Um erro

Tinha cometido um erro, ele sabia.

Mas estava ofegante ainda, para conseguir pensar com clareza.

O álcool e o tesão haviam lhe subido a cabeça, e lá estava ele, montado sobre aquela mulher que gemia sob seu corpo e se contorcia a cada vez que ele se apertava contra ela. Era muito tarde para que conseguisse parar, e sendo assim continuou o serviço da melhor forma que sabia. Enrolou a mão direita nos longos cabelos loiros da mulher e puxou. Ela ergueu a cabeça enquanto ele esguichava todo seu prazer dentro dela.

Agora sim, ele se sentia melhor... mas ainda parecia errado.

Não devia estar ali. Devia estar fazendo outras coisas em vez de fugir de si próprio com aquela mulher.

Os corpos se separaram, ela se virou de lado, com as pernas trêmulas, e tateou a escrivaninha em busca de uma carteira de cigarros. Sentou-se recostada em um travesseiro, levou um cigarro à boca e o acendeu. Ele ficou olhando a mulher e a fumaça que ela soltava pelas narinas e sentiu vontade de fugir pela janela, mas contentou-se em tomar mais um gole de uísque, diretamente da boca da garrafa. Sabia que não era elegante. Sabia que não era bonito. Sabia que não era bom de conversa, mas de vez em quando dava uma dentro. Apesar de tudo, ainda parecia errado. Nem todo álcool do mundo faria isso mudar.

- Se quiser, pode tomar um banho – Ela disse, enquanto apagava o cigarro no cinzeiro.

- Ah. Obrigado. Mas eu preciso ir.

- Porque a pressa?

- Eu realmente tenho que ir.

- Estou acostumada a ser fodida mais vezes do que isso.

- Acho que vou ficar em dívida então.

- Tudo bem. Você foi bem acima da média. Apesar da pança.

Ele sorriu, mostrando apenas um pouco de seus dentes amarelados, e começou a procurar a roupa espalhada pela cama.

A mulher se levantou e enrolou-se num roupão rosado de seda.

- A porta está aberta. Pode sair. Até a próxima. – Disse-lhe antes de desaparecer na meia luz do banheiro.

Ele terminou de se vestir e saiu em direção ao elevador.

Chegando no seu carro, tomou o rumo de sua casa, mas parou no meio do caminho, em um posto de gasolina. Deu uma nota de cem reais ao frentista e pediu que lhe colocasse de gasolina aditivada.

Enquanto o rapaz fazia o serviço, disfarçadamente ele enxugou os olhos, que estavam marejados desde que havia deixado a mulher.

Ele se sentia sujo para voltar para casa e então, decidiu-se por tomar um caminho alternativo.

Saiu do posto e andou por alguns minutos antes de alcançar o seu destino. Quando chegou já amanhecia.

Desceu do carro e encarou o portão azul de um cemitério. Andou pela estradinha de pedras, passando por várias lápides e túmulos, cobertos de flores. Era o dia seguinte ao dia de finados. O terceiro desde que tinha ficado viúvo. Não tinha trazido nada para sua esposa. Só suas lágrimas e suas saudades.

Já havia algum tempo que não a visitava. Ela havia pedido que ele tentasse seguir com sua vida, mas era algo que ele sabia que estava além de suas forças e possibilidades. No primeiro ano, vinha no cemitério uma vez por semana, depois, uma vez por mês, e agora raramente aparecia. Mas ainda assim, ela não lhe saia da cabeça. Toda noite estava com ele, nos seus sonhos. E estava lá sempre que se aproximava de uma mulher. Por isso tudo soava errado.

No final da estradinha estava o túmulo de Lúcia.

Sentou-se à beira da lápide e se desmanchou em lágrimas e em pedidos de perdão. Sentia-se como um adúltero. Pois nem a morte tinha sido capaz de separá-los. Nem a morte, nem Deus, nem o diabo. Tinha sido fraco. Mas não seria mais.

Beijou a lápide e voltou para o carro.

Dirigiu até a saída da cidade e tomou uma auto-estrada.

iria dirigir até onde o veículo conseguisse lhe levar,

e então caminharia até onde seus pés permitissem,

e viveria até onde o seu corpo suportasse.

até quando a morte viesse e lhe devolvesse à companhia de Lúcia.

Parecia o certo a se fazer, e aos poucos foi se acalmando. O vento frio da estrada e o cheiro do canavial e das matas ao redor lhe trouxeram um sentimento de tranquilidade que não lembrava de sentir há muito tempo. Seus olhos foram se fechando aos poucos, sem que ele resistisse ao cansaço. Quando voltaram a se abrir ele só conseguiu ver os faróis de um caminhão praticamente lhe cegando. Depois de um estrondo, tudo escureceu e finalmente ele sentiu.

Estava novamente nos braços de Lúcia.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 16/07/2017
Código do texto: T6056160
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.