JUCA
JUCA
Ele aparecera assim de repente. Sem aviso de querer partir. Sem grandes pretensões. Foi ficando. E Bernardo se afeiçoou. De tal forma que Clarice não teve alternativa. “Já que está aqui, deixo que fique.” Não seria ela o obstáculo à alegria de Bernardo.
O menino estava com seis anos. Cabelos cacheados e pretos. Sorriso contido. Meio de canto de boca. Forte na fala. Fraco nas querências. Tudo sempre estava bom para ele. A escola e Juca eram suas distrações. A mãe achava bom. “Antes se interessar pelos estudos que ficar na TV ou na vizinhança o tempo todo.” Gostava de tê-lo por perto.
Filho único de um relacionamento que acabara quando Bernardo nasceu.
O marido, caminhoneiro, estava para chegar de uma curta viagem. Vinha de Sorocaba. Iria direto para a maternidade abraçar mulher e filho.
Sonhara com o rosto do bebê e dizia que teria uma covinha do lado direito da bochecha. Igual a mãe. Clarice sorria e a covinha aparecia.
Julio estava ansioso para carregar Bernardo no colo. Tinha planos para o rebento. Passaria o caminhão Scânia “Cara Chata” Azul para o filho. Ele seria seu companheiro nas viagens. Até que pudesse substituir o pai.
Clarice se desesperava com os sonhos de Julio. “Já chega o pai ausente a cada dois meses. Ainda vai o filho também? Nem pensar, senhor Julio!”
Nos momentos de reflexão, ela gritava para si mesma: “Quero meu filho aqui bem junto. Nada de distâncias. Nada de ausências!”
Julio virara a noite dirigindo. Queria chegar logo para ficar mais tempo com os dois. Mas a viagem de volta terminou mais cedo do que ele esperava. Uma carreta desgovernada passara para outra pista. Atingira o Scânia de Julio em cheio. Ele não tivera tempo nem de saber o que estava acontecendo. Mas viu Bernardo sorrindo. Viu a covinha tal qual sonhara.
Havia um limite entre eles. O limite entre a vida e a morte.
Clarice ficou incumbida de criar Bernardo sozinha. Acumulava funções. Trabalhava meio período na escola do filho como inspetora de aluno. Limpava as classes e os banheiros. Na cozinha auxiliava na merenda. Bernardo ajudava para terminarem logo.
Muitas vezes o cansaço fechava os olhos dos dois ao mesmo tempo.
Os sonhos de Clarice eram desertos de desejos. Trabalhar para sustentar a casa e o filho já consumia boa parte dos seus anseios. Toda a energia se esgotava nisso. Até que soube que aquilo também não ia durar para sempre.
Houve um breve lapso temporal. Num átimo de intervalo na respiração. Mais longo que um susto. Nas palavras pausadas do Dr. Danilo a notícia: Bernardo havia desenvolvido leucemia.
Juca não desgrudava do menino. Para o hospital, Bernardo e Clarice iam de ambulância. Juca os acompanhava numa corrida desenfreada. Quando chegavam lá, montava guarda na porta.
Em casa não saía de perto. Não comia e nem bebia.
O olhar de Juca para Bernardo tinha o comprimento do quarto.
Sem cabelos e sem viço nas faces, a covinha sumira. Bernardo não sorria mais.
Naquela noite Juca não acompanhou a ambulância. Ficou montando guarda na porta de casa.
Presenciou a cena mais linda que já vira em toda sua vida canina.
Julio regressava. Com ele nos braços, vinha Bernardo.
Finalmente Julio carregava o filho no colo.
Juca abanou a cauda peluda.
E seguiu. Ao lado dos dois.
Mírian Cerqueira Leite