Hoje mesmo vou mudar para a casa de uma amiga para proteger eu e minha família.

– Vamos falar com Estênio; ele é um bom rapaz e vai te ajudar.

Carolina e Esmeralda foram à sala do chefe financeiro, que estava ali na loja apenas há um mês, mas que todos falavam da sua bondade e competência.

O olhar de Estênio era sereno e não fez muitas perguntas para não constranger mais ainda aquela que era tão eficiente funcionária, disse que no final da tarde poderia pegar o dinheiro e que iria descontar de forma suave. Carolina agradeceu e saiu.

À noite na favela

Carolina desce até a boca e paga Carlão, pede a ele que vá com ela até a boca em que Ferreira comanda. João Pedro a reconhece e vai até a ela. Era parceiro de Fernando e gostava muito de Carol.

– Oi, Carol. O que faz você aqui?

– Oi, João Pedro. Como você está?

– Estou bem, graças a Deus, limpo. Os dois se abraçaram, Carol muitas vezes tinha falado com ele para sair dessa vida e estava feliz por vê-lo assim.

– Mas me fala aonde você vai? Teve alguma notícia de Fernando?

– Não. Eu vou falar com o Ferreira, pedir um prazo para pagar a conta do irresponsável do Fernando.

– Eu vou com você.

E sem esperar que ele respondesse, seguiram os três.

Ferreira avistou Carol e foi logo dizendo:

– Tu trouxe a grana do vagabundo do teu marido?

– Senhor Ferreira, eu trouxe uma pequena parte, peço que me deixe ir pagando aos poucos, pois não tenho todo esse dinheiro.

Ferreira olha para ela e com ar de malícia e diz:

– Tu pode pagar tudo de uma vez, daquele jeitinho...

João Pedro sente uma força estranha dentro de si e diz:

– Aí irmão, tu disse ontem que se eu precisasse tu me ajudava. Quebra esse galho, Carol é minha amiga de fé. Ela vai te pagar, pode botar fé.

– Tá certo, moleque, boto fé. Agora tu, Carol, se quiser eu alivio toda a dívida.

– Ferreira, de boa, irmão; deixa a Carol em paz. A voz de João Pedro era firme e em nada parecia de um menino de quinze anos. Ferreira olhou para ele e não o viu, era um índio alto, de olhar severo e ao lado dele, dois homens de capa preta. Ele estremeceu e disse:

– Tô ligado, moleque. Me dá o que tu trouxe e segue, Carol, mas seja rápida com o restante.

Carol ia saindo, mas voltou com a cabeça erguida e disse:

– Quero dizer ao senhor o mesmo que disse a Carlão:essa é a última conta que pago do meu ex-

marido.Não me procure mais para pagar e nem me ameace mais, nem a mim e nem aos meus filhos,pois tenho certeza de que o senhor não vai querer ser devorado por uma leoa. Passe bem, senhor Ferreira.

Saiu deixando atrás de si um traficante que comandava boa parte da favela, mas que ali, diante dela, nada disse. Sentindo arrepiar-se, Ferreira disse:

– Sai de ré, satanás. Longe de mim esses filhos do cão!

– Carol, vamos até minha casa, aviso minha mãe e vou te ajudar.

Quando chegou à casa de João Pedro, ela quase não acredita que Esmeralda era a mãe dele. As duas riram muito quando João Pedro as apresentou.

Nascia ali uma grande amizade.

Esmeralda segue com os dois até a casa de Carolina, mas para no caminho em frente a uma casinha e fala:

– Carolina,quero que veja essa casa, é minha e está fechada há algum tempo, se gostar, pode morar aqui e cuidar dela.

Carolina não soube o que dizer, entrou na casa e encantou-se. Tinha dois quartos e uma sala grande para ela, que estava acostumada com um pequeno barraco. Tinha também uma boa cozinha e um grande banheiro.

– Nossa Senhora, que casinha linda! Quanto é o aluguel, Esmeralda?

– Por enquanto você cuida dela e vai arrumando alguma coisa que eu deixei de lado, depois nós falamos de aluguel. A casa já tem os móveis o que acho que será bom para você.

Carolina quase não acreditava naquilo, era Deus dizendo a ela que estava ali e que a amava muito. Ela aceitou o convite com muita alegria.

Agradecendo a Virgínia com um forte abraço, pegou os meninos e foi para a casa nova, levando apenas as suas roupas deles. Estava radiante quando entrou em casa e tomou um banho demorado. Vera sorria e ligava a televisão colorida para assisti-la junto com Ygor.

Dias depois, Carolina descobre que Fernando foi morto por um bandido em uma briga de bar.

Na loja, Esmeralda e Carolina sempre almoçavam juntas. Severo, que era o gerente geral, chama Carolina em sua sala para parabenizá-la por seu desempenho, oferecendo a ela uma promoção a gerente de vendas. Ela estava emocionada e descia para a loja quando tropeça em Estênio, que a ampara evitando caia.

– Me desculpe, senhor Estênio.

- Não foi nada, Carolina. Mas por favor, não me faça sentir tão velho, sou da sua idade, um pouco mais. Eles riram e desceram conversando.

Dois dias depois, Carolina estava na parada e um carro

para.

– Oi, Carolina.

Era Estênio que oferecia carona. Ela entrou. Era sexta-

feira.

– Como você está? Conseguiu resolver aquela pendência?

– Sim, graças a Deus. Fernando faleceu.

– Oh!Sinto muito!

– Não sinta. Deus o libertou, eu acho. Tinha o deixado há uma semana, quando soube que ele foi assassinado em uma briga no bar. Enfim... Deus o tenha aonde ele merecer. Sofri demais e quero esquecer isso.

– Sei bem o que é isso. Falou Estênio com pesar.

- Usou droga? Ai, desculpe- me.

– Não, não eu, a mãe da minha filha, que morreu de overdose há cinco anos. Mas nunca vivemos juntos e minha filha sempre viveu comigo. Não passou por o sofrimento com a mãe.

Os dois seguiram conversando e ao chegar a casa, Carolina oferece um café, mas Estênio recusa.

– Agradeço a carona.

No sábado, ele passa na mesma parada e a leva para a loja. Sentia nela uma boa sensação. O almoço de deste dia era mais tranquilo e agora, sendo gerente de vendas, ela tinha tempo. Nos finais de semana permit ia-se almoçar em um restaurante ali perto e Esmeralda não podia acompanhá-la no almoço. Carol ia saindo quando Estênio desce as escadas e diz:

– Carolina, você vai almoçar?

– Sim, estou indo agora.

–Se incomoda se eu te acompanhar?

– Claro que não.

Os dois saíram, almoçaram e falaram de muitas coisas. Do templo que ele frequentava, da espiritualidade amorosa que tanto ajudava a todos que iam lá etc.

– Carolina, saio no mesmo horário que você, posso te dar uma carona e hoje ?Aceito aquele café...

– Combinado então.

Um mês se passara e certo dia, após almoçarem juntos novamente, Estênio diz:

– Carolina, eu... Bem... Somos adultos e livres.

Ele parou e sentiu um frio na barriga. Carolina o encarava, queria ouvir aquilo que ele tinha a dizer, gostava dele desde o dia em que o viu no setor financeiro, mas nunca tinha se permitido a sonhar.

– Diga,afinal, somos adultos.

– Bem... eu gosto de você, quero dizer, mais do que gostar... Estou apaixonado por você e quero te namorar se você...

– Eu quero. Eu quero muito.

E os dois se beijaram selando ali um amor de almas

afins.

João Pedro

Era aula de português e ele tinha muita dificuldade. Helena era uma menina tímida e muito inteligente. Sentia vontade de falar com João Pedro, mas tinha receio. Era trabalho em dupla e ele, que buscava uma oportunidade de falar com ela, disse:

– Quer fazer comigo, Helena?

– Claro que sim.

Os dias passavam e Esmeralda, João Pedro e Carolina começaram a frequentar o templo que Estênio ia. João Pedro estava cada dia mais em paz, sabia que ali naquela reencarnação estava dando um passo importante. Era um primeiro degrau de sua renovação. Começou a namorar Helena que também ia ao Templo com sua mãe, que via com bons olhos o namoro dos dois.

Dez anos depois

Tudo ali era decorado com muito bom gosto. A igreja do Jesus Nazareno em São Caetano estava em festa também na espiritualidade. Era o casamento de João Pedro com Helena e de Estênio com Carolina.

Esmeralda estava feliz. Tinha dado a seu coração o direito de amar de novo e em uma viagem a Brasília, tinha conhecido o irmão de Matilde; casaram-se três anos após a sua ida. Ernesto tinha aceitado uma proposta de emprego em São Paulo e hoje mora em São Caetano, deixando todos da favela. Ela estava feliz com o casamento de João Pedro, Helena era como ele, um ser em busca da luz e o caminhar dos dois professando o mesmo credo fazia dos dois um grande casal. O Templo havia ajudado todos a curarem as feridas e a como fazerem uso da prevenção. Prevenir as dores da alma, somente no trabalho com Jesus, o Mestre dos mestres. O Médico dos médicos.

Matilde e sua amiga Clara estavam lá para abraçar aquele menino que se fez homem, que por amor venceu o anticristo e libertou-se das drogas. Que por amor entendeu que tinha vindo ao mundo para engrossar a fileira dos que estavam sob a luz.

Era dia de muita alegria. João Pedro abraça Matilde, que chora muito e o pega pela mão, levando-o à sala que estava vazia. O toque da mão de Matilde era diferente e João Pedro sentia o cheiro doce do fumo. Sentou-se em frente à Matilde, que deixava dos olhos caírem lágrimas de emoção.

– Salve Deus, meu filho!

– Oh, Vó! Salve Deus! Que alegria, Vó, a senhora aqui! Salve sua força, Vó!

– A velha não podia deixar de vir, meu filho. E Deus, conhecendo ainda a fraqueza da velha,me deixou vir para dar uma palavrinha. Hoje meu filho sobe o primeiro degrau na sua escada de renovação e eu estou muito emocionada. A preta velha hoje vê meu filho quebraras correntes e jogá-las longe;a velha está que é emoção só. Salve Deus! Que hoje meu filho entendeu que veio para caminhar na luz. É festa hoje e meu filho recebeu de Deus a moça que veio para trilhar com meu filho o caminho da luz. Nunca deixe que nada tire meu filho da sua fé, do seu caminho. O soldado foi promovido a cabo e as responsabilidades aumentam. E meu filho pode pensar que quanto mais reza mais assombração aparece, é não, meu filho. Deus só dá o comando de um batalhão para o general e não para o soldado. Meu filho hoje é cabo e a velha veio dar o diploma, mas avisar que não deixe a vaidade e o orgulho escurecerem as suas vistas. Trabalhe no coração a humildade,abaixe cada dia mais o orgulho e peça ao Senhor a chance de provar que já está melhor quando as prova vie rem. A velha está sempre por perto. Pregue o amor e ajude aqueles que puder. Fique na paz de Deus, filho da minha alma velha de nega que ama demais.

Matilde e João Pedro se abraçaram e foram para a igreja. Toda a decoração era azul e branco. João Pedro e Estênio estavam no altar esperando aquelas que seriam grandes companheiras. O pai de Carolina entrava com ela na igreja feliz e orgulhoso da filha que agora e ra uma advogada procurada e competente.

Helena era decoradora e João Pedro piloto de avião.

Esmeralda chorava silenciosamente agradecendo a Deus. Eram tempos novos. Era uma subida no degrau da renovação das almas.

Clara olhava tudo, seus olhos espirituais viam a cabocla, a preta velha e todos os amigos de luz que tanto tinham ajudado a cada um ali naquele caminho que agora era mais de luz do que de sombras.

EdyTavares
Enviado por EdyTavares em 02/08/2017
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