DESTINO
 
 
             O medo de Aguinaldo era ser enterrado vivo.
            Imaginava a solidão absoluta que deve existir em um jazigo lacrado. Mesmo que houvesse movimento no cemitério, ninguém o perceberia. Ser enterrado vivo, pensava, é como morrer. A todos conhecidos alertava sobre a necessidade de um bom exame médico para atestar a morte e que o ideal seria que se instituísse um ritual de velório com pelo menos três dias de duração.
           O medo passou a tornar-se uma obsessão. Ficava horas a fio planejando técnicas de comunicação no caso de eventuais desmaios ou qualquer tipo de perda de consciência.
              Com o tempo passou a colocar bilhetes nos bolsos, alertando que, caso perdesse a consciência, fundamental seria o uso de um espelho próximo às narinas, antes de ser declarado morto. Mais tarde passou a estudar e foi acrescentando detalhes nos bilhetes. "O ideal, antes de qualquer diagnóstico, que se faça um acurado estudo eletromiográfico do músculo cardíaco e uma demorada observação de possíveis atividades elétricas cerebrais, de preferência utilizando isótopos injetados no sangue e verificando sua passagem pelo cérebro, objetivando detectar qualquer atividade do órgão."
               A obsessão chegou a tal ponto que ele já não conseguia se concentrar em mais nada. Perdeu o emprego, foi despejado do apartamento e hoje mora debaixo da ponte da Azenha, onde ninguém que passa pode vê-lo.