A Sociedade
O ritual de iniciação de Benício começou com uma mesa de queijos e vinhos ao badalar das onze horas e onze minutos. Benício elogiou a curiosidade, sorrindo para o anfitrião ao lado.
— “Omnia mihi licent”, jovem! – respondeu o senhor com uma faixa repleta de insígnias que evidenciavam seu grau avançado. – Assim é nossa Sociedade, fazemos o que bem desejamos!
No luxuoso salão acomodavam-se quarenta homens à mesa, vestindo túnicas vermelhas por cima dos ternos. Benício reconhecia um dos presentes, um homem alto e de firmes olhos azuis. Era Silas, um dos padrinhos que o introduziram à Gaudium Eclesia. Silas levantou-se do centro da mesa e saudou a todos.
— Confrades, agradeçamos nosso anfitrião, o irmão Viriato, que nos proporciona a recepção desta noite.
Um senhor de volumosos bigodes brancos, à cabeceira da mesa, acenou, recebendo aplausos. Silas prosseguiu:
— Gostaria também que saudassem nosso mais novo irmão, Benício, que, tendo cumprido seus primeiros rituais, está sendo iniciado hoje e é convidado para o banquete de nossa tão esperada Mediae Bacchantis, a nossa grande orgia anual! – Silas piscou para a plateia, que urrava.
O senhor ao lado de Benício beliscou sua bochecha e desejou-lhe boas-vindas. Benício sorria de excitação. Soubera da fama das festividades do grupo, e finalmente participaria de uma.
— Sim! – continuou Silas – Viva o Mediae Bacchantis! E viva nossa Sociedade, a Gaudium Eclesia, que não poderia deixar mais clara em seu brasão a razão de nossa existência: “Tudo me é permitido, e tudo me convém!” – e erguendo a mão para o estandarte de seda com letras em ouro, pendurado no teto, sobre a mesa, repetiu o lema da sociedade – “Omnia mihi licent et omnia mihi expediunt!”
— “Omnia mihi licent! Omnia mihi expediunt!” – exclamaram os convidados.
Benício sentiu-se orgulhoso de poder ingressar na seleta Sociedade, e ia instigando seu apetite não só com os refinados tipos de queijo e a variedade de raros vinhos brancos, mas também com as curiosas conversas dos excêntricos associados, que se vangloriavam dos cruzeiros que faziam, das comidas exóticas que provavam, dos animais raros que caçavam, e de quantos empregados tinham a seu dispor. Um dos confrades chamava-se Valentim, amigo de longa data de Silas. Valentim vangloriava-se de ter escravos em uma lavoura no interior do país, e de ter visitado cada país do mundo, e ter tido uma transa, pelo menos uma, em cada país do mundo.
— Transei com todas as raças! – gabava-se.
— E qual foi a melhor transa? – inquiriu Silas, deixando Benício ainda mais curioso.
— Natasha, uma prostituta de Mônaco. Parecia a encarnação de Afrodite. Gastei uns vinte mil com ela em um dia. E a sua melhor transa, Silas? Deve ter sido com uma de suas aventuras asiáticas – incitou Valentim.
— Com certeza, velho amigo – riu o confrade, dando uma piscadela. – Mas não me lembro do nome, só do rosto. Era uma virgenzinha tailandesa – Silas puxou do bolso da calça uma mecha de cabelo. – Isso aqui é uma mecha da franja dela. Não é como as das outras que eu coleciono em casa, como um souvenir. Essa eu levo comigo, como um prêmio. É uma sensação única.
As conversas se seguiam, membro após membro engrandecendo-se de seus abusos. Benício esperava em breve ter feitos para se gabar, agora que era um deles. Até que o salão parou por um sinete tocado por Valentim, que tomou a frente da cerimônia e avisou que era chegada a hora do banquete.
Duas Limousines conduziram os convidados até uma das fazendas do anfitrião Viriato. Silas e Benício foram com Valentim, que quis saber mais sobre o novato.
— Já chicoteou escravos, garoto? Já forçou alguém a lhe dar prazer? Já tirou tudo de alguém só porque sabia que tudo o que desejar pertence a você por direito?
— Ainda não. Mas, sabe, quando eu vejo as pessoas, na rua, sei que sou superior, sinto que posso fazer o que quiser com elas.
— Esse é o espírito! Fazer o que fazemos é tão somente exercer o direito natural de nossa magnificência sobre o resto das gentes – reiterou Valentim, erguendo uma taça de champanhe.
Pararam na entrada de um bosque. Uma trilha florida ladeada de archotes conduzia os passantes pelas profundezas da mata até uma enorme clareira, preparada para a festividade da noite.
Adolescentes nus batiam em tambores africanos enquanto adolescentes nuas uivavam e dançavam como em transe em torno de uma grande fogueira. Os olhos de Benício brilhavam sobre os corpos lisos e corados. Seu coração pulando no ritmo dos tambores.
— Et ecce gaudium et lætitia. E eis aqui gozo e alegria! – exclamou Valentim, inaugurando a festa. Os confrades urravam e começaram a dançar com as adolescentes em torno da fogueira. Alguns haviam trazido flautas e as tocavam, outros tão logo haviam chegado, livravam-se das roupas e dançavam nus.
Benício foi se aproximando da fogueira, as pontas dos dedos provando a pele das jovens que por ele passassem, e meditava na importância de estar ali, sentindo-se especial. Aquele era seu lugar de direito. Finalmente estava acima da plebe.
— E o que acontece agora? – Benício virou-se para trás, em meio a todo aquele alarido selvagem, e Silas o fitava com um sorriso fixo.
— Agora, occidere vitulos et jugulare aríetes – reiterou Silas, piscando o olho. E, em um golpe certeiro e firme, rasgou a garganta de Benício com um punhal. A multidão urrou e aplaudiu.
— Comedamus et bibamus cras enim moriemur! – conclamou Valentim.
Prontamente, um grupo estirou sobre uma lona próxima à fogueira um jogo de facas e cutelos. Outro grupo espalhou sobre uma mesa especiarias e temperos dos cantos mais remotos do mundo.
— A lenha já está crepitando. O fogo está no ponto. Que partes preferem? – inquiriu um dos cozinheiros, afiando o facão.
— O coração é meu. Quero-o defumado e temperado com alecrim e framboesa – decidiu Silas. O cozinheiro elogiou a escolha e ordenou os preparativos.
— Eu queria poder provar uma alma, uma vez. Qual é a sensação? – perguntou um jovem de um grau inferior, com água na boca.
— Não seja afobado – respondeu Valentim. – “Omnia mihi licent”. Nós fazemos tudo o que quisermos. Mas é preciso preparo. Primeiro aprendemos a satisfazer a carne, depois o espírito. Um dia chegará sua vez. Hoje, a alma dele é minha.
Benício ficou estirado ali sobre a relva, os sentidos esvaídos sobre uma poça carmesim. A sociedade se aglomerava ao redor. Os mais graduados escolhiam as adolescentes preferidas para o ritual de orgia e os mais novos murmuravam um cântico antigo enquanto os cozinheiros aprontavam a grelha. O banquete logo seria servido. Foi uma noite inesquecível.
O ritual de iniciação de Benício começou com uma mesa de queijos e vinhos ao badalar das onze horas e onze minutos. Benício elogiou a curiosidade, sorrindo para o anfitrião ao lado.
— “Omnia mihi licent”, jovem! – respondeu o senhor com uma faixa repleta de insígnias que evidenciavam seu grau avançado. – Assim é nossa Sociedade, fazemos o que bem desejamos!
No luxuoso salão acomodavam-se quarenta homens à mesa, vestindo túnicas vermelhas por cima dos ternos. Benício reconhecia um dos presentes, um homem alto e de firmes olhos azuis. Era Silas, um dos padrinhos que o introduziram à Gaudium Eclesia. Silas levantou-se do centro da mesa e saudou a todos.
— Confrades, agradeçamos nosso anfitrião, o irmão Viriato, que nos proporciona a recepção desta noite.
Um senhor de volumosos bigodes brancos, à cabeceira da mesa, acenou, recebendo aplausos. Silas prosseguiu:
— Gostaria também que saudassem nosso mais novo irmão, Benício, que, tendo cumprido seus primeiros rituais, está sendo iniciado hoje e é convidado para o banquete de nossa tão esperada Mediae Bacchantis, a nossa grande orgia anual! – Silas piscou para a plateia, que urrava.
O senhor ao lado de Benício beliscou sua bochecha e desejou-lhe boas-vindas. Benício sorria de excitação. Soubera da fama das festividades do grupo, e finalmente participaria de uma.
— Sim! – continuou Silas – Viva o Mediae Bacchantis! E viva nossa Sociedade, a Gaudium Eclesia, que não poderia deixar mais clara em seu brasão a razão de nossa existência: “Tudo me é permitido, e tudo me convém!” – e erguendo a mão para o estandarte de seda com letras em ouro, pendurado no teto, sobre a mesa, repetiu o lema da sociedade – “Omnia mihi licent et omnia mihi expediunt!”
— “Omnia mihi licent! Omnia mihi expediunt!” – exclamaram os convidados.
Benício sentiu-se orgulhoso de poder ingressar na seleta Sociedade, e ia instigando seu apetite não só com os refinados tipos de queijo e a variedade de raros vinhos brancos, mas também com as curiosas conversas dos excêntricos associados, que se vangloriavam dos cruzeiros que faziam, das comidas exóticas que provavam, dos animais raros que caçavam, e de quantos empregados tinham a seu dispor. Um dos confrades chamava-se Valentim, amigo de longa data de Silas. Valentim vangloriava-se de ter escravos em uma lavoura no interior do país, e de ter visitado cada país do mundo, e ter tido uma transa, pelo menos uma, em cada país do mundo.
— Transei com todas as raças! – gabava-se.
— E qual foi a melhor transa? – inquiriu Silas, deixando Benício ainda mais curioso.
— Natasha, uma prostituta de Mônaco. Parecia a encarnação de Afrodite. Gastei uns vinte mil com ela em um dia. E a sua melhor transa, Silas? Deve ter sido com uma de suas aventuras asiáticas – incitou Valentim.
— Com certeza, velho amigo – riu o confrade, dando uma piscadela. – Mas não me lembro do nome, só do rosto. Era uma virgenzinha tailandesa – Silas puxou do bolso da calça uma mecha de cabelo. – Isso aqui é uma mecha da franja dela. Não é como as das outras que eu coleciono em casa, como um souvenir. Essa eu levo comigo, como um prêmio. É uma sensação única.
As conversas se seguiam, membro após membro engrandecendo-se de seus abusos. Benício esperava em breve ter feitos para se gabar, agora que era um deles. Até que o salão parou por um sinete tocado por Valentim, que tomou a frente da cerimônia e avisou que era chegada a hora do banquete.
Duas Limousines conduziram os convidados até uma das fazendas do anfitrião Viriato. Silas e Benício foram com Valentim, que quis saber mais sobre o novato.
— Já chicoteou escravos, garoto? Já forçou alguém a lhe dar prazer? Já tirou tudo de alguém só porque sabia que tudo o que desejar pertence a você por direito?
— Ainda não. Mas, sabe, quando eu vejo as pessoas, na rua, sei que sou superior, sinto que posso fazer o que quiser com elas.
— Esse é o espírito! Fazer o que fazemos é tão somente exercer o direito natural de nossa magnificência sobre o resto das gentes – reiterou Valentim, erguendo uma taça de champanhe.
Pararam na entrada de um bosque. Uma trilha florida ladeada de archotes conduzia os passantes pelas profundezas da mata até uma enorme clareira, preparada para a festividade da noite.
Adolescentes nus batiam em tambores africanos enquanto adolescentes nuas uivavam e dançavam como em transe em torno de uma grande fogueira. Os olhos de Benício brilhavam sobre os corpos lisos e corados. Seu coração pulando no ritmo dos tambores.
— Et ecce gaudium et lætitia. E eis aqui gozo e alegria! – exclamou Valentim, inaugurando a festa. Os confrades urravam e começaram a dançar com as adolescentes em torno da fogueira. Alguns haviam trazido flautas e as tocavam, outros tão logo haviam chegado, livravam-se das roupas e dançavam nus.
Benício foi se aproximando da fogueira, as pontas dos dedos provando a pele das jovens que por ele passassem, e meditava na importância de estar ali, sentindo-se especial. Aquele era seu lugar de direito. Finalmente estava acima da plebe.
— E o que acontece agora? – Benício virou-se para trás, em meio a todo aquele alarido selvagem, e Silas o fitava com um sorriso fixo.
— Agora, occidere vitulos et jugulare aríetes – reiterou Silas, piscando o olho. E, em um golpe certeiro e firme, rasgou a garganta de Benício com um punhal. A multidão urrou e aplaudiu.
— Comedamus et bibamus cras enim moriemur! – conclamou Valentim.
Prontamente, um grupo estirou sobre uma lona próxima à fogueira um jogo de facas e cutelos. Outro grupo espalhou sobre uma mesa especiarias e temperos dos cantos mais remotos do mundo.
— A lenha já está crepitando. O fogo está no ponto. Que partes preferem? – inquiriu um dos cozinheiros, afiando o facão.
— O coração é meu. Quero-o defumado e temperado com alecrim e framboesa – decidiu Silas. O cozinheiro elogiou a escolha e ordenou os preparativos.
— Eu queria poder provar uma alma, uma vez. Qual é a sensação? – perguntou um jovem de um grau inferior, com água na boca.
— Não seja afobado – respondeu Valentim. – “Omnia mihi licent”. Nós fazemos tudo o que quisermos. Mas é preciso preparo. Primeiro aprendemos a satisfazer a carne, depois o espírito. Um dia chegará sua vez. Hoje, a alma dele é minha.
Benício ficou estirado ali sobre a relva, os sentidos esvaídos sobre uma poça carmesim. A sociedade se aglomerava ao redor. Os mais graduados escolhiam as adolescentes preferidas para o ritual de orgia e os mais novos murmuravam um cântico antigo enquanto os cozinheiros aprontavam a grelha. O banquete logo seria servido. Foi uma noite inesquecível.